Abre as asas sobre nós

‘Que as luzes da liberdade iluminem o povo brasileiro para evitar a barbárie’

Na entrega do Prêmio Vladimir Herzog, jornalista Juca Kfouri alerta para o risco 'dramaticamente iminente' vivido pelo país

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Cerimônia de entrega do prêmio dedicado aos direitos humanos foi momento de alerta contra violência política e social

São Paulo – Na cerimônia de entrega do Prêmio Vladimir Herzog, ontem (25), coube ao jornalista Juca Kfouri o discurso que, como seria inevitável, remeteu ao momento político e às eleições do próximo domingo. Um momento que “não se parece com nenhuma outra eleição presidencial” da história, segundo ele. Desde a redemocratização, em todas as eleições presidenciais, a partir de 1989, “nunca corremos o risco do resultado ameaçar a recente democracia brasileira”.

Da mesma forma, embora todos os governos desde então mereçam críticas, pelo menos uma não se pode fazer: ter posto em risco a democracia ou a liberdade de expressão.

“Estamos postos diante não de uma dúvida, mas da certeza de que a Democracia será golpeada, até mais do que em 1964, caso as urnas consagrem o horror”, advertiu.

Confira a íntegra do discurso:

Amigas e amigos, neste domingo, daqui a apenas dois dias, o país vai eleger seu novo presidente. Desnecessário dizer a vocês a gravidade do momento que vivemos.

Falo diante de uma nova geração de jornalistas, que haverá de ajudar a fazer um país mais justo para todos nós.

Em nome de Barbosa Lima Sobrinho, de Audálio Dantas, de Alberto Dines, de Fernando Pacheco Jordão. O momento não se parece com nenhuma outra eleição presidencial na História do Brasil. Nenhuma!

Collor x Lula, Fernando Henrique, Lula x Serra, Lula x Alckmin, Dilma x Serra, Dilma x Aécio, nunca corremos o risco do resultado ameaçar a recente democracia brasileira.

Hoje o risco é iminente. Dramaticamente iminente.

Eu duvido que haja aqui um eleitor do candidato apontado como favorito nas pesquisas.

Porque seus eleitores têm solene desprezo pelos direitos humanos.

Não que sejam todos favoráveis à tortura, como o candidato da extrema-direita neofascista.

Mas há o que estejam surdos diante das barbaridades que “ele não”, seus filhos, e correligionários mais próximos, dizem.

Não é preciso falar das críticas que temos sobre os governos da redemocratização para cá.

Viver é preciso.

Porque uma crítica não será justo fazer a nenhum desses governos: a de terem posto em risco a Democracia ou a liberdade de expressão.

Estamos postos diante não de uma dúvida, mas da certeza de que a Democracia será golpeada, até mais do que em 1964, caso as urnas consagrem o horror.

Os golpistas de então tinham, ao menos, algum pudor.

Fizeram o que fizeram, mas, envergonhados, se apegavam às mentiras para não admitir. Negavam torturar e matar.

Sabemos, dolorosamente, que torturaram e mataram.

Agora é ainda pior. 26

Porque os neofascitas anunciam a plenos pulmões o que farão — e já estão fazendo.

Urge derrotá-los.

E que fique bem claro: diríamos exatamente o mesmo, sem tirar nem por, se as alternativas fossem Alckmin, Meirelles ou até Amoêdo.

A hora é tão grave que não admite dubiedade, muito menos omissão ou neutralidade.

Barrar o obscurantismo, a perseguição às minorias, o autoritarismo, a arbitrariedade e a violência, se impõe.

Sem ódio e sem medo, com a indignação exigida por quem ama a liberdade, a igualdade, a fraternidade.

Em nome da memória de Ulysses Guimarães, de Dom Paulo Evaristo Arns e de Vladimir Herzog. E de Vladimir Herzog!

Que as luzes da liberdade iluminem o povo brasileiro para evitar a barbárie.

Temos dois dias para virar o jogo.

Temos o domingo para inundar o Brasil com uma onda democrática.

Vamos lutar até o último segundo do domingo para recomeçar a fazer o Brasil que queremos para nossas filhas e filhos, netos e netas. Para nós.

Nossa arma é palavra.

E a nossa fé não costuma falhar.

Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós