Peruibense é referência na arte do mosaico

Célia Sodré ganhou reconhecimento do seu trabalho em aclamada exposição na Itália

(Fotos: Enio Lourenço)

Desde pequena, Célia Sodré é encantada pela arte. A artista plástica peruibense, de 58 anos, de família caiçara, antes de dedicar sua vida à produção de mosaicos estudou psicologia e exerceu a profissão por alguns anos. Filha do ex–prefeito Benedito Marcondes Sodré, ela fazia exposições de pintura em porcelana em São Paulo. Contudo, há 18 anos, Célia seguiu a vocação natural e abraçou a paixão infantil, mergulhando nas artes plásticas e na arteterapia.

No ateliê Arteiras, na Avenida Padre Anchieta, 1025, Loja 9, não há uma artista munida de uma paleta de tintas, debruçada sobre telas. O visitante encontra animais, figuras religiosas, mandalas, orixás ou números de casas moldados em azulejos e pastilhas. Célia começou com a pintura em porcelana, a partir de um curso que fez com a artista Susana Freire Neves, em Santos, mas desenvolveu alergia às tintas de porcelana, que são muito fortes, principalmente a terebintina – há relatos de artistas que tiveram problemas no sangue e morreram.

Por isso, Célia migrou para o mosaico. Apesar de grandes artistas brasileiros – Cândido Portinari, Di Cavalcanti, Thomie Othake – terem passado pela arte em mosaicos, Célia lamenta que essa manifestação cultural ainda não obtenha o status fine art (reconhecida pelo seu valor estético e não comercial) no país. “O mosaico é considerado a segunda forma de arte da humanidade. A primeira foi a arte rupestre nas cavernas. Em museus da Europa encontram-se seções com fragmentos de mosaico de mais de 3.000 anos. Por isso ele é considerado a pintura para a eternidade.”

A exposição da artista na terra do mosaico

Oxóssi (Foto: Enio Lourenço)

Há 11 anos, Célia Sodré é voluntária e, agora, ela preside a entidade Recanto Colônia Veneza e Escola Agroecológica da Família – projeto criado pelo frei dominicano Giorgio Callegari. Lá, ela ensina a arte do mosaico a 350 crianças. “Os dominicanos sempre tiveram uma queda pela arte, pelo belo, pela estética. Por isso Frei Giorgio sempre acreditou na possibilidade de se fazer o resgate da cidadania por meio da arte” – comenta.

Segundo a artista, as ONGs que mantêm a entidade são, na maioria, italianas, algumas ligadas ao movimento artístico-cultural de Veneza, a terra do mosaico na Itália. Há seis anos, os venezianos a convidaram a fazer uma exposição. “Eles viram a minha coleção de orixás, que os impressionou bastante. Em abril de 2010, fizemos uma exposição itinerante que passou por Veneza, Bérgamo e Fidenza”.

De formação católica, Célia e admira a mitologia africana. A coleção que ela levou à Itália era composta de 21 quadros, que representavam deuses do candomblé e da umbanda. A série foi exposta na Igreja de San Samuele, em Veneza. A história de um orixá emocina a artista: Oxóssi. “Ele é o provedor da família, ligado à caça. É o deus que tem o contato com os animais e com a floresta.”

Na representação de Oxóssi há grande diversidade de materiais – pontas de vidro, conchas, dois tipos de búzios, espelho e azulejos pintados. A lua é feita de porcelana pintada. Toda a coleção levada à Europa foi vendida – o mosaico de Oxóssi alcançou € 3.000. Célia, agora, prepara uma nova coleção de mosaicos inspirada nas riquezas naturais de Peruíbe. “Vou fazer uma série de aves brasileiras da Mata Atlântica de Peruíbe. Eu achei uma foto de um papagaio de cara roxa que temos aqui e vou trabalhar em cima.”

É possível acompanhar o trabalho da artista na internet no site www.celiasodre.com.br e em sua página do  Flickr.

O processo criativo ocorre nas madrugadas

A artista possui três fornos elétricos para a produção de mosaicos: um para porcelana, outro para cerâmica e o terceiro para vidro. “Eu queimo os materiais de madrugada. É a hora que eu estou mais tranquila.” Ela diz que o seu trabalho notívago não incomoda os vizinhos. “Meu marido reclama do valor da conta de luz” – brinca.

Para chegar às impressionantes figuras dos orixás, mandalas e santos católicos, Célia destaca a unicidade de cada obra como o diferencial do seu trabalho. “Eu não sou uma pessoa certinha, que tenho um risco definido. Eu idealizo o que estou almejando, preparo o material, faço as queimas da porcelana, da cerâmica ou do vidro e faço a composição. São vários cortes diferentes, que eu faço em cada peça com a torquês de mão. As tonalidades de cor de cada peça também vêm da texturização prévia dos materiais e das queimas, que podem variar de 750 ºC a 1.000 ºC.”

Além das três matrizes principais (porcelana, cerâmica e vidro), ela também utiliza madeira de cerejeira, chaves velhas, pedra brasileira quartzo, mármore, vidro quebrado de para-brisa, garrafas de bebida, pontas de bambu, etc. “Cada obra depende da conversa que eu tenho com ela” – resume.