urnas

Arrastados por ‘onda conservadora’, Suplicy e Adriano Diogo deixam lacuna no Legislativo

Identificados com direitos humanos, parlamentares não conseguiram vaga para próxima legislatura. Movimentos sociais lamentam derrota, que debitam a contexto 'desfavorável'

Adriano Diogo/Divulgação

Senador e deputado são considerados ‘perdas irreparáveis’ para as reivindicações populares

São Paulo – Movimentos sociais e defensores dos direitos humanos atribuem os reveses eleitorais do deputado estadual Adriano Diogo e do senador Eduardo Suplicy à mesma “onda” que elegeu o Congresso mais conservador desde a redemocratização. E atestam que os parlamentares farão falta – não por serem quadros históricos do PT, mas por terem sido dos poucos que permaneceram ao lado das lutas populares durante seus longos mandatos na Assembleia Legislativa de São Paulo e no Senado.

No último dia 5, Eduardo Suplicy perdeu para José Serra (PSDB) a cadeira que manteve por 24 anos no Congresso Nacional. O tucano obteve 58,49% dos votos, ante 32,53% do petista. Adriano Diogo, que após 12 anos no parlamento paulista havia decidido concorrer à Câmara dos Deputados, em Brasília, obteve 54.904 votos, quase 30 mil a menos do que seria o necessário para garantir uma vaga na próxima legislatura pela coligação PT-PCdoB. Os resultados não foram precisamente uma surpresa. Mas desagradaram muita gente.

Leia também:

“A derrota deles é um desastre”, sustenta Benedito Barbosa, o Dito, advogado do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos. Representante de movimentos de moradia na capital, Dito pontua que os resultados eleitorais “desfavoráveis” ocorrem na esteira de grandes mobilizações populares. “No momento em que observamos um aumento na criminalização dos movimentos sociais, Diogo e Suplicy farão muita falta. Estavam sempre presentes nos momentos de conflito. Estamos ainda mais desamparados.”

“Quem ganha são os violadores de direitos humanos. Foram perdas irreparáveis”, considera Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio. A organização, que contava com apoio de Adriano Diogo, luta pela elucidação e pela federalização das investigações dos assassinatos cometidos pela Polícia Militar em resposta aos ataques do PCC em maio de 2006. Foram 493 mortes. Entre as vítimas, pelo menos 400 eram jovens negros e pobres, com idades entre 17 e 25 anos.

Em memória deles, o deputado conseguiu aprovar, em julho, o Projeto de Lei 15.501, de 2014, que institui no calendário oficial do estado, entre os dias 12 e 19 de maio, a Semana Estadual das Pessoas Vítimas de Violência no Estado de São Paulo. A lei é de autoria da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania, da Participação e das Questões Sociais (CDH) da Assembleia Legislativa, presidida por Adriano Diogo, e se originou de um pedido das Mães de Maio.

Em janeiro de 2012, Adriano Diogo acompanhou a violenta reintegração de posse do Pinheirinho, em São José dos Campos. Eduardo Suplicy também esteve lá. Além de prestar assistência às famílias, o senador descobriu e denunciou o caso de três jovens – duas mulheres e um homem – estuprados por soldados da Rota, a tropa de elite da PM paulista, numa comunidade vizinha à ocupação. Como resultado, 13 policiais foram indiciados pela prática de crimes comuns e militares e transgressões disciplinares.

“Em meio à violência do despejo e do sofrimento das famílias, Suplicy conseguiu ‘pescar’ um fato ainda mais deprimente. Conseguiu pautar o governo do estado e fazer inclusive que policiais fossem afastados pelo crime”, afirma Rildo Marques, presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe). “O senador tinha a capacidade de tornar visíveis questões aparentemente menores para demonstrar falhas nas políticas públicas.”

Em fevereiro de 2001, após uma onda de rebeliões em 29 presídios de São Paulo, Suplicy dormiu no antigo complexo penitenciário do Carandiru, na zona norte da capital, atendendo ao apelo dos familiares dos presos, que acreditavam que sua presença evitaria uma invasão da Tropa de Choque – e um possível novo massacre. Na ocasião, o parlamentar ajudou a mantê-los informados. Ao todo 29 pessoas morreram durante aquela onda de rebeliões, seis delas no Carandiru.

As últimas ações de Suplicy em favor de vítimas do Estado ocorreram há poucos meses. O senador apoiou o fotógrafo Sérgio Silva, que perdeu o olho esquerdo após ser atingido por uma bala de borracha nas manifestações de junho de 2013. “Nos encontramos por acaso, conversamos e me surpreendi ao saber que ele conhecia toda minha história”, relata Sérgio. “Ele se deixou retratar por mim para um ensaio que estava organizando e, quando inaugurei a exposição, ele foi até lá me prestigiar.”

O fotógrafo também foi lembrado por Adriano Diogo em sessão solene na Assembleia Legislativa que homenageou os jornalistas feridos durante os protestos do ano passado. “Foi importante para não deixar a violência cair no esquecimento.” Mais recentemente, Suplicy e Adriano Diogo foram os únicos parlamentares que se engajaram na libertação do ativista Fábio Hideki, 27 anos, preso durante manifestação contra a Copa do Mundo, em julho, e mantido atrás das grades por 46 dias.

