Busca e apreensão

‘Ação despertou universidade e sociedade para o grande ataque que está em curso’

Associação dos Docentes da Universidade de Campina Grande foi alvo de ação para apreender um manifesto em defesa da democracia e da universidade pública. 'É sem precedentes', diz professor

Divulgação

Ação policial na sede dos docentes de Campina Grande é uma entre tantos casos ocorridos por todo o país

São Paulo — Josevaldo Cunha, há 30 anos professor na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), na Paraíba, diz nunca ter visto nada igual, neste período, ao fato acontecido nesta quinta-feira (25), quando policiais federais armados foram à sede da Associação dos Docentes da UFCG, para recolher um panfleto intitulado Manifesto em Defesa da Democracia e da Universidade Pública. Os policiais cumpriram mandado de busca e apreensão expedido pelo juiz eleitoral Horácio Ferreira de Melo Junior. O texto do manifesto havia sido discutido dias antes e aprovado pela categoria em assembleia.  

“O que aconteceu esta semana é sem precedentes, em termos de ataque, de autonomia universitária, do livre exercício da docência. Nunca tinha visto uma ação dessa contra a liberdade de uma instituição de ensino superior”, enfatiza Cunha, professor de ciências agrárias no curso de Engenharia Agrícola. Ele afirma que o manifesto não defende nenhuma candidatura. “Seria engraçado se num ambiente universitário não fosse considerado próprio um manifesto em defesa da democracia e da universidade pública.” 

De acordo com ele, a comunidade acadêmica da universidade ainda busca explicação para a ação do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) da Paraíba. No mandado, o juiz eleitoral determina “busca e apreensão de panfletos intitulados Manifesto em Defesa da Democracia e da Universidade Pública, bem como de outros materiais de campanha eleitoral em favor do candidato a Presidência da República Fernando Haddad”. 

Para Cunha, ao citar explicitamente o manifesto e acrescentar “outros materiais”, o juiz entrou no caminho da suposição, estimulado pelo clima de arbítrio que ronda o país. Por outro lado, apesar do impacto que a ação policial causou entre professores e funcionários da universidade, ele diz que a tentativa de criminalizar o debate político na universidade também abriu os olhos de muitas pessoas para o que está acontecendo no país. 

“Essa ação despertou setores da sociedade e da universidade que ainda não tinham percebido que há um grande ataque em curso. Cada candidatura expressa o ponto e o contraponto desse estado de ataque aos direitos sociais e o patrimônio público. Então a ação despertou muita gente que achava exagero se falar em processo autoritário no país”, explicou o professor Josevaldo Cunha. 

Repúdio 

No dia anterior, a Universidade Estadual da Paraíba também foi alvo de ação da Justiça Eleitoral. Segundo nota da universidade, fiscais se apresentaram sem identificação apropriada e sem mandado num dos auditórios do Campus I, em Campina Grande, onde era exibido um filme na disciplina de Ética.

A professora foi então inquirida sobre a atividade ali desenvolvida e questionada sobre o conteúdo da disciplina ministrada. Na quinta-feira (25), os fiscais retornaram à universidade, desse vez durante um evento organizado pelos professores discentes e que tinha como tema a democracia.  

“Desta forma, as entidades que subscrevem esta nota compreendem que tal movimentação está diretamente relacionada ao momento político vivido no país, principalmente ao fato de que, nos últimos dias, neste segundo turno, têm ocorrido constantes violações dos direitos democráticos, da liberdade de expressão, da autonomia de cátedra dos docentes, do direito de organização sindical e das liberdades individuais. Desta forma exigimos o cumprimento da Constituição Federal e repudiamos, veementemente, a extrapolação das autoridades responsáveis no cumprimento da lei. Por fim, esperamos das autoridades constituídas imparcialidade na condução das ações relativas ao processo leitoral em curso, tendo em vista garantir o direito à pluralidade de manifestação das posições políticas, fundamentais para a garantia da democracia”, diz a nota conjunta das duas instituições de ensino superior. 

Também em nota, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) manifestou seu repúdio a ação ocorrido na sede da associação dos docentes da Federal de Campina Grande e em outros centros universitários no país. 

“Consideramos grave esse ataque, que também está ocorrendo em várias universidades, institutos federais e Cefet por meio de ações por parte da justiça eleitoral, que tem desrespeitado a autonomia universitária e o direito à livre manifestação do(a)s professore(a)s, técnico(a)s administrativos e estudantes. O Andes-SN reforça o seu compromisso na defesa intransigente da democracia e da universidade pública. Tais bandeiras fundamentam nossa atuação sindical, e qualquer ação que fira esses princípios deve ser veemente repudiada. Reforçamos nosso compromisso de luta contra o fascismo, contra o estado policialesco e contra qualquer tentativa de cercear a livre manifestação de trabalhadore(a)s e estudantes”, afirma a nota.

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