Sob suspeita

Congressistas dos EUA querem investigar cooperação do país com Lava Jato

Deputados manifestam preocupação com democracia brasileira: “Particularmente com o que parece ter sido um esforço politizado e falho para prender Lula e mantê-lo fora das urnas em 2018”

José Cruz / Fábio R. Pozzebom / ABR
José Cruz / Fábio R. Pozzebom / ABR
Investigadores norte-americanos podem ter de explicar seu papel na relação suspeita entre o ex-juiz Sergio Moro e procuradores como Deltan Dallagnol, que resultaram na prisão político do ex-presidente Lula

São Paulo – “Se o DoJ (o Departamento de Justiça dos Estados Unidos) desempenhou algum papel na erosão da democracia brasileira, devemos agir e garantir a responsabilização para que isso nunca se repita.” A afirmação é da deputada democrata Susan Wild, da Pensilvânia, em entrevista à BBC News Brasil. Ela é uma das signatárias da carta enviada hoje (7) ao DoJ por um grupo de 20 congressistas norte-americanos. Eles querem que os Estados Unidos tornem públicas as informações da cooperação entre órgãos de investigação do país e a Operação Lava Jato, no Brasil.

A carta é assinada por estrelas do Partido Democrata, como a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, como informa a reportagem. E foi remetida ao secretário de Justiça Merrick Garland, que assumiu a pasta após a chegada de Joe Biden à Casa Branca.

Os deputados relatam no documento sua preocupação com “o envolvimento de agentes do Departamento de Justiça dos Estados Unidos em procedimentos investigativos e judiciais recentes no Brasil, que geraram controvérsia substancial e são vistos por muitos no país como uma ameaça à democracia e ao Estado de Direito”.

Diálogos publicados pelo site The Intercept Brasil, na série de reportagens chamada de Vaza Jato, dão a entender que investigadores brasileiros integrantes da força-tarefa da Lava Jato não teriam formalizado, de acordo com a lei, essas ações de cooperação com os Estados Unidos. “Em entrevista à BBC News Brasil, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes afirmou que, comprovadas as faltas, isso poderia levar a novas anulações de julgamentos da Operação.

Lula livre

A apreensão no Congresso norte-americano é grande diante da possibilidade de participação de investigadores do país em atos considerados ilegais pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, em conluio com os procuradores da Lava Jato, levou o STF a anular os julgamentos que condenaram ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o tiraram das eleições de 2018.

“Os parlamentares dos EUA temem que as ações de agentes investigativos americanos possam ser vistas como interferência na política nacional brasileira”, diz a reportagem. Isso porque a Lava Jato levou ao impedimento da candidatura presidencial de Lula em 2018 e alçou Sergio Moro a ministro da Justiça de Bolsonaro.

Ouvidos pela reportagem, tanto o ex-juiz Sergio Moro quanto o Ministério Público Federal do Paraná negaram que tenha havido qualquer irregularidade ou ilegalidade na cooperação com os agentes americanos.

Já a deputada Susan Wild diz preferir esperar “informações completas antes de tirar quaisquer conclusões” sobre o papel de agentes do FBI ou do DoJ. A deputada destaca: “Os Estados Unidos devem estar atentos à sensibilidade de seus atos tanto no Brasil quanto em outros lugares da América Latina, dado o histórico de interferência dos EUA na região”.

História sombria

Durante a presidência de Barack Obama (2009-2017), os Estados Unidos inauguraram a “diplomacia da abertura”. Foram tornados públicos documentos diplomáticos secretos sobre violações aos direitos humanos cometidos pelos regimes ditatoriais de Brasil, Argentina e Chile.

“Os Estados Unidos têm uma história sombria de intervenção na política interna da América Latina e precisamos compreender totalmente a extensão do envolvimento dos EUA (com a Lava Jato) para evitar que uma eventual implicação inaceitável aconteça no futuro”, afirmou à BBC News Brasil o deputado Raúl Grijalva. O parlamentar do Arizona é um dos signatários da carta ao DoJ.

“À medida que o Brasil se aproxima da eleição presidencial de 2022, acredito ser crucial que os membros do Congresso dos EUA deixem claro que a era de interferência acabou – o povo brasileiro deve ser livre para escolher seus próprios governos”, disse Susan Wild à reportagem.

Em agosto de 2019, após as primeiras denúncias da Vaza Jato, 12 congressistas norte-americanos também enviaram carta ao DoJ sobre o envolvimento de autoridades dos Estados Unidos com a Operação Lava Jato. Só em junho de 2020 veio a resposta: “O Departamento não pode fornecer informações sigilosas sobre esses assuntos nem revelar detalhes não públicos das ações.”