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Educação, saneamento, reforma tributária… temas ‘esquecidos’ das eleições 2014

Debate eleitoral concentrado em macroeconomia, segurança e corrupção levou questões importantes para a sociedade, que deveriam ter sido tratadas a fundo, a serem minimizadas

Paulo Pepe/RBA

Educação em tempo integral foi uma das poucas propostas discutidas, mas sem detalhes sobre funcionamento

São Paulo – Eleições 2014. Quais são as principais propostas apresentadas no horário eleitoral e nos debates entre os candidatos para educação, habitação, cultura, reformas política e tributária? Não há por que se considerar mal informado por não saber. Ou melhor, há: o embate entre os candidatos à presidência da República sobre autonomia do Banco Central, atuação federal na segurança pública, corrupção na Petrobras e a utilização ou não do petróleo do pré-sal, pouco palpáveis para a população em geral, acabou por tirar de cena assuntos que até há pouco mobilizavam milhares de pessoas pelo Brasil.

Algumas propostas estão tratadas superficialmente nas diretrizes programáticas e nos programas de governos lançados pelos candidatos, mas ficaram de fora de debates e do horário eleitoral na TV e no rádio. Em outros momentos, figuraram na boca dos postulantes ao Planalto e a governos estaduais, mas de forma superficial. No caso dos candidatos aos cargos de deputado federal e estadual a situação é ainda pior, pois nos poucos segundo que têm para se apresentar mal cabem o nome e o número para votação.

Reforma política

Isso nos leva ao primeiro tema não debatido: a reforma política. Muito se fala da importância de reduzir a influência do poder econômico nas eleições, de ampliar a participação popular nas decisões dos governos, mas pouco se discutiu para além de dizer que é preciso fazer a reforma.Fim da reeleição, unificação do calendário eleitoral e financiamento público de campanhas foram as colocações recorrentes.

Wilson Júnior/CUTplebiscito
Movimentos e entidades organizaram um plebiscito popular para defender a constituinte para a reforma política

Entre os principais candidatos, recebeu baixa citação o plebiscito popular pela reforma política, organizado por movimentos sociais entre os dias 1º e 7 de setembro, com a participação de 7,7 milhões de pessoas que se posicionaram sobre a proposta de consultar a população sobre como realizar a reforma política.

Apresidenta e candidata do PT à reeleição, Dilma Rousseff, declarou apoio ao plebiscito popular. Ela segue defendendo a realização da medidaem caráter oficial, nos moldes do que propôs após as manifestações de junho, para consultar a população sobre osprincipais temas da reforma política, como modelo de financiamento e sistema eleitoral.

Marina Silva (PSB) também defende o financiamento público, assim como o fim da reeleição, mas é contra o plebiscito, pois acredita que o processo deve ficar nas mãos do Congresso Nacional.

Já Aécio Neves (PSDB) pretende ele mesmo apresentar um projeto de reforma política ao Legislativo, no qual defende o fim da reeleição – embora tenha sido o partido dele a propor o formato em 1997 –, a unificação das eleições e o voto distrital misto (sistema em que o voto para cargos legislativos é em parte majoritário e em parte proporcional). O candidato não fala em mudar o sistema de financiamento das campanhas eleitorais.

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Reforma tributária

Outra reforma, a tributária, foi abordada novamente pelo ponto de vista de que o Brasil tem uma altíssima carga de impostos. Fato é que a campanha não entrou de cabeça no debate sobre a desoneração dos itens básicos – como alimentação e salários –, tributação de patrimônio – helicópteros e barcos, por exemplo, não têm impostos – ou a taxação de grandes fortunas. Em resumo, a observar as poucas propostas sobre o tema, os mais ricos seguirão pagando proporcionalmente menos impostos que os mais pobres, o que fomenta a concentração de renda.

Eduardo Campos – candidato do PSB à presidência, morto em um acidente aéreo em Santos, no litoral paulista, em 13 de agosto – era quem mais procurava levar o tema a debate, embora afirmasse que era possível reformar o sistema tributário sem aumentar impostos em nenhum âmbito, o que é visto como algo implausível.

O combate à sonegação de impostos, que chegou a R$ 415 bilhões em 2013 e deve superar os R$ 500 bilhões neste ano, segundo dados do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, não é sequer citado pelos candidatos em suas propostas.

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Meios de comunicação

Tema sempre difícil, a regulação dos meios de comunicação também não é discutida nos debates nem nos programas de TV.

Ichiro Guerra/Campanha Dilma/Fotos PúblicasDilma
Regulação econômica da mídia, agora defendida por Dilma, anula contra-argumento conservador de ‘censura’

Em encontro com blogueiros, Dilma assumiu o compromisso de trabalhar pela regulação econômica da mídia com uma clareza que não havia demonstrado desde a campanha anterior, visando a limitar a concentração da propriedade dos meios de comunicação. Essa diretriz está estabelecida no artigo 220 da Constituição Federal, mas nunca foi regulamentada. Seis famílias controlam 90% do mercado de comunicação no Brasil.

