Copa 2014: com estádio pronto, Fortaleza agora corre para entregar demais obras

Castelão está concluído, mas pressa para entrega de ações em infraestrutura preocupa Ministério Público e movimentos sociais

Castelão é o primeiro estádio da Copa a ser entregue (Foto: Secopa/Divulgação)

Fortaleza – A estrutura de concreto e ferro aparentes já não é mais vista na fachada do Castelão, em Fortaleza. Recém-batizado de Arena, o estádio agora reluz à distância com uma fachada de vidro espelhado. Por dentro, nada mais lembra o antigo campo. No lugar da velha arquibancada de cimento, poltronas com encosto e um amplo espaço sem divisórias, com capacidade para receber até 63.900 visitantes, margeiam o gramado, que deixou de ser protegido por um fosso.

Após dois anos de reforma, que incluiu a demolição de parte do antigo estádio, o Castelão foi o primeiro palco da Copa a ser entregue, em festa com a presença da presidenta Dilma Rousseff no último dia 16 de dezembro. Celeridade que já vinha sendo usada como argumento, nas negociações políticas extracampo, para atrair jogos e seleções para a cidade. A capital cearense irá sediar seis jogos da Copa de 2014, com a garantia de receber a Seleção Brasileira logo na primeira fase (no segundo jogo), e a possibilidade de repetir o feito nas oitavas ou nas quartas de final, dependendo do desempenho do Brasil. No quesito quantidade, Fortaleza perde apenas para Brasília e Rio de Janeiro, onde serão realizados sete jogos cada, e empata com Belo Horizonte, Salvador e São Paulo – fica à frente, por exemplo, de Porto Alegre e Recife.

A beleza do estádio, porém, ainda é ofuscada por poeira, tapumes de madeira e barulho de escavadeiras e tratores do lado de fora. No entorno, obras de mobilidade seguem em execução, longe do término. Os trabalhos começaram com atraso e agora há uma verdadeira corrida contra o tempo para que pelo menos as vias que dão acesso direto ao Castelão fiquem prontas até junho deste ano, às vésperas da Copa das Confederações, marcada para julho. Isso inclui a construção de um túnel e a ampliação de uma avenida.

Ao todo, na matriz firmada com a Fifa, estão previstas em Fortaleza obras que somam R$ 1,579 bilhão. Um terço disso investido diretamente no estádio, R$ 518,6 milhões, valor que não sofreu reajuste ao longo da reforma. Grande parte do dinheiro é financiamento federal, R$ 761 milhões, mas há também investimento direito da União, de R$ 499 milhões, além de R$ 319,3 milhões de recursos locais, tanto do estado como do município de Fortaleza.

Para o secretário especial da Copa do governo estadual, Ferruccio Feitosa, só foi possível cumprir o prazo e o preço preestabelecido para a obra do Castelão por dois fatores: o modelo do contrato, por PPP (parceria público-privada), e o acompanhamento sistemático de toda a construção. “Levei toda a equipe de servidores da secretaria para um contêiner na obra, para acompanhar todas as etapas”, diz.

O consórcio contratado, formado pelas empreiteiras Galvão, Andrade Mendonça e pela operadora BNA, tem garantida a concessão do estádio por oito anos, e tinha em contrato metas e prazos que, se não fossem cumpridos, eram passíveis de multas. “Mas o fundamental é que, por esse modelo, as empresas tiveram de usar o que há de mais moderno em engenharia para dar celeridade à obra, sem deixar de serem fiéis ao projeto”, justifica o secretário.

O atraso dos outros oito empreendimentos destinados à Copa, contudo, preocupa, já que ainda há desapropriações a serem feitas. “Certamente, tudo será feito agora para mudar esse quadro, pois é uma grande oportunidade que Fortaleza não pode perder”, disse Feitosa, que, com o término das obras do Castelão, passará a coordenar os demais projetos, inclusive acompanhando os de responsabilidade da prefeitura.

Entre os projetos atrasados, estão obras das três esferas administrativas: União, estado e município. Do governo federal, a ampliação do Aeroporto Internacional Pinto Martins, para comportar 40% a mais de passageiros (passando de 6,2 milhões de pessoas para 8,6 milhões), e a construção do Terminal de Passageiros do Porto do Mucuripe acabaram de começar. Obras que totalizam R$ 499 milhões. 

Do estado, seguem em alerta as obras do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), que fará a ligação direta entre a área que concentra mais hotéis na capital cearense, a avenida Beira-Mar, e o terminal de ônibus da Parangaba, mais próximo do Castelão, num trecho de 13 quilômetros, além de duas novas estações do Metrofor. E, da prefeitura, ampliações e reformas de cinco avenidas, incluindo a construção de corredores exclusivos de ônibus, tiveram o início prejudicado por causa do escândalo envolvendo a construtora Delta, que acabou abandonando as obras, o que provocou uma nova licitação.

