Salvador aposta em experiência do carnaval para driblar dificuldades da Copa

Enquanto arena para jogos do Mundial de 2014 e da Copa das Confederações de 2013 está próxima de ser concluída, infraestrutura patina, e há dúvidas sobre capacidade da rede hoteleira

Com problemas no transporte e na qualificação de mão de obra, a aposta da capital baiana passa a ser na experiência do carnaval para aproveitar o potencial da Copa (Foto: Wilson Dias. Arquivo Agência Brasil)

Salvador – Com as credenciais de ser a primeira capital do Brasil, de ter quilômetros de praias, um exuberante sítio histórico e tradição na organização de grandes eventos populares, Salvador aposta na Copa do Mundo de 2014 para aquecer ainda mais o mercado turístico. A cidade, um dos destinos nacionais favoritos dos brasileiros e conhecida por todo o mundo como capital de grandes belezas naturais, acelera a preparação para o Mundial, mas tem uma série de dificuldades para superar até o pontapé inicial do torneio.

A organização do evento enfrenta um histórico de atraso estrutural na cidade em diversos aspectos, do transporte público à mão de obra desqualificada e, para tentar contornar estes problemas, o grupo que organiza o megaevento conta com a experiência da cidade em realizar outros encontros de massa, em especial o carnaval. Apesar de ter uma das obras de arena de jogos mais avançadas, as intervenções de mobilidade urbana são quase inexistentes na capital baiana.

Faltando um ano e meio para a realização do evento, apenas duas obras estão ativas em Salvador: a do Aeroporto Internacional Deputado Luis Eduardo Magalhães e a reforma do porto. Houve promessas de, além de terminar a primeira etapa do metrô da cidade, construir um novo trecho que atravessaria toda a avenida Paralela em direção ao aeroporto, mas já se sabe que, ainda que a obra comece nos próximos meses, não será terminada a tempo de ser usada durante o evento.

A RBA publicará ao longo deste ano uma série de reportagens sobre a organização da Copa de 2014. Em cada uma das sedes, os repórteres mostram o que está próximo de ser entregue, o que ainda demora e o que não ficará pronto a tempo do megaevento, que deveria servir como um incentivo à solução de antigos problemas estruturais e sociais

Outra esperança que a população acalentava era de que toda a verba anunciada para investimentos na Copa fosse utilizada pelo governo para promover uma grande reforma nos centros históricos da cidade, mas isto ainda não ocorreu. Com boa parte de suas belezas seculares relegada atualmente ao semi-abandono, aumentam nestas regiões as taxas de criminalidade, ao passo em que o número de turistas cai vertiginosamente. O maior exemplo é o Pelourinho, local de frequência desaconselhado por guias turísticos e pelos moradores de uma maneira geral.

Além de todas as dificuldades estruturais, Salvador também lida com um problema recente relativo à violência urbana, que cresce a níveis alarmantes. Em 2012, a cidade registrou 1.532 assassinatos entre janeiro e outubro, número 32,41% superior a São Paulo, com população quatro vezes maior. A crise na segurança também pode ser medida pela greve dos policiais militares ocorrida em março do ano passado, quando mais de 100 pessoas morreram assassinadas pelas ruas da capital.

Com estes problemas, Salvador tenta compensar se valendo de décadas de tradição na organização do carnaval. Anualmente, a cidade é invadida por centenas de milhares de turistas de todo o Brasil e do mundo para celebrar a maior festa de rua do planeta.

Os maiores investimentos de Salvador nos preparativos da Copa estão no treinamento e na capacitação da mão-de-obra que lida com o turismo, a principal fonte de renda da cidade ao lado dos serviços. Há uma série de cursos do governo do estado e da prefeitura de Salvador, envolvendo desde a excelência no atendimento hoteleiro até cursos de idiomas para taxistas, baianas de acarajé, guias turísticos e também noções de empreendedorismo.

Salvador espera receber na época da Copa do Mundo 70 mil turistas estrangeiros e outros 630 mil que virão de diversas partes do Brasil, incluindo o interior do estado. O período do Mundial também coincidirá com a maior festa do estado, o São João, o que deve aumentar ainda mais a demanda turística.

Arena

Entre as arenas em construção no país, a Fonte Nova está entre as de nível de execução mais adiantado e tem custo intermediário na comparação com as demais. As obras intensas, que foram paralisadas poucas vezes, facilitaram o trabalho e garantiram a classificação da sede para a participação na Copa das Confederações. Porém, não será possível terminá-lo até o final de janeiro, como queria a Fifa, e a reinauguração será realizada em março, possivelmente com um duelo entre Bahia e Vitória. 