Aécio é absolutamente contrário à proposta e não faz nenhuma menção a isso em seu programa de governo.

Para Marina, a democratização da mídia é um tema referente somente à internet. A candidata socialista propõe criar uma Secretaria da Democracia Digital vinculada à Presidência da República, mas não fala nada sobre democratizar as concessões de rádio e televisão.

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Cultura

Propostas sobre cultura também passaram ao largo das campanhas eleitorais. Em um dia, 15 de setembro, Dilma e Marina realizaram atos em Rio de Janeiro e São Paulo com intelectuais e artistas que as apoiam, o que não garantiu à temática um momento de protagonismo no debate eleitoral.

Dilma mais uma vez falou em utilizar recursos do pré-sal, mas sem definir um percentual que seria destinado para a cultura. Para a presidenta, é preciso retomar o programa Pontos de Cultura, que perdeu fôlego em sua gestão.

Marina falou apenas em ampliar investimentos no setor, mas não se comprometeu com valores. E Aécio quer aprimorar a Lei Rouanet e a Lei de Direitos Autorais, além de incrementar propostas já existentes, como fomentos para circulação de espetáculos e o fundo audiovisual.

Educação

Na educação também muito pouco foi visto além das reclamações sobre a situação educacional do país. O tema ficou fora dos debates e, quando evocado, ficou limitado à ampliação da educação em tempo integral e à destinação de recursos do pré-sal para o setor. No entanto, nenhum candidato apresentou propostas claras sobre o que fazer com o tempo a mais que crianças e adolescentes passariam nas escolas.

Na última semana, a presidenta Dilma falou em reformar o currículo do ensino médio, reduzindo matérias e deixando-o mais próximo da realidade dos jovens. Para ela, a meta agora é aplicar o Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado este ano.

Orlando Brito/Muda Brasil/Fotos PúblicasAécio
Aécio diz que vai melhorar a educação, mas sua principal proposta já é realidade no PNE

Aécio propõe ampliar as vagas, inclusive criando um programa de concessão de bolsas para alunos carentes em escolas particulares, e eliminar o ensino médio para adolescentes que não trabalham. Também propõe melhorar programas existentes, como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Universidade para Todos (Prouni), sem no entanto detalhar como o faria, e garantir investimento 7% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação, o que já está garantido pelo PNE.

Marina enfatiza a educação em tempo integral, com destaque também para o aumento do piso salarial dos profissionais e a implementação do acesso a computador com internet nas escolas.

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Mobilidade urbana

Centro das manifestações de junho de 2013, da qual alguns candidatos se consideram legítimos representantes, a mobilidade urbana não chega a ser protagonista das eleições de 2014, mesmo que no pano de fundo tenha sido a responsável por mudanças no quadro político que seguramente influenciam os resultados do atual pleito.

Marina herdou de Campos o compromisso pelo passe livre, calculado em R$ 12 bilhões anuais. No programa de governo, a candidata socialista defende o apoio federal para implementação de ao menos mil quilômetros de vias para veículos leves sobre trilhos (VLTs) e de corredores de ônibus em todas as cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes.

Avener Prado/Folhapresscorredores
Cidades têm investido em mobilidade urbana, mas de forma aleatória e sem integração de modais

Dilma enfatizou os R$ 143 bilhões empenhados em obras de mobilidade através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Embora seja o maior valor investido dos últimos 20 anos, a maior parte das obras ainda está em fase de projeto básico ou em construção.

As diretrizes de Aécio repetem propostas genéricas que, em grande parte, estão contempladas no modelo atual do PAC.

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Moradia

O Minha Casa, Minha Vida, criticado por organizações sociais, é uma unanimidade entre os presidenciáveis. Todos falam em melhorar e ampliar o programa. Menos o candidato tucano Aécio Neves, que não tem o tema habitação descrito em suas diretrizes programáticas.

A candidata do Psol, Luciana Genro, defende a exclusão das empreiteiras, executando 100% do programa na modalidade “Entidades”, em que movimentos e associações realizam o projeto, a execução e indicam a demanda populacional, mas mantém o Minha Casa, Minha Vida como parâmetro de sua proposta para habitação.

A presidenta Dilma anunciou durante a campanha que a terceira fase do programa irá contemplar a entidades com um maior montante de verbas. Hoje são 3,6 milhões de moradias entregues ou contratadas, e a promessa é de mais 3 milhões nos próximos quatro anos.

Apesar da implementação do programa, o déficit está estimado atualmente em 6 milhões de unidades habitacionais.