Para um dos responsáveis pelas obras da prefeitura, Daniel Lustosa, coordenador do Programa de Transporte Urbano de Fortaleza (Transfor), mesmo assim, há tempo hábil para que tudo seja terminado até dezembro de 2013. “Está tudo contratado, os recursos estão disponíveis, no total de R$ 232,5 milhões, os projetos de desvio de tráfego estão prontos. Não há qualquer motivo para preocupação”, afirmou. 

Tudo dependerá da ação do novo gestor da capital cearense, Roberto Cláudio (PSB), que se elegeu com o apoio do governador Cid Gomes (PSB), contra o candidato da prefeita Luizianne Lins (PT), que ficou no cargo nos últimos oito anos. “O prefeito Roberto Cláudio já se comprometeu publicamente em entregar todas as obras da matriz de responsabilidade da Copa e assumiu um compromisso pessoal comigo, de viabilizar tudo o quanto antes. Vamos trabalhar juntos para que isso aconteça”, diz Feitosa.

A execução das obras, com a aplicação dos recursos públicos e o encaminhamento das desapropriações, também tem sido acompanhada pelo Ministério Público Federal (MPF). Para o procurador da República Alessander Sales, é alto o risco de que sejam feridos princípios legais e direitos humanos para se acelerar o que está atrasado, o que não será permitido pelo órgão fiscalizador. “Entregamos recomendações ao estado e ao município com mais de um ano de antecedência para deixar claro que não vamos aceitar dispensa de licitação, reajustes indevidos dessas obras e quaisquer outro desvio de conduta para viabilizá-las. Não é aceitável que se diga agora que não há tempo de fazer tudo de acordo com a lei. Havia”, afirmou Sales. “Não vamos aceitar, e iremos à Justiça se necessário.” 

Desapropriações e treinamento

Tanta pressa é justamente a principal preocupação das organizações sociais que acompanham a execução das obras da Copa. Isso porque haverá impacto não só em famílias que vivem no entorno do estádio do Castelão – área de periferia onde existem diversas ocupações irregulares. Segundo Marília Passos, advogada do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA), moradores de 13 comunidades serão atingidos especialmente pelo VLT.

As negociações para a desapropriação das casas de 2.700 famílias chegaram a ser iniciadas pelo governo do estado, mas, após uma forte demonstração de resistência, foram interrompidas. O fim da aliança política entre estado e município também causou um novo impasse sobre esse processo, já que, às vésperas das eleições de 2012, o governo Cid Gomes passou a alegar que a responsabilidade por tais desapropriações era da prefeitura, o que foi refutado pela gestão municipal. 

“Há uma grande insatisfação pela falta de diálogo. Famílias serão removidas do entorno do Castelão para uma área que fica ao lado do lixão, onde há mau cheiro, proliferação de doenças, o que não é adequado. E as que serão retiradas da beira do trilho para o VLT, uma área bem localizada, central, perto de tudo, têm como opção um terreno no bairro José Walter, muito distante”, disse Marília. Segundo a advogada, além da localização, há descontentamento também sobre os valores das indenizações, já que a maiorias das famílias não tem a posse da terra regularizada. “Vamos acompanhar de perto todo esse processo e ingressar com ações caso haja qualquer injustiça.”

Para Ferruccio Feitosa, secretário especial da Copa, há uma grande euforia da maior parte das famílias afetadas para negociar o quanto antes sua desapropriação, e alguns poucos que praticam “terrorismo, enganando e desvirtuando da verdade”. “O estado oferece um apartamento, pelo Minha Casa, Minha Vida, um valor pela desapropriação e, em alguns casos, ajuda com o aluguel-social. Tudo está sendo feito para tratar as famílias afetadas com dignidade. Não haverá problema algum para as desapropriações”, afirmou.

Outro problema é a falta de preparo da mão de obra para a cidade receber mais turistas do que costuma. Ao longo de todo o ano, Fortaleza recebe cerca de 2,5 milhões de turistas, grande parte brasileiros. Só no período da Copa, há projeções de que a cidade deverá comportar quase 800 mil turistas, muitos estrangeiros.  Ainda assim, a imensa massa de trabalhadores do setor turístico sequer fala um segundo idioma.

Para tentar suprir essa demanda, segundo Feitosa, nos próximos três semestres serão capacitadas 24 mil pessoas divididas em 188 turmas, com cursos gratuitos que serão ministrados em parceria com a Universidade de Fortaleza (Unifor). Entre as ofertas estão cursos de línguas e de atendimento turístico. “Temos de trabalhar todas as nossas potencialidades, atrair investidores, para inserir de vez o Ceará na rota do turismo internacional”, afirma o secretário.