Construída sobre as bases do antigo estádio, a Fonte Nova apenas modernizou o projeto original do gigante erguido originalmente em 1950 para se adaptar aos padrões atuais da Fifa. Para diminuir os custos e também minorar o impacto ambiental, boa parte do concreto da demolição da antiga Fonte Nova foi reaproveitado na obra. No ranking dos custos, é a quinta mais cara do Brasil e sairá a um custo final de R$ 591,7 milhões. Neste quesito, ela está atrás das arenas que estão sendo levantadas em Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, respectivamente. Do valor final, o investimento de dinheiro público ficou em R$ 323,6 milhões. Atualmente, as obras seguem em ritmo acelerado e exibem 80% de progresso total, uma das mais rápidas do país, com um cotidiano de obras em revezamento de operários durante 23 horas do dia, sete dias por semana. 

O estádio tem financiamento público e privado, em uma exploração financeira que vai durar 35 anos e caberá ao grupo Fonte Nova Negócios e Participações (FNP), formado pela Odebrecht Participações e Investimentos e pela OAS. Ela terá capacidade para 50 mil pessoas e oferecerá camarotes, assentos cobertos, espaço cultural, empresarial e também se propõe a sediar eventos como festivais musicais e similares. Nas Confederações, abrigará duas partidas na fase de grupos e a disputa pelo terceiro lugar. Já na Copa do Mundo, terá quatro partidas na fase de classificação, uma nas Oitavas-de-final e uma nas Quartas.

Após o Mundial, a Arena terá uma utilização financeiramente sustentável, de acordo com seus administradores. Em novembro, o Esporte Clube Bahia, tradicional ocupante do estádio como mandante em suas partidas de campeonatos regionais e nacionais, assinou um contrato para voltar ao local. Historicamente identificado com o estádio, o clube já confirmou retorno depois de passar anos sediando partidas no Estádio de Pituaçu. Até mesmo o Vitória, que tem como casa o Estádio Manoel Barradas, o Barradão, já confirmou que sediará esporadicamente partidas na nova arena.

À parte do esporte, a Arena Fonte Nova também funcionará como local de encontros empresariais, centro de serviços e consumo aberto ao público da cidade. Consta do projeto a presença de restaurantes panorâmicos, espaço cultural, espaços para congressos, feiras, reuniões de negócios e eventos de diversos portes aberta todos os dias do ano. 

Isso tudo, por outro lado, tem um custo que o fã de futebol baiano deverá pagar para usufruir. No final do ano passado, Dênio Cidreira, presidente da Arena Fonte Nova, anunciou que o ingresso para as partidas realizadas no estádio após a Copa do Mundo deverá girar em torno de R$ 40. Apesar de comemorado pela torcida, que imaginava números bem maiores, o bilhete médio deverá afastar de uma vez por todas a torcida de menor poder aquisitivo tanto de Bahia como de Vitória, justamente sua parte mais numerosa. Atualmente, os tricolores pagam uma média de R$ 20 nos bilhetes do Estádio de Pituaçu e em raras partidas a casa ficou cheia. 

A derrubada do antigo complexo da Fonte Nova trouxe para a cidade uma nova e moderna arena para a cidade, mas também prejuízos ainda sem solução para o esporte da Bahia. No entorno do estádio, havia o ginásio Antônio Balbinho (conhecido como Balbininho) e um conjunto de piscinas olímpicas com dimensões oficiais, o único do estado. Ambos foram demolidos para que a Arena Fonte Nova tivesse maiores espaços para ampliar os equipamentos, em especial os relativos a estacionamento de carros.

Porém, o governo do estado ainda não resolveu o problema e, assim, Salvador continua sem um ginásio de esportes de grandes dimensões que pudesse abrigar competições nacionais e internacionais. O Balbininho estava desativado desde o meio da década passada devido à falta de manutenção, o que afastou definitivamente de Salvador competições de porte como as de basquete, vôlei e futsal, além de inviabilizar outras, como realizações de grandes torneios de ginástica olímpica e judô, por exemplo.

No projeto original, a Arena seria construída com uma reforma do Balbininho, mas o ginásio foi descartado. Atualmente, há a proposta de construir um novo ginásio no entorno do Estádio de Pituaçu. A verba foi liberada no ano passado e atualmente o equipamento está na fase de produção de projeto, com uma previsão de erguer uma estrutura que comportaria 8 mil pessoas.

Fato parecido ocorreu com as piscinas. Originalmente, o estado havia garantido a manutenção dos equipamentos, mas acabou por decidir demoli-los junto com a Fonte Nova acalentando a promessa de construir uma Vila Olímpica na região do Estádio de Pituaçu. Entretanto, a ideia não vingou e, atualmente, existe o plano de lançar uma piscina olímpica na sede da Fundação da Criança e do Adolescente (Fundac), na avenida Bonocô, próximo às piscinas originais.

A proposta foi apresentada em 2009, mas divergências fizeram com que houvesse um grande atraso entre a criação do projeto e a execução. Foi necessário um longo trabalho de terraplanagem no local e mudanças para que as piscinas tivessem padrão internacional e arquibancadas. Em outubro, de acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre), a empresa que venceu a licitação enfim iniciou o projeto, que deverá estar pronto em julho.

