Maranhão

Contra família Sarney, ‘comunista’ Dino vence com discurso de meritocracia

Governador eleito pelo PCdoB, Flávio Dino quer investimentos para o estado e diz que vai acabar com 'compadrio' que favorece construção de 'fortunas privadas'

Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Brasília – O governador eleito do Maranhão neste domingo (5), Flávio Dino (PCdoB), com 63,52% dos votos válidos, tem entre as prioridades declaradas de governo a restauração da segurança pública, a educação, a busca por mais investimentos e, sobretudo, a redução das desigualdades sociais num estado em que as distorções são gritantes. A grande bandeira que carregou ao longo das eleições, contudo, foi o “anti-sarneysismo”. Dino encerra uma era de 50 anos de predominância de José Sarney, seus filhos e demais apadrinhados no Maranhão.

Porém o personagem Flávio Dino apresenta nuances além da característica de oposição a Sarney, cuja veracidade chegou, inclusive, a ser colocada em xeque ao longo da campanha. Aos 46 anos, com a família refazendo-se de uma tragédia (o filho Marcelo, de 14 anos, faleceu em 2012 após um erro médico em Brasília), tido como pessoa equilibrada e de temperamento calmo, ele chega ao governo maranhense depois de uma caminhada iniciada dez anos atrás. Agora, Dino vence a eleição com um discurso que busca marcar o encerramento de “compadrios” no estado, mas que também valoriza a meritocracia.

Dino prometeu, no seu programa de governo, fazer uma gestão administrativa “transparente e competente, com valorização real dos servidores públicos e metas de desempenho com eles pactuadas”. Acentuou, no texto, que no Maranhão, de agora em diante, “as leis serão cumpridas por todos e em favor de todos”. Em outro ponto  do programa, o então candidato afirma que o financiamento de ações diversas sairá de fontes como o combate à corrupção e às obras superfaturadas, ao desperdício e aos gastos excessivos das autoridades governamentais.

E, dentre as formas de financiamento a serem captadas, apontou eficiência dos recursos federais e de organismos multilaterais, destinação planejada das emendas do orçamento da União e a reorientação do orçamento público do estado, a partir das novas prioridades. O que só pode ser realizado “com o apoio de servidores preparados e eficientes, com políticas que levem em conta méritos e capacitação e com mudanças realmente estruturais no estado.”

O governador, que será empossado em janeiro, foi aprovado em concurso para juiz federal muito jovem. Abandonou uma carreira promissora no Judiciário para se dedicar à política, em 2004, quando se candidatou pela primeira vez a um cargo público, na disputa para a prefeitura de São Luis. Perdeu aquela e mais duas eleições (outra para a prefeitura, em 2008, e uma anterior, em 2010, para o governo estadual) até alcançar, agora, o objetivo. Ao longo do período, foi deputado federal (eleito em 2006) e, no governo Dilma, presidiu o Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur).

A eleição de Dino representa uma trajetória de brigas com “leões” do poder no Maranhão e de um amplo trabalho de articulação com as outras legendas, que se reuniram para “derrubar os Sarney”, conforme dito na formalização da chapa. Além de ter tido como aliados integrantes do PSDB, PSB e SDD, Dino contou com a ajuda de vários petistas – que declararam o voto nele nos últimos meses, mesmo o PT tendo apoiado o seu principal adversário, o senador Edson Lobão Filho (PMDB).

Faltando poucos dias para as eleições, no final de setembro, Flávio Dino conseguiu, também, a troca de palanque para por parte da família Cutrim, formada por políticos que durante a vida inteira foram aliados de Sarney. Os Cutrim (alguns dos quais chegaram a criticar Dino em pleitos anteriores) não apenas mudaram de posição na reta final, como também levaram para o PCdoB o apoio de dez prefeitos do estado.

‘Comunista diferente’

O ponto mais explorado pelos adversários, contudo foi o fato de Dino ser filiado ao PCdoB. A condição de “comunista” o levou a uma situação que lembrou momentos da ditadura civil-militar.

“Só faltaram dizer que ele iria comer criancinhas”, disse rindo, o advogado Marcelo Rizzo, que acompanhou toda a candidatura e hoje comemora a vitória. Tido como distanciado do programa inicial do partido que o acolhe – e que tem caráter bastante rígido sobre temas que Dino apresenta como prioritários – o governador eleito chegou a afirmar, diversas vezes, que “é preciso um comunista para instalar o capitalismo no Maranhão.”

