Segundo turno

Estratégia de Bolsonaro depende da falta de debate, diz cientista político

Para Vitor Marchetti, o debate exporia o candidato do PSL ao que de fato ele pensa. Por outro lado, campanha de Haddad trabalha para ampliar frente pela democracia

Reprodução

“O eleitor quer mudança, mas no momento não está pensando em mudança para onde”, avalia Marchetti

São Paulo – A recusa do candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL) em participar de debates é uma estratégia clara, pela qual ele silencia sobre questões delicadas de seu histórico político, desconhecido em grande parte pelo eleitor. Entre os inúmeros temas constrangedores que ele teria que explicar estão o fato de ser réu em duas ações penais no STF, acusado de incitação ao estupro; ter votado contra a PEC dos trabalhadores domésticos, contra os trabalhadores na reforma trabalhista e contra o cidadão, na PEC do teto de gastos; nunca ter aprovado pauta relevante em quase três décadas no Congresso Nacional; e o preconceito contra LGBTs, negros e por estimular a violência.

“A campanha de Bolsonaro está calcada, de fato, na disseminação de desinformação. Ele está trabalhando com o sentimento de antissistema (do eleitor)”, diz o cientista político e pesquisador Vitor Marchetti, da Universidade Federal do ABC (UFABC). Em sua opinião, o eleitor, hoje, quer mudança, mas não está pensando para qual direção.

A estratégia de comunicação do candidato, explorando um sentimento de insatisfação superficial das pessoas, “depende da falta de debates”. Para o analista, o aprofundamento de um debate democrático e transparente exporia Bolsonaro ao que de fato ele pensa.

Nesta quinta-feira (11), Fernando Haddad (PT) postou um vídeo nas redes sociais desafiando o oponente a debater com ele. “Deputado Bolsonaro, vem contar para o povo brasileiro o que você fez durante 28 anos no Congresso Nacional. Vem pro debate!”

Haddad e sua campanha, que agora conta com o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, procura ampliar o leque de apoios para consolidar a frente pela democracia, que já tem a adesão de PSB, Psol, PPL e PDT, além das mais importantes centrais sindicais. Após reunião com Haddad, a corrente do PSDB chamada Esquerda para Valer (EPV), que conta com cerca de 5 mil militantes nas redes sociais, também decidiu apoiá-lo. A informação é do jornal O Estado de S. Paulo.

As movimentações são intensas. Na noite de quarta-feira (10), o petista se reuniu com o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, que  presidiu o STF no julgamento do “mensalão” e é ícone de uma Justiça que funciona contra a corrupção.

Haddad reuniu-se também, nesta quinta, com a cúpula da Igreja Católica, em Brasília, e teria se comprometido com alguns pontos caros aos católicos, como o combate à cultura da violência e à corrupção, a defesa da democracia, entre outros. Após a reunião, o petista afirmou que seu programa “prevê ações alinhadas a esses princípios”.

Para Vitor Marchetti, os próximos dias serão importantes, com a retomada da campanha na televisão, nesta sexta-feira (12), a divulgação, na semana que vem, de pesquisas que já devem apontar alguma tendência, e a continuidade das negociações pela ampliação da frente pela democracia.

Marchetti falou à RBA.

Como avalia a estratégia de Bolsonaro de “fugir” dos debates?

A campanha de Bolsonaro está calcada, de fato, na disseminação de desinformação. Ele está trabalhando com esse sentimento do antissistema e conseguiu fazer uma comunicação popular ligando o sistema a coisas muito diversas, por exemplo o PT, ou o comunismo e partidos políticos. E essa comunicação dele depende da falta de debate. Comunica-se com memes. E está lidando com um sentimento muito superficial das pessoas, de insatisfação, incômodo, crise econômica e social.

Tudo isso está muito latente. Aprofundar o debate pode expor o candidato ao que de fato ele pensa. Porque o eleitor quer mudança, mas no momento não está pensando em mudança para onde. Ele não reflete, só consegue identificar no Bolsonaro, simplesmente, esse sentimento de mudança. Agora, se tem um debate, se tem mais tempo de exposição das ideias e conversa, vai ficando mais claro para onde vai essa mudança, e aí pode ser que o eleitor rejeite esse caminho, como por exemplo os vários atos de violência, incitação à violência.

Mas a questão da violência está se tornando algo grave. O eleitor não percebe?

Esse sentimento de mudança é muito forte. É claro que há os muito convictos de que, de fato, a violência é a solução. Mas tenho a plena certeza de que boa parte dos eleitores que hoje declaram voto nele não pactuam com isso.

Me parece que o sentimento de mudança do eleitor não combina com um sentimento de promover mais violência. Ou a perda de direitos sociais. A falta de exposição das ideias do candidato é uma estratégia que ele está usando para manter vivo esse sentimento e surfar nele, sem dar muitas pistas ou detalhes sobre para onde a coisa está indo.

Se ele insistir em não participar de debate, não chegará um momento em que esse benefício pode se reverter, com a percepção do eleitor de que ele está “fugindo”?

É isso que ele vai ficar monitorando. A gente tem um período muito curto de campanha e a questão é avaliar os efeitos negativos que isso pode trazer. Se ele começar a perceber que a onda de cobrança por debate vai ser forte, ele vai mudar essa posição. Mas por enquanto tem dado resultado. Ele cresceu no primeiro turno se ausentando dos debates. Ele vai fazer esse cálculo.

Como encara, no contexto, a formação da frente pela democracia, reunindo partidos, lideranças e instituições?

O artigo do Fernando Limongi hoje no El País chama a responsabilidade das nossa elites políticas, econômicas, sociais, a entender de fato quais seriam os efeitos de um possível governo Bolsonaro. A formação dessa frente seria possível na medida em que essa elite comprasse essa ideia. A expectativa é de que ela vá nessa direção.

El País que, aliás, publicou um editorial bastante contundente na segunda-feira…

Sim, em defesa da candidatura Haddad, contra Bolsonaro.

Mas a mídia nacional não está numa neutralidade inexplicável?

Pois é. Talvez não esteja com a dimensão concreta do que isso significa. É uma omissão imperdoável das nossas elites políticas, de permitir ou naturalizar um projeto como o dele. Essa é a questão. Alguns setores da nossa elite naturalizaram o projeto de Bolsonaro. E as consequências disso podemos colher todos nós, infelizmente.

Isso se ele ganhar.

Sim. Ele tem uma vantagem significativa, mas o jogo está aberto.

As duas pesquisas divulgadas até agora, no segundo turno, são muito diferentes em relação à vantagem dele: Big Data/Veja dá 54% a 46% e Datafolha, 58% x 42%. Como vê essa discrepância?

As pesquisas erraram bastante. Em alguns casos elas foram bastante equivocadas, como em Minas e no Rio. Claro que a pesquisa tem uma metodologia própria, e eu não faço discurso de que pesquisa é manipulada. Acho que elas erram do ponto de vista metodológico. Isso acontece com alguma frequência e a gente viu na eleição vários erros cometidos por pesquisas que não acompanharam alguns movimentos.

Essa semana vai ser importante, com a retomada da campanha na televisão  na sexta-feira, e acredito que as pesquisas da próxima semana podem indicar tendência, para onde a gente está indo.