Torcedores e famosos explicam indignação com Bolsonaro no Palmeiras

De carteirinha rasgada a comparações com os anos 1930, veja algumas reações à presença de político na entrega da taça de campeão brasileiro

Divulgação

O ator Marco Ricca, em cena do filme ‘Romeu e Julieta’: ‘O campeonato terminou de maneira melancólica, nem consegui assistir à comemoração’

Carta Capital – Vencer o Campeonato Brasileiro não é fácil. Para muita gente, ver seu time campeão nacional é algo que acontece poucas vezes na vida e, de tão especial, se torna um momento guardado com carinho, a celebração de uma conquista esportiva dissociada de outros valores, como a política.

É por isso que a presença do presidente eleito, Jair Bolsonaro, na entrega da taça ao Palmeiras, após a partida contra o Vitória neste domingo 2, desagradou, e muito, a vários palmeirenses.

Já o Palmeiras se diz tranquilo com o imbróglio, e lava as mãos. Fontes do clube dizem que o convite a Bolsonaro foi apenas para ir ao estádio, acompanhar a partida. Já a decisão de escolhê-lo para entregar a taça partiu da CBF, garantem dirigentes do clube. E, como a entidade ainda era a detentora do troféu, o alviverde não opinou sobre o assunto. 

Horas depois do ocorrido, as redes sociais já estavam repletas de depoimentos de palestrinos furiosos, incluindo sócio-torcedores que decidiram abandonar o programa de fidelidade e não prosseguir apoiando o time financeiramente. A CartaCapital ouviu torcedores ilustres e comuns que resolveram expressar seu descontentamento por discordar da presença do político na festa do clube.

“Fez lembrar a Olimpíada de 1936 na Alemanha”

DivulgaçãoMiguel Nicolelis
O neurocientista Miguel Nicolelis veio dos EUA, onde trabalha, para assistir à entrega da taça de campeão brasileiro, mas não gostou do que viu

O neurocientista Miguel Nicolelis, considerado uma das maiores mentes vivas do Brasil, viajou dos Estados Unidos (onde está trabalhando) a São Paulo só para vir assistir à entrega da faixa de campeão brasileiro ao time pelo qual sempre foi apaixonado. Acabou não gostando nada do que viu. “Foi constrangedor, nunca esperei que o clube fosse protagonizar essa mistura de celebração esportiva com palanque político. Erro crasso da diretoria, que vai repercutir no mundo inteiro”, lamenta.

O ato da diretoria palmeirense fez o neurocientista voltar mais de meio século na história. “Fiquei lembrando de quando Benito Mussolini, na Itália, usava o esporte para fazer propaganda de seu regime, ou de como o governo alemão fez uso da Olimpíada de 1936 para propagar as ideias de seu regime. Sou palmeirense há mais de 50 anos, a instituição não merece e não será atingida por este ato irresponsável e amador da diretoria.”

“Ele não me representa. Nem palmeirense ele é”

DivulgaçãoCartão do Avanti quebrado
Do publicitário Paulo Zaidan: ‘Quando vi a palhaçada, quebrei meu cartão para não ficar tentado a voltar’

É do publicitário Paulo Zaidan, 59 anos, o cartão rompido em fúria que ilustra essa reportagem. “Desde que me tornei sócio-torcedor, em 2015, devo não ter ido a só uns três jogos e não por vontade própria, mas impedimentos sérios. Este ano parei momentaneamente por motivos financeiros mas ia voltar a tempo de ver o último jogo. Desisti quando soube do convite ao Bolsonaro, por ele ser misógino, racista, contra tudo o que acredito. Quando vi a palhaçada, quebrei meu cartão para não ficar tentado a voltar”, disse.

“O Palmeiras é enorme, antifascista, operário, libertário, formado por imigrantes. O Bolsonaro é o oposto disso, nem palmeirense é, já tirou foto com camisa de tudo quanto é time, é um oportunista.  Foi um desrespeito ao Palmeiras.”

“O protagonismo do título não deveria ser de um político”

O ator Marco Ricca (que protagonizou o filme Romeu e Julieta, no qual interpreta um personagem corintiano que namora uma palmeirense) destaca que o título do Palmeiras acabou ofuscado pela presença de Jair Bolsonaro na entrega das premiações. “Achei a decisão da diretoria absolutamente lastimável. Ninguém poderia ser maior do que o nosso décimo título brasileiro!”, resume. Ricca afirma também que mesmo que não tenha sido a diretoria do clube a responsável pelo convite ao presidente eleito para fazer a entrega dos prêmios, os cartolas deveriam ter enfrentado a situação de forma a evitar “este grande constrangimento à história do clube”.

“Quando alguns jogadores do Palmeiras declararam que iriam votar em Bolsonaro, eu fiz parte de um grupo de torcedores que fez um abaixo-assinado em repúdio a este ato. Agora, acontece esse episódio, que deixou tanta gente com ‘vergonha alheia’… A torcida não merecia isso, mesmo que muitos apoiem este senhor, o protagonismo em um título do Palmeiras jamais deveria ser de um político. O campeonato terminou de maneira melancólica, nem consegui assistir à comemoração”, desabafa.

“Nunca imaginei que fosse presenciar isso em vida”

A produtora de cinema Anamaria Boschi tem belas memórias de títulos do Palmeiras, lembra com carinho de todos os títulos a que assistiu, até os conquistados fora de casa, como o Campeonato Brasileiro de 1993, vencido em uma partida contra o Vitória no Morumbi, estádio do São Paulo. No último domingo, porém, ela foi à sua arena festejar a mais nova conquista, mas diz ter ficado horrorizada.