Não é a única contradição sobre a posição de cunho ideológico e partidário: Dino é marxista, mas católico fervoroso, do tipo que anda sempre com uma gargantilha franciscana. Alem disso, defende a atração de investimentos privados no Maranhão. E, embora discurse há anos pela derrubada da oligarquia maranhense, tem contatos afetuosos com a governadora Roseana Sarney sempre que os dois se encontram (em 2008, Roseana chegou a anunciar que votaria nele para prefeito de São Luís).

“Pessoalmente, nos damos muito bem”, já chegou a dizer a filha de José Sarney sobre seu sucessor. Não se sabe se, depois das frases ditas no furor da campanha, o “chamego” vai continuar. “O povo cansou e quer escrever uma nova historia no Maranhão. Em nossa história, acaba-se o reinado dos Sarney. Agora é o povo que vai ser rei”, garantiu Dino num dos comícios. Nem de longe esse foi o tom mais ácido usado por ele.

Fim ao ‘compadrio’

Nos últimos dias de campanha, o então candidato a governador desabafou, no horário eleitoral, que sua vitória vai dar um fim ao “compadrio”, ao “favorecimento de amigos” e a perseguições políticas, práticas tão observadas no Maranhão nas últimas décadas. E que o seu governo “será amigo dos municípios”, numa ironia às acusações de que as cidades que recebem recursos e obras são só aquelas administradas por prefeitos aliados dos governadores indicados pela família Sarney.

“Sarney é peça de uma engrenagem baseada no fisiologismo, nas chantagens com o governo federal. Aqui ninguém mais usará o poder para fazer negócio”, destacou numa entrevista, meses atrás, quando avisou que uma das primeiras ações será a venda da casa de campo do governo estadual para usar os recursos na construção de um hospital do câncer. Também prometeu investir na criação de universidades estaduais regionalizadas com orçamento próprio, de forma a aproximar tais entidades das comunidades carentes e aumentar a oferta de vagas públicas para a educação.

“Vamos dar fim ao patrimonialismo. O estado não será mais usado para criar verdadeiras fortunas privadas. No próximo governo, nem o governador, nem a família do governador ou de qualquer secretário poderá ter qualquer atividade empresarial ou interesses privados que colidam com o interesse público. E isso fará com que o Maranhão volte a atrair grandes investimentos. O empresário quer regras claras, previsibilidade e segurança jurídica”, ressaltou, num dos debates.

Em resposta, José Sarney afirmou que, para que Dino pudesse ser indicado à presidência da Embratur, a presidenta Dilma Rousseff pediu antes a aprovação dele. E que, por isso, o candidato foi pessoalmente à sua casa agradecer pelo cargo. “Todos esses que estão aí fazendo oposição a mim, já me bajularam. Não houve um único que não quisesse beijar meus pés”, acentuou o senador. “Sarney é um velhaco. O tempo dele acabou”, respondeu o comunista, ao negar a versão e enfatizar que, ao contrário do que foi dito, foi Sarney quem tentou barrar a indicação para a Embratur junto ao governo do PT.

Ataques e calúnia

Durante a campanha, Dino sofreu ataques fortes do adversário, Edson Lobão Filho (PMDB), filho do ministro do Meio Ambiente Edson Lobão. Ao longo de todo o período eleitoral, Edinho, como é mais conhecido, argumentou que o crescimento do comunista nas pesquisas de intenção de voto se deu pelo desejo de renovação por parte dos maranhenses. Mas as pessoas, segundo Lobão Filho, queriam ver novos rostos no poder estadual e não necessariamente candidatos contrários aos Sarney. E destacou que ele também é um dos “representantes da renovação.”

O ponto mais forte da campanha foi a veiculação de vídeo em que um detento do Complexo Penitenciário de Pedrinhas acusou Dino de envolvimento em uma série de crimes. O detento, pouco depois, confessou que teria recebido vantagens (dentro do presídio e de ordem financeira) para incriminar o candidato. A apuração do caso, que está correndo judicialmente, ajudou a provocar grande estrago na campanha de Edinho, que terminou tendo a candidatura vista como pivô da calúnia.

“Isso foi armação de campanha”, disse Lobão Filho, numa referência a Dino. “Basta atentar que, depois do vídeo forçado da confissão daquele bandido em Pedrinhas, vários atentados observados por criminosos no estado acabaram.”

Precaução    

Flávio Dino já teria dito a interlocutores dias antes, em conversas reservadas, que diante desse e de episódios observados com adversários dos Sarney em eleições anteriores, se precaveria de possíveis ataques. Ele teria citado como exemplo os casos do ex-governador Jackson Lago, no Maranhão, e de João Capiberibe, no Amapá, que tiveram os cargos cassados por decisões judiciais.

