Mundo do Trabalho

Entre a ‘Linha de Montagem’ e o ‘Chão de Fábrica’, um inimigo mais voraz

Documentário dirigido por Renato Tapajós, que será lançado nesta sexta, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, retrata transformações no movimento sindical e na política

Divulgação/Arte RBA

São Paulo – Chão de Fábrica será lançado nesta sexta-feira (21), às 18h, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo. O documentário busca retratar as transformações no movimento operário e na política brasileira, na visão do diretor Renato Tapajós, que no início dos anos 1980 fez o hoje clássico Linha de Montagem.

Não se trata de uma continuação, embora a temática se mantenha – mas a constatação é que, mesmo com a volta da democracia, os trabalhadores enfrentam um desafio ainda maior, um “inimigo invisível”, representado agora pelo poder financeiro.

“Na minha visão, (ainda na ditadura) o movimento sindical cresceu e tomou um papel bastante importante na política do país. Só que o surgimento do neoliberalismo provocou uma certa confusão”, diz Tapajós, que divide a direção com Hidalgo Romero. “Foi difícil primeiro para o movimento sindical entender o que estava acontecendo e, em segundo lugar encontrar uma forma de reagir a isso.”

O cineasta faz referência aos governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, “uma época destrutiva do capitalismo”, segundo o diretor, “que se reflete muito claramente na reestruturação produtiva, de diminuir brutalmente o número de trabalhadores, aumentar a automação”. Além disso, as empresas, internamente, passaram a tentar se “aproximar” de seus funcionários, que começaram a ser chamados de “colaboradores”.

A situação tornou-se ainda mais aguda depois de 2016. Para Tapajós, o golpe trouxe “uma versão neoliberal muito mais aguçada do que no final do século passado”. Com Collor, por exemplo, o discurso era de que o Estado era um “elefante”. Era preciso enxugá-lo para poder investir em saúde, educação, habitação, que seriam as atribuições básicas do poder público. “Nessa versão de hoje do neoliberalismo, o Estado está privatizando até mesmo aquelas coisas que o neoliberalismo assume como sendo do Estado.”

Os filmes retratam momentos políticos diferentes. “Em 78, 79, 80, somava-se à reivindicação puramente operária um aspecto político muito forte, que era a luta contra a ditadura”, lembra Tapajós. As greves dos metalúrgicos naquele período tomaram proporção nacional. Em 1979, havia assumido o último general-presidente, João Figueiredo, que ficou no poder até 1985, em meio a uma série de movimentos pela abertura política, com reação da chamada “linha-dura”.

Novo sindicalismo

No caso do ABC, a repressão veio em forma de violência policial e prisão de alguns de seus líderes, inclusive o então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, Luiz Inácio da Silva, o Lula. Vários foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Naquela época, os inimigos eram bem definidos – estavam representados nas figuras do governo autoritário e da Fiesp, a federação das indústrias.

Com 1 hora e 28 minutos de duração, Chão de Fábrica surgiu a partir de uma série de 13 episódios feita para a televisão e exibida pela TVT no ano passado, sobre o chamado “novo sindicalismo” surgido a partir dos final dos anos 1970. “A partir daí, surgiu a ideia de fazer um longa”, lembra Tapajós. “Não era um simples resumo da série, mas uma obra independente e com uma narrativa diferente, mostrando a relação com o momento político.”

O filme traz 14 depoimentos, entre dirigentes sindicais e analistas. O atual presidente do sindicato, Wagner Santana, o Wagnão, é um deles. Outro a falar é Jair Meneguelli, sucessor de Lula na entidade e que posteriormente iria presidir a CUT, criada em 1983. Pelos metalúrgicos do ABC, estão presentes ainda o ex-diretor e ex-deputado Djalma Bom e o ex-presidente e atual deputado (PT-SP) Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho.

O ex-líder petroleiro Antônio Carlos Spis e o atual presidente da CUT, Vagner Freitas, também participam do documentário, além do ex-presidente da central e atual líder da Confederação Sindical Internacional (CSI), o professor João Felício. O ex-governador gaúcho Olívio Dutra, líder bancário, é entrevistado, assim como um “ex-adversário” da CUT, Luiz Antônio de Medeiros, fundador da Força Sindical, em 1991. O diretor ouviu ainda os pesquisadores Andréia Galvão, Armando Boito, Fausto Augusto Jr., Marcio Pochmann e Ricardo Antunes.

Com produção do Laboratório Cisco, o filme tem narração do ator José de Abreu. “A gente tentou manter a narrativa muito sindical”, diz Tapajós, lembrando que a preocupação é levar informação ao público mais jovem. Uma geração que nem era nascida quando o movimento operário se reorganizou para pedir melhores condições de trabalho e enfrentar a ditadura. O documentário ficará disponível na web.