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Alckmin reeleito e Legislativo conservador devem ampliar lutas sociais

Movimentos e defensores de direitos humanos lamentam o aumento de bancadas evangélica e ruralista no Congresso, e prometem fazer contraponto com articulação e mobilização

Pedro Pinheirinhos/bonitoisso.blogspot

Violência contra a pobreza em favor da especulação imobiliária. Movimentos, como o de moradia, seguirão tratados como crime em SP

São Paulo – Movimentos sociais, defensores dos direitos humanos e vítimas da violência policial ainda estão digerindo a vitória esmagadora do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), reeleito no primeiro turno com 57,31% dos votos válidos, no último domingo (5). A composição mais conservadora da Assembleia Legislativa e do Congresso Nacional, com a saída de parlamentares ligados às lutas sociais e a entrada de políticos vinculados às bancadas evangélica, militar e ruralista, também frustrou organizações populares. Prevendo uma temporada de vacas magras no avanço de direitos sociais, militantes avaliam que apenas a mobilização pode evitar retrocessos.

“A resposta das urnas, depois de um período intenso de manifestações, foi muito dura”, afirma Benedito Barbosa, o Dito, advogado do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e representante de movimentos de moradia de São Paulo. Dito não lamenta tanto a derrota do candidato do PT ao governo do estado, Alexandre Padilha, que terminou em terceiro lugar, com 18,22% dos votos válidos. “O problema é tudo que vem junto com essa expressiva reeleição do Alckmin. Parece que a população está dando um cheque em branco para que a polícia continue reprimindo protestos e matando jovens na periferia”, acredita. “É um governo que não dialoga. E vai continuar assim.”

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Dito foi agredido e preso pela PM em 25 de junho, quando atuava como advogado dos sem-teto que sofriam uma reintegração de posse num imóvel abandonado na Rua Aurora, centro da capital. “É o que acontece diariamente, sem ninguém saber.” Outra vítima de violência policial, o fotógrafo Sérgio Silva perdeu o olho esquerdo após ser atingido por uma bala de borracha na manifestação de 13 de junho de 2013. “Você ouve pessoas falando em mudança, e depois se depara com essa reeleição de Alckmin”, lamenta, dizendo-se confuso com o sucesso do tucano nas urnas paulistas. “Tudo que eu e tantas pessoas sofremos sequer serviu para sensibilizar a população.”

Dados da Secretaria de Segurança Pública apontam que, entre 2011 e 2013, no terceiro governo Alckmin, pelo menos 1.175 pessoas foram mortas por policiais em serviço. De janeiro a junho de 2014, já foram 434. Em seu segundo mandato, entre 2003 e 2006, os agentes de segurança tiraram a vida de ao menos 2.210 pessoas. Durante a campanha, PMs desalojaram violentamente cerca de 800 sem-teto que ocupavam há seis meses um edifício abandonado há dez anos na Avenida São João, centro da capital. Uma semana depois, um policial executou um camelô na Lapa, zona oeste, à luz do dia, diante de dezenas de câmeras e cerca de cem testemunhas. Está em liberdade.

Diretor-adjunto da ONG Conectas Direitos Humanos, Marcos Fuchs contesta a eficácia da “mão dura” alardeada nos discursos de Alckmin. “O número de roubos, furtos, homicídios e latrocínios cresceu. Ainda assim, 57% votaram pela continuidade”, sublinha. “A questão da segurança pública, que sempre foi essencial em São Paulo, parece não afetá-lo. Mesmo com resultados ruins, Alckmin teve o aval para seguir com essa polícia truculenta – apesar de não estar funcionando.” Fuchs lembra que o discurso da “tolerância zero” funciona tanto entre os paulistas que policiais como Paulo Telhada (PSDB) e Coronel Camilo (PSD), vereadores na capital, acabaram garantindo vaga na Assembleia Legislativa.

Para Frei David, da organização Educafro, a vitória do tucano não foi tão esmagadora como os números sugerem. “Ele foi eleito com 12,2 milhões de votos. No entanto, tivemos 10,5 milhões de brancos, nulos e abstenções. Se somarmos esse total com os eleitores de Alexandre Padilha (PT) e Paulo Skaf (PMDB), veremos que, na verdade, a maioria dos paulistas não apoia Alckmin”, analisa. Por isso, Frei David acredita que os movimentos sociais devem estar mobilizados desde o primeiro dia do próximo governo. “Já no início temos que colocar nossas pautas com vigor e determinação. Com Legislativo conservador, o que mais vai valer será nossa articulação.”

Paulo Lopes/Futura Press/Folhapress
Alckmin ganhou nos bairros da periferia de São Paulo, entre eles Capão Redondo (44,85% dos votos) e Capela do Socorro (46,41%)

O diagnóstico é compartilhado por Josué Rocha, membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). “Será uma temporada difícil para as lutas sociais, mas a resposta passa pela mobilização.” Segundo Josué, os sem-teto contavam com a possibilidade de um segundo turno.