No caso de Jackson Lago, a denúncia foi de favorecimento de poder político durante a campanha, em ações do governo estadual que o apoiava, na época. Em relação a João Capiberibe, o governador foi condenado pela compra de votos de dois eleitores, por lhes ter dado R$ 26, num episódio que até hoje é questionado. “Tenho uma vida limpa e estou preparado para a briga. Não vão ter o que aprontar comigo”, teria chegado a falar o próximo governador maranhense a aliados.

A eleição de Flávio Dino não representa a primeira vitória da oposição aos Sarney no Maranhão propriamente, mas se destaca por ter, pela primeira vez, um caráter totalmente diferente da anterior, ganha por opositores que tinham sido antigos aliados da oligarquia maranhense.

Em 2006, os Sarney perderam a eleição para o médico Jackson Lago, do PDT. Lago foi apoiado pelo então governador, José Reinaldo Tavares, que tinha rompido com José Sarney dois anos antes, mas como tinha sido considerado homem de confiança de José Sarney por 38 anos, nunca foi visto como um político diferente dos que passou a combater.

Tavares foi vice de Roseana Sarney em 1998 e empossado em 1999. Assumiu o governo em 2002, no final da gestão, e foi reeleito no mesmo ano. O cargo passou para ele depois que Roseana renunciou para disputar a Presidência da República. Ainda no início, ela desistiu da disputa depois da Polícia Federal ter apurado a existência de irregularidades nas doações feitas por empresas para a sua campanha. Resolveu, então, disputar o senado.

Tavares cumpriu o restante do mandato de Roseana, foi reeleito e quatro anos depois, brigado com os Sarney, ajudou a eleger Lago, que já tinha sido prefeito de São Luís por três vezes. Morto em 2011 devido a um câncer de próstata, Jackson Lago foi cassado em 2009 pelo Tribunal Superior Eleitoral, que considerou ter existido “extrapolação de iniciativas do governo estadual para elegê-lo”, entendidas pelos ministros como “abuso e afronta à lei eleitoral.”

Desigualdades gritantes

Os motivos que levaram a uma oposição forte no Maranhão e à consequente vitória de Flávio Dino podem ser observados facilmente nas ruas da capital, São Luis, e outros municípios. O estado, segundo o último Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil, divulgado no ano passado (com dados referentes a 2010) pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) possui o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, fica atrás apenas de Alagoas. O Maranhão teve um aumento de 62% na taxa de homicídios nos últimos anos. O presídio de Pedrinhas, cujas rebeliões constantemente estão no noticiário nacional, é exemplo marcante.

Conforme dados do mesmo estudo do Pnud, mais da metade da riqueza está concentrada nos 10% mais ricos e 39% da população vive na pobreza. Uma em cada cinco pessoas com idade até 15 anos não sabe ler nem escrever.  “Está mais do que na hora de mudar. Não aguentamos mais ter que mandar um filho para outro estado morar com uma mãe ou irmã para que possa estudar ou trabalhar. Não aguentamos mais”, destacou, no horário eleitoral, a ambulante Célia Santos, ao relatar que dos cinco filhos, três migraram para São Paulo e Bahia.

“Flávio Dino está preparado para governar o Maranhão. A esperança do nosso povo está nas mãos dele”, enfatizou, na mesma linha, o prefeito do município de Tumtum, Cleomar Tema Cunha.

Pequenos atritos

Dino pode representar o fim de uma forma de fazer política, mas sabe que não deixará de ter problemas por isso. Uma das principais dificuldades vai ser aglutinar forças entre os aliados que conseguiu reunir. Os problemas começaram a aparecer antes mesmo do dia da eleição. De um lado, o deputado Domingos Dutra (Solidariedade) chegou a reclamar, meses atrás, que estava há dias sem ser contatado ou ouvido pelo comitê de campanha. “Se isso acontece comigo, que tenho mandato de deputado, imagina com os bagrinhos”, ironizou Dutra.

De outro, o palanque já sofre com reclamações pontuais, como a do ex-governador João Castelo (PSDB) que, no início da campanha, divulgou uma “carta ao povo”, reclamando de ter sido alijado de candidatura ao senado na chapa e afirmando que “merecia mais respeito”. São desabafos que mostram o tamanho do desafio que o novo governador terá.

José Sarney, enquanto isso, sai do Senado e diz que deixa a vida pública de vez. Aos 84 anos, o senador desistiu de se candidatar à reeleição e declarou que quer dedicar o restante da vida à literatura e à família. Os desafetos salientam que o verdadeiro motivo seria a perda de poder no estado e o resultado de pesquisas encomendadas pela família que mostram alto índice de rejeição.

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