Diferencial

A gama de dificuldades e entraves encontrados em Salvador, segundo os organizadores locais da Copa, só pode ser superada com investimentos voltados para a maior vocação da cidade: o turismo. Primeira capital do Brasil, Salvador tem uma das mais ricas histórias culturais do país, além de contar com um sítio arquitetônico e de belezas naturais dificilmente comparável com outras cidades da nação.

Inundada por uma longa costa marítima, com o berço histórico de grande magnitude, festas populares contantes e famosas, além de uma rede hoteleira vasta, apesar de não tão moderna, Salvador tem no turismo uma de suas principais fontes de renda, com cerca de 15% do PIB local atrelado à atividade. Para potencializá-lo, a ideia é capacitar a população para que aumente a qualidade dos serviços, outra das grandes fontes de renda da capital, para que o potencial turístico da terra seja explorado ao máximo durante o mês dos jogos. 

O governo estadual e a prefeitura de Salvador coordenam os esforços para garantir que os serviços turísticos da cidade tenham um aumento considerável de qualidade a tempo de atender aos visitantes na Copa. Uma série de programas treina trabalhadores em técnicas de atendimento, administração de negócios, aprendizado de idiomas e outras capacidades visando o mundial. Estão incluídos nestes esforços toda sorte de trabalhadores ligados ao turismo em Salvador: baianas de acarajé, taxistas, garçons, cozinheiros, gerentes de estabelecimentos, atendentes, guias turísticos, policiais militares e comerciantes em geral.

De acordo com dados oficiais do governo, as qualificações têm um orçamento, adicionado de ações de promoção do destino Bahia e infraestrutura, de R$ 280 milhões. De 2007 a 2011 foram capacitados mais de 11,5 mil profissionais da área de turismo de mais de 30 localidades turísticas da Bahia. Já entre 2012 a 2014 a expectativa é de que mais de 13 mil trabalhadores sejam contemplados com as capacitações oferecidas pela Secretaria de Turismo do Estado (Setur), dentre eles taxistas, empresários e atendentes da tradicional Feira de São Joaquim, guias de turismo e vendedores ambulantes. Ao todo, de 2007 a 2014, 24,5 mil profissionais da área de turismo devem ser capacitados, por iniciativa da Setur.

A cidade possui uma capacidade de 35 mil leitos atualmente. Entretanto, os investimentos no setor hoteleiro preveem que pelo menos oito novos empreendimentos de grande porte sejam inaugurados nas proximidades de Salvador e no Litoral Norte, com a criação de 3.024 novas unidades a serem usadas no evento. Como as estimativas oficiais incluem 700 mil turistas entre brasileiros e estrangeiros, caso a conta seja confirmada, haverá mais de 38 mil quartos de hotel disponíveis. Já o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hoteis na Bahia (ABIH), José Manoel Cambeses, lista a conta em ao menos 14 novos hotéis ate 2014 com criação de 10 mil novos leitos.

Em 2012, o carnaval de Salvador atraiu, segundo os números do governo, atraiu 500 mil turistas em uma semana de festa. Este público provocou uma lotação de 94% nos hotéis da cidade. Os números de 2013 ainda não foram revelados. Com o acréscimo de 40% na estimativa de público, em teoria a cidade correria o risco de não hospedar todos os visitantes. Porém, o empresário esclarece que esta possibilidade está plenamente afastada porque nem todos os visitantes estarão em Salvador ao mesmo tempo.

Cambeses explica que toda esta ocupação estará espalhada em um período de seis meses e conta com uma série de perfis de turistas que se hospedam de maneiras diversas. “Historicamente, a Bahia tem uma ocupação de hotéis máxima de 60% ao longo do ano. Não vêm todos de vez. Este é um evento em que há toda uma preparação e a imprensa, por exemplo, chega muito antes. Os técnicos das seleções vão depois, outros profissionais vêm e vão durante meses. E boa parte dos torcedores que chegam vem para jogos específicos e fica um máximo de dois dias na cidade”, defende. Ele argumenta ainda que, tal qual ocorre no carnaval, muitos que virão à Copa preferem se hospedar em apartamentos de temporada ou até mesmo na casa de amigos, o que gera um grande amortecimento no setor.

Para ele, de fato o carnaval dá à capital da Bahia uma grande expertise no fato de saber lidar com multidões em eventos populares. Uma vez que durante uma semana em fevereiro toda a estrutura da cidade se volta para a realização da festa, os mecanismos conseguirão se adaptar para a operação do Mundial, mudando-se apenas os tipicos locais de deslocamento das multidões. Por outro lado, Cambeses critica problemas recentes e pede que resoluções definitivas cheguem com velocidade.

“Salvador precisa de uma melhor infraestrutura. Mudanças profundas na mobilidade urbana, melhorias nos serviços públicos e na segurança, além de novos atrativos turísticos”, lista. Neste último, ele sugere a revitalização do antigo shopping center Aeroclube Plaza Show, que fica localizado às margens do mar, revitalização da orla marítima da cidade e reforços no turismo religioso como forma de atrair novos públicos e ampliar a permanência dos turistas na cidade.