“Seria uma maneira de mostrar a insatisfação da grande parte da população com as políticas tucanas”, anota, pontuando algumas das razões que levaram à vitória do governador. “Os grandes meios de comunicação se recusam a divulgar os problemas da gestão, como a excessiva violência policial. Isso impede que a maior parte da população saiba como foram os quatro anos do governo.”

Nesse sentido, Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Independente Mães de Maio, que reúne familiares dos jovens assassinados pela polícia em maio de 2006, lamenta que o candidato do PSDB tenha obtido vitórias inclusive nos bairros mais pobres da capital. “Sabemos que o estado de São Paulo é de classe media e que a periferia não tem direito de gritar, porque quando grita a bala come”, pontua. Mas é vergonhosa a votação do Alckmin na periferia, que apoiou esse sistema fascista. É um retrocesso. Faltaram aulas públicas sobre política nas ruas.”

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alckmin venceu a disputa contra Padilha e Skaf em distritos da periferia de São Paulo, como Brasilândia (45,12% dos votos), na zona norte; Campo Limpo (46,41%), Capão Redondo (44,85%), Capela do Socorro (46,41%), na zona sul; e São Mateus (38,05%), Ermelino Matarazzo (46,41%), Itaim Paulista (38,97%) e Itaquera (44,81%), no extremo leste da capital. O tucano também bateu seus adversários em todos os municípios do estado, coma exceção de Hortolândia, na região de Campinas, que preferiu Padilha.

Contudo, Débora não debita os resultados eleitorais desfavoráveis apenas às preferências conservadoras dos paulistas. Para ela, faltou diálogo da presidenta Dilma Rousseff (PT) com as organizações populares. “Faz três anos que pedimos e nunca fomos atendidas, só no nível dos ministérios. É isso que acontece quando se dá as costas para os movimentos sociais”, disse. “Faltou espaço para olharmos no olho da presidenta. Esperamos que seja reeleita, mas queremos compromisso com movimento social – e não só para o desenvolvimento econômico do país. Queremos o país avançando também pela valorização da vida.”

“Há preconceito contra candidaturas de esquerda, mas partidos como o PT precisam estar mais perto das lutas populares em vez de enfrentar Alckmin apenas nas eleições. Se não, o conservadorismo vai continuar avançando em São Paulo”, sustenta Dito, advogado do Centro Gaspar Garcia.

No Congresso

De acordo com o analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a “burocratização” de siglas outrora mais identificadas com a luta social pesou para o resultado eleitoral. “Isso permite que políticos populistas apresentem pautas vazias, como combate à violência e defesa da família, e se elejam sem grandes dificuldades.”

Ao contabilizar os resultados do último domingo (5), o Diap concluiu que, nos próximos quatro anos, teremos o Congresso Nacional mais conservador desde a redemocratização. “Os partidos de esquerda e centro-esquerda perderam ao menos 60 cadeiras para os partidos de direita e centro-direita, que emplacaram parlamentares ainda mais conservadores: houve um reforço na bancada evangélica e da segurança”, explica Queiroz. “E o grupo de políticos identificados com os direitos humanos e com os trabalhadores foi reduzido.”

O analista lembra que deputados federais como Nilmário Miranda (PT-MG), Domingos Dutra (Solidariedade-MA) e Iriny Lopes (PT-ES), historicamente ligados aos movimentos sociais e aos direitos das minorias, como religiões afro e homossexuais, não conseguiram renovar seus mandatos. Com o mesmo perfil, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) também foi reprovado pelas urnas após 24 anos de serviços à Casa, dando lugar ao tucano José Serra. “Ao menos Erica Kokay (PT-DF) e Jean Wyllys (Psol-RJ) conseguiram reeleger-se.”

De acordo com o Diap, que está concluindo seus levantamentos, a bancada evangélica aumentou de 78 para 82 parlamentares. Na ruralista, ligada ao agronegócio, já foram identificados 125 deputados – atualmente, são 160. “Mas o número deve crescer”, preveem os analistas. A bancada da segurança, formada por militares e policiais, terá 23 representantes. E a empresarial, que hoje tem 246, por enquanto possui 190 na contagem do Diap. Os políticos identificados com o mundo sindical, em princípio identificados com a defesa dos interesses dos trabalhadores, caíram de 83 para 47 parlamentares.

“Um congresso mais conservador, com bancada ruralista fortalecida, é uma triste noticia, não apenas para questões referentes à reforma agrária, mas para os avanços de outros direitos sociais, que podem ser retirados da pauta”, lamenta a coordenadora nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Débora Nunes. “Isso é resultado da forma como funciona nosso sistema político, com a injeção de recursos privados nas campanhas. As grandes empresas elegeram candidatos para estar a serviço do modelo mais lucrativo, que não é o anseio da sociedade.”

Débora reforça, no entanto, que o contraponto ao conservadorismo se dará pela mobilização. “A possibilidade de reverter esse quadro é organização da luta social. É o povo na rua”, propõe. Estamos com disposição para fazer isso já no começo da nova legislatura, para que todos os direitos sejam mantidos e para que os avanços necessários sejam debatidos no Congresso Nacional.”