Direita e esquerda

‘As urnas deram um recado claro a ela’, diz sociólogo sobre Dilma

Para cientista político, após vitória apertada do PT, será necessário reforçar laços com movimentos para enfrentar nova direita brasileira, que surge a partir dos deputados neopentecostais

Divulgação

Dilma com representantes de movimentos sociais após reunião no Palácio do Planalto: mais diálogo no 2º mandato

São Paulo – Dilma Rousseff (PT) foi reeleita presidenta com uma vantagem apertada: desde a redemocratização, nunca houve diferença tão pequena em número de votos entre o candidato eleito e o adversário derrotado. Provavelmente, foi também uma das eleições mais divididas do ponto de vista ideológico: no campo do PSDB, como nas eleições anteriores e talvez com ainda mais peso, aglomeraram-se as forças políticas conservadoras; no campo petista, por outro lado, as esquerdas voltaram a unir-se, independentemente das críticas que permanecem aos governos petistas da parte dos coletivos que têm uma práxis mais radical.

É um momento de ruptura com o estilo de conciliação de interesses montado pelo governo Lula. As urnas a empurram para um outro lado”, resume o sociólogo e cientista social Rudá Ricci, que acredita que a presidenta deve pressionar até o próprio partido para relacionar-se mais com a sociedade, em contraposição a uma agenda conservadora que deve vir com força a partir de 2015.

Aécio saiu destruído, Minas Gerais disse ‘não’ a ele em todo o processo eleitoral. Tenho a impressão de que o PSDB sai vitorioso como liderança da oposição neste momento, até porque o DEM praticamente desapareceu, o PP fica numa posição muito dúbia, o Solidariedade, do Paulinho da Força, não temos muita clareza do que é”, afirma.Agora, nos próximos anos, vamos ver o crescimento de um cunho fundamentalista religioso, que vai ser mais perigoso do que o PSDB. Será uma direita sem dúvidas, e a liderança já formada, aí, é o Marco Feliciano”, aponta Ricci.

Para o cientista político, as bancadas religiosas já se estabeleceram como referência de valores conservadores, principalmente no que diz respeito à manutenção da família nos moldes tradicionais. A conversão integral à direita deve se dar, nos próximos anos, com a sobreposição desse discurso a uma posição de política econômica clara. “A família sempre foi presente para os pobres, hoje consumidores. É um porto seguro. Então, tudo que pode conspirar contra a ideia abstrata da família pode colocar em crise a segurança e a estabilidade dessas pessoas que não são mais pobres, ou que não passam mais fome. Há um segundo discurso, que casa com esse, que é religioso e envolve o trabalho: é a convicção de que ‘eu não tenho a vida que tenho por auxílio do governo, mas é porque eu sou honesto, tenho uma família e trabalho'”, explica.

Assim, cria-se uma contraposição religiosa entre a “teologia da prosperidade” pregada por igrejas neopentecostais, tese que concede à fé e à família todo o mérito pelo sucesso pessoal, e o papel do Estado como nivelador de oportunidades ou indutor de um contexto econômico favorável aos excluídos. “Esse público, que nasce do pobre que hoje está no mercado de consumo, será a primeira direita ideológica e convicta do Brasil. E é para esse embate que a presidenta tem de se preparar”, diz Ricci. “Está em gestação uma liderança que pode dar unidade intelectual à direita, a favor de uma ordem pública violenta e excludente.”

Ricci pondera que um dos pontos que mais afasta o PT dos movimentos sociais é, justamente, a posição em relação à segurança pública: ao longo dos últimos quatro anos e durante toda a campanha presidencial, o partido posicionou-se de forma ambígua ou abertamente conservadora sobre o tema, defendendo maior intervenção militar em comunidades carentes que têm problema com o crime, mais aparelhamento e treinamento de combate para militares. O sociólogo aponta para a violenta repressão policial aos protestos em junho de 2013 e durante a realização da Copa do Mundo nas manifestações de rua como ponto que impede aproximação mais produtiva entre o PT e as demais esquerdas. “Nós vimos um ministro, o Gilberto Carvalho (da Secretaria Especial da Presidência de República) que chamava as esquerdas para o diálogo. Outro, o José Eduardo Cardozo (da Justiça), batendo duro, legitimando a violência policial. A Dilma precisa escolher um lado e as urnas deram um recado claro a ela”, resume.

Acho que ela tem temas importantes para a agenda dos movimentos. Uma coisa que ela poderia fazer é abrir o debate da unificação das polícias e da cultura militarizada. Ela poderia abrir o debate, pesado, no Brasil inteiro. Acho que seria uma demonstração importante de diálogo”, sinaliza Ricci.

Durante a campanha, a presidenta indicou que pretende mudar a Constituição para que o governo federal passe a ter maior papel na gestão da segurança pública e coordene, de forma centralizada, a formação e a atuação de diversas forças policiais, mas não chegou a discutir um enfoque progressista para a segurança pública, como a desmilitarização das forças de segurança.

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