Tragédia grega

Programa econômico de Bolsonaro é ruim para o trabalhador e para as empresas

Tensão entre ala liberal liderada por Paulo Guedes, representando o mercado financeiro, e militares pode levar o Brasil a uma crise 'à la Grécia' ou autoritarismo do Chile de Pinochet

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Programa liberal de Bolsonaro e Guedes deve enfraquecer ainda mais o mercado interno e ampliar o desemprego

São Paulo – A redução de impostos e de direitos sociais e trabalhistas, de um lado, e a venda de estatais, de outro, resumem o programa do candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL) e de seu assessor Paulo Guedes para a economia. Somada à abertura ao mercado externo, com retirada de tarifas protecionistas, deve resultar em uma “inundação” de produtos importados no país. “Não vai sobrar nada da indústria brasileira ou das multinacionais localizadas no Brasil”, diz o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) João Sicsú.

Ele aponta que o programa econômico do candidato do PSL “em nada tem a ver com o Brasil”, e resulta da combinação dos interesses do mercado financeiro – em especial multinacionais que exploram recursos naturais, como o petróleo – representado por Guedes, e de grupos de militares que garantiriam a repressão para fazer aprovar medidas de austeridade também desejadas pelo mercado, com cortes nas aposentadorias, assim como foi adotada na Grécia após a crise global iniciada em 2007.

O economista diz que as críticas feitas ao 13º salário pelo vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, são ilustrativas das propostas da chapa que vão na contramão do fortalecimento do mercado interno. “O empresário acha muito interessante porque não vai ter que arcar com mais uma folha salarial, mas se esquece que não vai ter uma folha a mais do lado da demanda. São mais de 13 milhões de desempregados e milhares de empresas falindo”. 

Sicsú, que foi diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) entre 2007 e 2011, compara as propostas de Guedes com aquelas implementadas no Chile durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), que também adotou uma plataforma econômica liberal, cortando aposentadorias e abrindo a economia nacional às empresas estrangeiras. Tudo isso com o amparo dos militares para sufocar os descontentes. 

Setores produtivos já demonstram preocupação com a abertura irrestrita ao mercado externo. Entidades representativas da indústria nacional, como a Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) e a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), dizem que Bolsonaro e sua equipe não estão levando em consideração o impacto das suas medidas para o mercado interno. “A equipe de Bolsonaro procura mais o mercado financeiro do que o setor produtivo, principalmente o Paulo Guedes”, alertou o presidente da Anfavea, Antonio Megale, após a vitória do candidato militar no primeiro turno.  

Ainda antes da votação, o então candidato Ciro Gomes (PDT) havia chamado a atenção sobre as consequências para a balança comercial brasileira da retirada de incentivos fiscais para o setor do agronegócio, como defendem Bolsonaro e Guedes. Em entrevista ao portal G1 (confira o vídeo), sem a exportação de produtos primários e com a importação de produtos industriais, a conta não fecha, podendo acarretar numa escalada no preço do dólar, que teria efeitos inclusive na inflação, segundo o presidenciável que ficou em terceiro lugar no primeiro turno. “Bolsonaro representa a destruição da nação brasileira”, diz Ciro.

Sobre a excitação dos operadores da Bolsa de Valores com uma eventual vitória de Bolsonaro, Sicsú diz tratar-se de um movimento “meramente especulativo”, já que a elevação dos preços das ações não corresponde ao investimento das empresas. “Quando as ações sobem e as empresas investem, aí sim. Mas não é o caso brasileiro, que está com investimento negativo há quatro anos.”

Os interesses do mercado financeiro e dos militares podem se chocar, diz o economista, já que generais nomeados para comandar as estatais, como era na ditadura, podem apresentar resistência às tentativas de privatização, ainda mais quando passarem a ocupar cargos que pagam vultosos salários nas diretorias das empresas públicas. Dessas contradições vem a curta lua-de-mel com um eventual governo Bolsonaro, já prevista por algumas vozes do mercado.

O que eles vão tentar fazer é um programa de austeridade “à la Grécia”. Não sei se vão conseguir, porque militares vão tentar tocar projetos de infraestrutura, e valorização de algumas estatais. Não sei quem vai ganhar essa disputa. Se depender do mercado financeiro, é Grécia. Privatizar tudo, cortar direitos, fazer uma reforma que acabe com a Previdência”, explica o professor, explicitando as contradições.