Intelectual e militante

Antonio Candido: socialismo, liberdade e ‘falta de respeito’ estudantil

Fundação Perseu Abramo faz homenagem a crítico literário, intelectual e militante, que completaria 100 anos nesta terça-feira

tvt / reprodução

Definido como ‘homem simples e fraterno, Antonio Candido pautou a vida por princípios absolutamente firmes

São Paulo – Autor, entre outros livros, do clássico Formação da Literatura Brasileira (1959), pensador, socialista e militante ativo do PT, Antonio Candido recebeu homenagens e reverências em evento promovido pela Fundação Perseu Abramo (FPA) – em parceria com PT, Instituto Lula, TVT e Escola Nacional Florestan Fernandes – na noite desta terça-feira (24), em São Paulo. “Ele insistia que não era um homem da política. Talvez não stricto sensu da atividade partidária, apesar de ser um membro disciplinadíssimo do PT. Mas era um ser político. Sempre vi meu pai como ser político. Naquilo que a politica teve de mais nobre e essencial, ele sempre esteve presente. Foi justamente o sentimento de justiça social que o levou à atuação política”, testemunhou a professora e historiadora Laura de Mello e Souza, uma das três filhas de Candido, que completaria 100 anos ontem – ele morreu em 12 de maio de 2017, aos 98 anos.

Professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), aluna e assistente de Antonio Candido, Walnice Nogueira Galvão destacou a participação do professor e intelectual na criação da chamada Esquerda Democrática, grupo formado nos anos 1940, e de sua ação política “não partidária”, além de ter participado ativamente da fundação e formação do PSB e do PT. Citou, entre outros, o livro Teresina etc, que na primeira parte trata de Teresina Carini Rocchi, socialista italiana e amiga da mãe de Candido em Poços de Caldas (MG), onde ele passou a infância e a adolescência, até ir para São Paulo, aos 19 anos. Candido nasceu no Rio de Janeiro.

Ela lembrou da presença diária, como professor, na ocupação dos estudantes da Faculdade de Filosofia, então na Rua Maria Antônia, na região central de São Paulo. Candido integrou a comissão paritária que comandou a ocupação. “Ele se divertia muito com a súbita falta de respeito dos estudantes”, recordou Walnice, lembrando de uma assembleia em que uma estudante não sabia como tratar aquele senhor à mesa, que parecia desafiá-la ao “desrespeito”. Na dúvida, anunciou: “Vai tomar agora a palavra o colega professor”. 

Laura citou outro episódio que provocou risos na plateia que foi à FPA, envolvendo o cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, que queria o professor e militante na Comissão Justiça e Paz, ao que ele respondeu que não poderia aceitar, por ser ateu. Quando soube da manifestação, Dom Paulo teria dito, segundo Laura: “Ah, o Antonio Candido pensa que é ateu”. 

“Sem ser um crente, era um homem que pautou a vida por princípios absolutamente firmes”, disse a filha, que o definiu como homem “simples e fraterno”, revelando seu gosto por ovo frito. “Extremamente simples, o que torna ainda mais difícil de compreender a ressonância do legado dele, porque nós em casa nunca nos demos conta disso”, acrescentou Laura. Ela ainda ressaltou “a crença política (de Candido) em um mundo melhor”. E ele pôde, como queria, manter sua autonomia até o fim. No dia em que morreu, contou a filha, subiu a pé quatro quarteirões da Rua Pamplona, perto de onde morava, para resolver alguns assuntos.

Assista a reportagem da TVT

Crítico literário

Diretor do Instituto Lula, o ex-ministro Paulo Vannuchi lembrou que Nelson Mandela também nasceu em julho de 1918, o que já recomendaria uma consulta a astrólogos sobre aquele período. Ele teve um primeiro contato com Candido quando tinha 16 anos e participou da Semana Euclidiana (referente a Euclides da Cunha) em São José do Rio Pardo, no interior paulista. Recordando com emoção vários encontros com o professor, Vannuchi afirmou que, além de ser reconhecido como “maior crítico literário do Brasil”, Candido precisa ter mantido e divulgado seu lado de pensador político e militante.

“A frase que ele mais repetiu foi de João Mangabeira (fundador do PSB): socialismo sem liberdade, socialismo não é; liberdade sem socialismo, liberdade não pode ser”, disse Vannuchi. “No PT, ele foi sobretudo articulador da questão da cultura, a política cultural, a política como cultura.”

No evento, foram exibidos vídeos, gravados em Berlim, com declarações da pesquisadora e professora Lígia Chiappini e do escritor e jornalista Flávio Aguiar, colaborador da RBA. “Ele estaria dizendo: liberdade para Lula”, afirmou Lígia. O ex-presidente foi citado várias vezes. Em uma foto, Lula e Candido se cumprimentam.

O sociólogo Ricardo de Azevedo, ex-presidente da FPA, destacou ainda que Candido foi colaborador da fundação desde o início e primeiro presidente do conseho editorial. “Várias de nossas publicações foram ideias e sugestões do Antonio Candido”, lembrou Azevedo, citando a coleção Pensamento Radical, sobre pessoas “que pensaram o Brasil”, como Celso Furtado, Florestan Fernandes e Sérgio Buarque de Hollanda.

O coordenador da Escola Nacional Florestan Fernandes, Álvaro Anacleto, contou que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) queria homenageá-lo “em vida”, dando o nome de Antonio Candido à biblioteca do instituto, que já destaca outro pensador e militante petista. Segundo ele, Candido achou melhor não receber a homenagem em vida porque ainda poderia “cometer alguns equívocos”. Mas a biblioteca está lá, além de um pau-brasil plantado por ele, o que, para Anaclato, dá novo significado e continuidade a suas ideias. “O que é uma árvore para nós, senão o plantio de um futuro?”

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