Pela arte, festival busca renascimento africano

Em entrevista à Rede Brasil Atual, Zulu Araújo, presidente da Fundação Palmares, explica objetivos do III Festival Mundial de Artes Negras, lançado nesta segunda-feira (25) em Salvador.

O presidente da Fundação Palmares, Zulu Araújo, com Mãe Marinalva, da Federação de Camdomblé e Umbanda do Brasil, em 2007 (Foto: Elza Fiúza/ABr )

O III Festival Mundial de Arte Negra será lançado em Salvador (BA) nesta segunda-feira (25). O evento está programado para Dacar, capital do Senegal, em dezembro e ocorre 32 anos depois da última edição, em Lagos, 1977. Zulu Araújo, presidente da Fundação Palmares, explica os objetivos do encontro e as possibilidades de intercâmbio cultural e econômico.

Para Araújo, o Fesman é uma continuidade da 2ª Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora, de 2006, já que mantém a proposta de mobilizar lideranças negras de todo o mundo em favor do desenvolvimento do continente. “Houve uma certa agenda preliminar estabelecida pelo Ocidente para a África constituída de cinco temas, miséria, fome, guerra, corrupção e Aids”, critica. “Como se o Ocidente não tivesse nenhuma responsabilidade pelo que aconteceu no continente africano nos últimos 500 anos”, completa.

A fundação é responsável, no Brasil, por selecionar os artistas que irão a Senegal representar o país. Tem ainda a função de estimular a participação de outros países latino-americanos.

Confira os principais trechos da entrevista:


RBA – Por que o lançamento de um festival sediado no Senegal acontece em Salvador?

O Brasil é país convidado no III Fesman. O presidente Abdoulaye Wade escolheu a cidade de Salvador para lançar o festival quando estivemos em Senegal de 2 a 8 de março, com o ministro da Cultura Juca Ferreira. O presidente Wade considerou que seria importante que o lançamento fosse feito no Brasil, na Bahia, porque ela representa, simbolicamente, a África no sentido mais pleno. Aqui temos o maior contingente de negros fora do continente africano, temos representações matriciais no plano da cultura que não existem mesmo na África. Temos um conjunto de manifestações que representam o Brasil no mundo inteiro, de tradição africana e agregada de valor brasileiro como a capoeira, o candomblé e a culinária. Temos aqui o início do processo civilizatório do Brasil a partir do continente africano.

Houve uma certa agenda preliminar estabelecida pelo Ocidente para a África constituída de cinco temas, miséria, fome, guerra, corrupção e Aids. Como se o Ocidente não tivesse nenhuma responsabilidade pelo que aconteceu no continente africano nos últimos 500 anos

RBA – Qual a expectativa para o lançamento?

No lançamento, há um caráter formal, com a presença dos presidentes e ministros da cultura do Brasil e Senegal. O tema é o renascimento africano. Esse é o tema que preside todas as ações do III Fesman, o mesmo adotado na 2ª Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora, realizado na cidade de Salvador de 12 a 14 de julho de 2006. É uma continuidade porque esse tema faz parte da Nova Parceria pelo Desenvolvimento Africano (Nepad, na sigla em inglês), promovida pela União Africana. Além disso, nos dias seguintes, a delegação de Senegal se reúne com os empresários paulistas na Fiesp para estabelecer negócios sul-sul. Estamos com a responsabilidade de estabelecer a presença no Fesman de outros países da América Latina. Temos contato com o Haiti, Venezuela, Colômbia e Cuba, mas pretendemos, a partir de junho, visitar outros países para estimular a participação. Temos um programa que se chama intercâmbio afrolatino. Há ainda apresentações de Gilberto Gil, Margareth Menezes, Grupo Gêge Nagô, Ilê Ayê, Cortejo Afro e Filhos de Gandhy e o grupo senegalês Fréres Guisse.


RBA – As duas primeiras edições do Festival foram em 1966 e 1977. Por que o intervalo de 32 anos para esta nova edição?

As razões são várias, desde as dificuldades do continente africano nesse período à impossibilidade de articular outro festival com a grandeza que o mesmo merece, e também uma decisão do governo senegalês. Foi criada por Léopold Sedar, o primeiro presidente do país africano pós-independência e tem como função, agregar por meio da cultura e da arte, as principais lideranças negras do mundo, em torno do desenvolvimento africano. Todos sabemos que, nesse período, houve uma certa agenda preliminar estabelecida pelo Ocidente para a África constituída de cinco temas, miséria, fome, guerra, corrupção e Aids. Como se o Ocidente não tivesse nenhuma responsabilidade pelo que aconteceu no continente africano nos últimos 500 anos. Nunca considerou que houve um processo de escravização que levou 30 milhões de pessoas para a diáspora do mundo, que os países levaram boa parte sendo colonizados e expropriados de seus bens e patrimônios, que ocorreu o apartheid foi criado na África do Sul a partir de uma intervenção do Ocidente, que muitas das guerras foram gestadas, estimuladas e municiadas por ele. O Festival surge, agora, também como a resposta da nova parceria para o desenvolvimento africano, por meio do novo instrumento criado, que é a União Africana.


RBA – Que outros tipos de relação e intercâmbio o Fesman permite entre países africanos e comunidades negras da diáspora?

Todas as possibilidades estão abertas nesse sentido. Devemos ter 50 países do continente africano mais uns 30 da diáspora, o que permite um intercâmbio das comunidades, do ponto de vista da diversidade cultural e dos Estados dialogarem. Teremos a Semana da Cultura do Benin no Brasil em junho, temos um diálogo e ações muito forte com a África do Sul e a Nigéria, assim como com os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Esse festival permitirá que se ampliem essas parcerias, até porque o presidente Lula tem aberto possibilidades enormes nesse sentido, é o presidente brasileiro que mais visitou países africanos, foram 24 até agora. E ele estará em Senegal no dia 1º de dezembro para o evento.