“Adriano Diogo foi violentamente torturado ainda muito jovem e dedicou a vida tentando evitar que isso se repetisse”, diz José Luiz Del Roio, porta-voz do Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça. Familiar de desaparecido político, Del Roio lembra o papel exercido pelo deputado à frente da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo. “Foram mais de 150 audiências públicas. Um trabalho infernal, porque é doloroso ouvir tantos relatos. Ainda mais se você sofreu aquilo tudo.”

Membros da Comissão Nacional da Verdade (CNV) reforçam a relevância de Adriano Diogo na reconstrução da história política do país. “Aprendemos muito com ele, porque suas audiências sempre traziam alguma informação nova”, ressalta a psicanalista Maria Rita Kehl, integrante do colegiado que investiga abusos cometidos por agentes do Estado brasileiro durante a ditadura. “Dizer que o deputado colaborou com a CNV é pouco: ele teve um voo próprio, um método que nos inspirou.”

“A comissão paulista foi a mais ativa do país”, complementa a advogada Rosa Cardoso, que também faz parte da CNV. “Tanto no número de audiências que fez, das vítimas e testemunhas que ouviu, como nos documentos que pesquisou e nas investigações sobre o perfil de mortos e desaparecidos políticos em São Paulo”, ressalta. “Tivemos uma parceria desinteressada de qualquer outro objetivo que não cumprir os objetivos próprios de uma comissão da verdade.”

Para Ivo Herzog, presidente do Instituto Vladimir Herzog e filho do jornalista assassinado pela repressão em 1975, Adriano Diogo vinha sendo um “grande protagonista” de iniciativas como a abertura da vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, em Perus, depósito de cadáveres da ditadura. “O deputado catalisa uma série de ações importantes para a defesa dos direitos humanos. Isso fazia peso na Assembleia Legislativa. Temos a esperança que ele vai continuar na luta.”

O desempenho à frente da Comissão Estadual da Verdade e da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa convenceu Adriano Diogo de que havia chegado momento de alçar voos mais altos. “Eu me subestimava muito, achava que não tinha competência para ser deputado federal. Mas esses últimos quatro anos me deram autoconfiança. Tive a certeza de que poderia exercer um ótimo mandato no Congresso”, explica Diogo. “Tenho 65 anos. Era agora ou nunca.”

Mas os eleitores não quiseram. “É como se eu tivesse sido cassado pelas urnas”, lamenta Adriano, que, após quatro mandatos como vereador na capital e três como deputado estadual, enfrentará a uma nova experiência de vida. “Não quero desistir ou achar que fui derrotado pela direita. Mas, fico pensando: será que fui reprovado por ter me dedicado diuturnamente a temas tão fundamentais da democracia brasileira como os direitos humanos, a violência policial e a comissão da verdade?”

O petista tende a acreditar que não – e prefere atribuir a derrota à falta de recursos de sua campanha e à falta de prioridade do PT à sua candidatura. “Resolveram priorizar o ex-presidente do Corinthians Andrés Sanchez”, lamenta, criticando as escolhas do partido. “Talvez eu esteja superado por acreditar que a reforma política tem que atacar não só o poder das empresas em financiar partidos, mas também o poder da mídia em escolher governantes e o poder militar, que criminaliza os movimentos sociais.”

Recuperado do baque das urnas, Adriano Diogo afirma que tem um compromisso com os quase 55 mil paulistas que tentaram elegê-lo para a Câmara. “Não posso me deprimir.” O deputado retomou suas atividades na Assembleia Legislativa no dia seguinte ao pleito. “Tenho que organizar a 18ª edição do Prêmio Santo Dias”, lembra, em referência à cerimônia que homenageia, em dezembro, defensores dos direitos humanos no parlamento paulista. “E estou empenhado na reeleição da presidenta Dilma. Durmo e acordo pensando nisso.”

Em autoanálise, Suplicy destaca os ataques midiáticos como uma das explicações para a “ascensão conservadora” que acabou por alijá-lo do Senado. “Estamos cientes de que episódios como o mensalão e o caso da Petrobras afetaram o partido”, diz, apesar de acreditar ainda ser necessária uma reflexão mais aprofundada sobre os resultados. “Os problemas do PT são magnificados bem mais do que quando ocorrem nos outros partidos. Há um desequilíbrio, uma vontade grande de nos machucar.”

Na última semana, o senador aceitou um convite para dar aulas como professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP, durante o primeiro semestre de 2015. Vai ensinar sobre “Os instrumentos de política econômica para a construção de uma sociedade civilizada e justa”. “Estou com 73 anos e uma das atividades que faço com maior frequência são as palestras. Pretendo continuar com elas e com os cursos”, diz. “Também espero me dedicar mais aos estudos, à leitura e à escrita.”

Considerado um dos últimos bastiões da ética na política, Suplicy foi eleito o melhor senador do país pelo site Atlas Político – criado por pesquisadores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, para avaliar o trabalho dos congressistas brasileiros. Além disso, Suplicy esteve entre os cinco melhores senadores em todas as oito edições do prêmio concedido pelo site Congresso em Foco. Em 2012, ficou com o primeiro lugar. Em 2006 e 2013, com o segundo.

“Recebi muitas mensagens de apoio. Representantes dos movimentos de moradia e dos sem-terra consideram muito meu mandato, porque muitas vezes recorreram a mim para tratar de problemas”, relata Suplicy. “Mesmo não sendo senador, estarei disposto a dialogar, porque sinto que tenho dever de continuar a batalha pelos mesmos propósitos: a luta pela construção de um Brasil justo, onde prevaleça não só do desejo individual de progredir, mas também a solidariedade e a fraternidade.”

Leia também

Últimas notícias