“Quase o estádio inteiro de punho fechado gritando ‘mito’. Me senti em um filme, no Museu do Holocausto em Nuremberg. Depois de quatro anos vivendo na China, onde vi vários desfiles militares, achei isso uma palhaçada. Mulheres e crianças gritando, me mandando calar a boca, me chamando de petista louca, comunista, rindo na minha cara…”

“Me lembrou Hitler e Mussolini”

DivulgaçãoLuiz Gonzaga Belluzzo e André Jung
Belluzzo, economista e ex-presidente do Palmeiras, acredita que a confusão foi ‘uma mancada’; para André Jung, ex-baterista do Ira, ‘foi uma verdadeira carimbada na nossa faixa de campeão’

O ex-presidente palmeirense, responsável pelo acordo com a Alianz para a construção da Arena, Luiz Gonzaga Belluzzo acredita que a confusão foi “uma mancada”, provavelmente ingenuidade do presidente palmeirense. Para ele, o problema não é exatamente a figura de Bolsonaro, mas “qualquer um que fosse presidente eleito seria uma inconveniência. Não se deve misturar política assim, achei uma impropriedade”.

Apesar das cenas terem feito Belluzzo lembrar de regimes totalitários, incluindo a ditadura militar brasileira (1964-85), o economista não crê que o caso terá maiores repercussões. “A maioria não achou mal, não”, diz.

“Quando fiquei sabendo, devolvi meu ingresso”

O professor Raphael Brito, 35, foi a mais de 20 jogos do Palmeiras neste ano. Em 2017, se deixou de ir a cinco jogos do clube na cidade de São Paulo, foi muito. “Era sócio cinco estrelas, porque ia a quase todos os jogos”, conta. Esta realidade começou a mudar no meio da semana passada. “Já estava com meu ingresso comprado para o jogo do domingo. Mas, quando fiquei sabendo que iriam deixar este político participar da entrega do troféu, devolvi os ingressos, me recusei a ir ao jogo, não assisti nem na TV”, conta o professor.

Brito diz também que deixou de ser sócio do programa Avanti de fidelidade do clube. “A verdade é que a história deste senhor (Bolsonaro), o pensamento e o discurso deste político não condizem com a história do clube. A postura do senhor Bolsonaro não guarda relação com o que se espera de um presidente que valoriza a democracia. Vou parar de ir aos jogos do Palmeiras por ora. É minha forma de demonstrar meu descontentamento.”

“Foi uma verdadeira carimbada na faixa”

O ex-baterista da Banda Ira!, André Jung (na foto acima, ao lado de Belluzzo), aponta para o fato de que Jair Bolsonaro entrou no gramado atendendo a um convite da CBF. “Este senhor foi convidado pelos cartolas da CBF, que estão há dezenas de anos no comando da entidade fazendo o que todos sabem que eles fazem. Alguns não podem nem sair do país para não serem presos pela Interpol. Ainda assim, Bolsonaro vai lá, atendendo ao convite deles, ajudando a livrar a cara daqueles que tanta sujeira já fizeram no futebol do país.”

Para o músico, todos os envolvidos erraram no episódio, e as vítimas foram o Palmeiras, sua torcida e a sua história. “Isso amargou com tudo, foi uma verdadeira carimbada na nossa faixa de campeão, no pior sentido possível. Aquele que foi eleito presidente do país ali, usando uma camisa que é a que eu amo, mas que contém nomes de patrocinadores, empresas… Ele (Bolsonaro) não entende nada da liturgia do cargo, o papel que ocupa. Age como se a eleição não tivesse acabado… é muito triste.”

“Nossa festa foi contaminada pela política” 

O consultor Diogo Vallim nutre um amor pelo Palmeiras que só é superado por aquele que dedica à sua família, às duas filhas, uma delas nascida neste ano. “Por causa delas (as filhas e a família), só pude ir a cerca de 20 jogos do Palmeiras neste ano. Normalmente, vou em quase todos que acontecem em São Paulo”, relata. Ou, pelo menos, ia. Desde a tarde desta segunda-feira, Vallim já não é mais um sócio Avanti (programa de fidelidade) do Alviverde da Pompeia. 

“Este título do Campeonato Brasileiro foi especial. Foi um ano de superação da equipe, passamos por momentos difíceis. Então, quando chegou no momento da celebração, de todos os palmeirenses comemorarem juntos, a diretoria toma uma atitude que nos divide, que fez com que os torcedores começassem a se xingar já no estádio, depois nas redes sociais, nas ruas… Foi a maior decepção que eu já tive com o Palmeiras, nem se compara com as quedas de divisão.” 

“Foi ridículo”

DivulgaçãoJoão Gordo
‘Eu sou antifascista, se ele tivesse ido no Corinthians, no São Paulo, em qualquer clube eu seria contra’, afirma o músico João Gordo

Do cantor João Gordo: “Achei ridículo. Sou contra esse fascista, populista de merda. Ele (Bolsonaro) tá cada hora com a camisa de um time, é um oportunista. Eu sou antifascista, se ele tivesse ido no Corinthians, no São Paulo, em qualquer clube eu seria contra. Manchou a história do Palmeiras, se o clube fez isso é porque apoia as ideias fascistas desse cara, esse monte de lixo que ele fala”.

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