Entidades nacionais indígenas passam ao largo de disputa pela Aldeia Maracanã

Parte dos índios forma grupo dissidente e não aceita acordo com o governo do Rio de Janeiro; manifesto internacional é lançado em encontro com jornalistas

O líder da Aldeia Maracanã, José Guajajara, quer levar os índios de volta ao terreno desocupado (Foto: Tânia Rêgo / ABr)

Rio de Janeiro – Apesar de ter mobilizado militantes de diversas correntes políticas e movimentos sociais e da atenção que mereceu de grande parte da mídia nacional, a luta pela permanência dos indígenas que habitavam a Aldeia Maracanã, no Rio de Janeiro, não pareceu tão importante para as instituições representativas dos indígenas no governo ou na sociedade civil. Divididos após terem concordado em deixar na última sexta-feira (22) o terreno do antigo Museu do Índio – metade do grupo aceitou ficar no terreno oferecido pelo governo no bairro de Jacarepaguá e a outra metade não –, os habitantes da Aldeia Maracanã reclamam da falta de apoio por parte de instituições como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Segundo os índios da Aldeia Maracanã, somente após a ocupação do prédio no bairro de Botafogo onde funciona o atual Museu do Índio por um grupo de cerca de 50 pessoas – 20 delas indígenas – para exigir a volta ao terreno localizado ao lado do estádio do Maracanã, realizada no sábado (23), a Funai enviou pela primeira vez um representante para acompanhar as negociações. Um ouvidor do órgão chegou a propor hospedagem aos indígenas em um albergue no bairro da Glória, mas a ideia foi prontamente rechaçada.

“Desde o começo das negociações com o governo do Rio, no ano passado, essa foi a primeira vez que a Funai apareceu, e o ouvidor só compareceu porque o juiz federal o intimou”, diz José Guajajara, principal liderança do grupo de índios que não aceita o acordo com o governo. Mesmo após a desocupação da Aldeia Maracanã, segundo Guajajara, não houve qualquer ajuda do órgão indigenista. “A Funai queria nos dar hotel, ou seja, exatamente a mesma coisa que o governo do Estado ofereceu. Dissemos não”, conta.

O ouvidor da Funai destacado para as negociações, Paulo Celso de Oliveira, índio da etnia Pancararu, afirmou que encontrar uma solução para o problema da Aldeia Maracanã é responsabilidade do governo estadual. A postura não surpreende Guajajara. “A Funai nunca nos apoiou. Pelo contrário, ela atua sempre contra”, diz.

O tom de crítica usado por Guajajara é ainda mais forte quando ele se refere às entidades representativas dos indígenas nos movimentos sociais, em particular a Apib e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab): “Não teve nenhum tipo de apoio da Apib ou da Coiab. O apoio que a gente queria é pela sustentação da Aldeia Maracanã e a manutenção do prédio como um espaço dos indígenas. Nesse sentido, nenhuma das entidades indígenas nos apoiou”, diz. Essa ausência foi ainda mais sentida, segundo Guajajara, durante o cerco e o confronto com a polícia: “Não esteve ninguém da Apib ou de qualquer outra organização para ficar lá com a gente”.

Irrelevância

Vice-coordenadora da Coiab e integrante da direção nacional da Apib, Sonia Guajajara – que, curiosamente, é da mesma etnia de José – rechaça as críticas feitas pelo parente. “A gente nunca teve acesso às pessoas da Aldeia Maracanã. Sempre se colocaram como se fossem um movimento à parte, com uma atuação bem independente. Agora estão dizendo que o movimento não se posicionou, mas nunca quiseram esse apoio. Temos outra forma, muito mais coletiva, de lutar, de reivindicar e de cobrar nossos direitos”, diz.

Sonia diz ainda que o movimento no Rio de Janeiro não faz parte das prioridades das entidades nacionais. “A gente nunca pautou essa questão da Aldeia Maracanã na Apib, até porque o nosso trabalho é bem direcionado para as comunidades e terras indígenas e para as políticas nacionais. Nossa pauta é construir políticas e lutar por nossos direitos previstos na Constituição”, diz, antes de acrescentar: “É claro que a gente não concorda com tudo isso que aconteceu agora, com essa brutalidade da polícia. A gente sabe que eles agiram com muita truculência e que isso não poderia ter acontecido.”

A dirigente da Apib sugere também que a entidade não considerava a Aldeia Maracanã como uma aldeia indígena de fato. “O caso teve uma repercussão muito grande principalmente porque eles colocaram que estavam em uma aldeia. Sabemos que é um museu, um lugar tradicional, um prédio com valor histórico, mas que inicialmente não era mesmo uma aldeia. São algumas pessoas do nosso povo que estão ali, mas que realmente não representam um número significativo de indígenas. Tudo bem que cada um tem sua importância enquanto pessoa, enquanto indígena, mas a Aldeia Maracanã para nós não era uma questão tão relevante assim porque tem poucos indígenas lá e eles não são conectados com o movimento indígena”, diz.

Manifesto internacional

A luta dos índios da Aldeia Maracanã que não aceitam o acordo com o governo do Rio continua hoje (25), com uma reunião com jornalistas correspondentes de veículos estrangeiros de mídia no Brasil. Na ocasião, será lançado, segundo informa José Guajajara, um “manifesto internacional” em favor da volta ao terreno do antigo Museu do Índio. “Vamos lançar uma nota eletrônica internacional, que é o mesmo manifesto que a gente colocou quando estava no Museu do Índio em Botafogo no sábado. O manifesto pede a não derrubada do prédio e a reintegração dos indígenas à Aldeia Maracanã. Isso vai para a imprensa internacional”, diz.

Guajajara diz esperar reunificar o movimento da Aldeia Maracanã, já que cerca de metade dos índios seguiu o cacique Carlos Tukano e aceitou permanecer no terreno de Jacarepaguá. “O terreno não é nada daquilo que foi falado. O governo do Estado queria era desarticular mesmo, nos desmobilizar. Ele acha que conseguiu, mas não vai conseguir, não. Não pode um governo fazer tantos desmandos como esse e não ser punido. Exigimos que o governo dê a esse patrimônio uma destinação cultural indígena para usufruto indígena”, diz.

O grupo de dissidentes, segundo Guajajara, é composto por cerca de 40 índios. “Tem alguns lá em casa, mas outros estão espalhados pela cidade”, diz o líder, que é pesquisador do Museu Nacional da UFRJ e mora em um apartamento. O objetivo imediato, no entanto, é voltar a reunir toda a tribo: “Estamos procurando um lugar para reunir todo mundo em um local só. Estamos tentando nos organizar em outro local. Não vamos para Jacarepaguá”, encerra.