Em São Paulo

‘Virada Cultural é importante para que a periferia saiba que tem direito ao centro’

Após fracasso em 2017, evento realizado neste fim de semana voltou às ruas da região central. 'População já se apropriou do evento que tem como apelo ressignificar o centro', afirma produtora

Thales Xavier/secretaria de Cultura

Retorno ao centro veio acompanhado de uma nova lógica, de espalhar a programação em palcos menores

São Paulo – No último sábado (19), às 20h, milhares de pessoas se espremiam na escuridão da Avenida Consolação, no centro de São Paulo, enquanto esperavam por um trio elétrico que desceria uma hora depois ao som de Caetano Veloso. O cortejo do cantor ao lado do bloco Tarado ni Você foi uma das principais atrações deste carnaval fora de época que integrou a 14ª edição da Virada Cultural. Um evento que resgatou relevância após o fracasso do ano anterior, quando a cidade estava sob comando do agora pré-candidato ao governo estadual João Doria (PSDB).

“Comparando com o que foi o ano passado, a Virada retomou sua ideia de ocupar o centro e ainda teve a programação nos bairros. Isso é interessante, é a proposta original. A população já se apropriou do que é o evento que tem como apelo a ressignificação do centro”, diz a produtora cultural Lívia Lima da Silva, que integra o coletivo Nós, mulheres da periferia. “Em 2017, foi autoritária a forma como mudaram a programação e os locais. Viram que deu errado e retomaram”, acrescenta.

Lívia rebate aqueles que defendem a “descentralização” da Virada. “O evento é importante para nós, da periferia, para entendermos que também temos direito de acesso ao centro da cidade. Muita gente diz que tem que levar a cultura para todas as regiões, mas eu, como moradora da periferia, vejo que temos, sim, cultura na periferia o ano todo. O que precisamos é de mais investimento e apoio nas atividades que acontecem.”

O retorno ao centro veio acompanhado de uma nova lógica, de espalhar a programação em palcos menores – o que, de acordo com Lívia, pode ter resultado em melhorias na segurança. Levantamento da Polícia Civil não relatou mortes ou lesões corporais. “Foi um bom plano espalhar os palcos e gêneros. Com isso, não aglomeram todo mundo em um palco só, como era antigamente na Praça Júlio Prestes, por exemplo. O excesso de gente em um lugar só complica a questão da segurança”, avalia a produtora.

De acordo com a Secretaria de Cultura, a diversidade foi central para o evento deste ano. “Esta edição da Virada Cultural teve como tema #todasasvozes. Além da pluralidade de estilos musicais, o evento abriu espaço para artistas de todas as idades, teve programação para todos e 75 atrações com acessibilidade comunicacional para pessoas com deficiência”, diz a secretaria, em nota. Nos maiores palcos, estavam presentes tradutores de Libras.

Periferia estereotipada

Alguns palcos ficaram esvaziados, em especial o da zona leste, em frente à Arena Corinthians, em Itaquera. O secretário de Cultura, André Sturm, em entrevista coletiva, disse que este foi um erro que deverá ser avaliado. Lívia, que mora na região, aponta alguns possíveis motivos. “Às vezes, não queremos ficar na zona leste, queremos ir para o centro. Queremos a cidade sem carros para transitarmos”, comenta.

Mas o ponto central, para ela, foi a falta de representatividade no palco. “Deixar toda a zona leste com um palco só e dizer que está contemplando a diversidade que temos como moradores é errado. A maioria das atrações do palco foi samba. Sobre isso, tenho críticas. Nem todo mundo da zona leste gosta de samba, isso explica alguma coisa. O rap foi para a zona sul e nem todo mundo de lá gosta só disso. Os gostos ficaram estereotipados na periferia.”

A manifestação política de artistas durante o evento virou comum nos últimos anos. No ano passado, o Ministério Público tentou, sem sucesso, censurar o evento, divulgando uma “recomendação” para que os artistas evitassem manifestações políticas. A tentativa não se repetiu neste ano. “Ainda bem que podemos nos expressar. A Virada é um evento da cidade e todos devem poder criticar”, afirma Lívia.

Foi no que aconteceu, por exemplo, no show de Caetano. O músico fez discurso criticando o chamado “pacote do veneno”. Durante sua apresentação, várias vezes os presentes gritaram frases como “Lula Livre” e “Fora Temer”. Mesmo o cantor Sidney Magal, que fez um disputado show no Anhangabaú, citou a música de Geraldo Vandré Pra não Dizer que não Falei de Flores ao afirmar: “Ninguém pode tirar presidente se ele foi eleito”.