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Segurança pública

Um tema que manteve força durante toda a campanha foi a segurança pública. Em raros momentos os eleitores foram lembrados de que se trata de um tema de atribuição dos estados, e não do governo federal. No geral, candidatos à presidência defenderam maior integração entre as forças de segurança.

Nenhuma proposta foi feita no âmbito de um projeto de segurança orientado por ações sociais e cidadãs, como o Programa Nacional de Segurança Pública e Cidadania (Pronasci), criado em 2007, no segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e deixado de lado por Dilma, que passou a investir prioritariamente no controle das fronteiras.

Vagner Campos/Campanha Marina/Fotos PúblicasMarina
Sem proposta própria, Marina encampou o Pacto pela Vida, implementado em Pernambuco

Marina herdou de Campos a defesa da federalização do Pacto pela Vida, proposta integrada de segurança pública aplicada em Pernambuco na gestão dele. Um dos coordenadores da campanha socialista, Maurício Rands, defendeu, em debate no 8º Encontro do Fórum Nacional de Segurança Pública, as Parcerias Público-Privadas (PPP) em presídios, como forma de melhorar a gestão e humanizar o sistema carcerário.

Aécio também é um entusiasta do modelo e em sua gestão como governador de Minas Gerais implementou o primeiro presídio por PPP na cidade de Neves. No debate de ontem da TV Globo, único momento em que a situação carcerária entrou em discussão, ele enfatizou o modelo.

Por sua vez, Dilma garantiu que o sistema de segurança integrada que funcionou durante a Copa do Mundo, envolvendo as Forças Armadas, as polícias estaduais, as Guardas Civis e a Força Nacional, vai se tornar realidade do cotidiano nas grandes cidades, o que preocupa movimentos sociais, que veem nisso uma perspectiva maior de criminalização e repressão das lutas.

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Terras indígenas

Ponto fraco do governo Dilma, a demarcação de terras indígenas foi tratada de forma lateral nos debates eleitorais. A presidenta e a candidata Marina chegaram a receber lideranças, mas apenas ouviram demandas, sem apresentar propostas.

A maior preocupação dos indígenas segue sendo a demarcação, que teve ritmo lento na atual gestão. A Proposta de Emenda à Constituição 215, de 2000, tira das mãos do Executivo essa atribuição, repassando-a exclusivamente ao Congresso, onde a bancada ruralista tem controle sobre as votações.

Esta semana, Marina afirmou que não vai mexer no procedimento, mantendo o sistema atual, em que a Fundação Nacional do Índio (Funai) realiza os estudos, o Ministério da Justiça homologa e a presidência da República decreta a demarcação.

Dilma defende uma ampliação dos órgãos que atuam na avaliação do território a ser demarcado, que inclua, por exemplo, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), além de entidades privadas, mas sem transferir a atribuição ao Congresso.

Já Aécio encampa a proposta dos representantes do agronegócio. O candidato tucano já garantiu, em debate na Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que se eleito vai trabalhar por sua aprovação.

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Reforma agrária

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)de 2012, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem 29,4 milhões de pessoas vivendo na zona rural. Dessas, cerca de 400 mil aguardam ser assentadas através da reforma agrária, segundo estimativas dos movimentos sociais.

O tema só é tratado por Dilma em seu programa de governo para lembrar que, no governo petista, 771 mil famílias foram assentadas. Não há uma proposta concreta para os próximos quatro anos. Entre os meses de agosto e setembro deste ano, Dilma liberou 137 mil hectares de terra para assentamentos, mas segue ostentando recorde negativo do tema.

Saneamento

Vagner Campos/A2 Fotografia/Fotos Públicascantareira
Represa que compõe o sistema Cantareira em São Paulo, que opera com volume morto há três meses

Apesar da falta de chuvas que atinge vários estados brasileiros, mas principalmente São Paulo, onde a escassez aliada com a falta de ação do governo paulista levou aos mais baixos volumes das represas de que se tem notícia, o saneamento básico também não foi assunto entre os presidenciáveis, sendo tratado no máximo nos debates estaduais.

Nos últimos dez anos, o Brasil apresentou melhoras no sistema de fornecimento de água e coleta de esgotos, mas ainda apresenta problemas quanto à perda de água e o tratamento de esgotos. Em 2003, 75,4% das cidades brasileiras tinha sistemas de fornecimento de água tratada e 18,7% deles tinha coleta de esgotos. Hoje, os índices são de 82,7% e 48,3%, respectivamente.

As perdas de água tratada foram reduzidas em dez anos, mas o país ainda perde mais de um terço do que é produzido. O índice caiu de 39,4%, em 2003, para 35,6%, em 2012. Os dados são do sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, do Ministério das Cidades.

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