segundo turno

Qual candidatura defenderá os empregos e os salários?

Economista Marcio Pochmann analisa os dois modelos econômicos em disputa: o neoliberal, de Aécio Neves, e o desenvolvimentista nacional, da presidenta Dilma

Eduardo Aigner/MDS

Criação de empregos e aumento real de salário são principais ferramentas de redução das desigualdades

São Paulo – Com base nas gestões tucanas e petistas no governo federal, Marcio Pochmann, professor de economia da Unicamp e presidente da Fundação Perseu Abramo, analisa os dois modelos econômicos em disputa na eleição presidencial do próximo domingo (26): o neoliberal, subordinado ao capital financeiro internacional (representado pelos Estados Unidos), que promoveu desemprego e arrocho salarial, perpetuando a histórica desigualdade social do país; e o desenvolvimentista nacional, que distribuiu a renda, criou mais de 20 milhões de empregos, criou programas sociais e combateu a fome e a miséria.

Nesta entrevista ao Jornal Brasil Atual,Pochmann também comenta o receituário prático do PT e do PSDB frente aos períodos de crise econômica internacional vividos por ambos e as perspectivas da gestão econômica, do combate à inflação e da retomada do crescimento para Dilma Rousseff ou Aécio Neves no Palácio do Planalto em 2015.


Quais as principais diferenças entre os dois modelos econômicos em disputa no segundo turno da eleição presidencial, com base nos governos anteriores do PT e do PSDB?

A eleição presidencial de 2014 vai desempatar dois projetos de Brasil bem distintos. A eleição do presidente Collor, em 1989, abriu um período de 12 anos (dos quais, oito anos foram conduzidos pelo tucano de Fernando Henrique Cardoso) de um projeto de Brasil bem diferente daquele que nós observamos nos últimos 12 anos, que se iniciou com a eleição do presidente Lula, em 2002.

No primeiro período, nós tivemos a consagração de um projeto de país que era para uma parcela da sociedade, privilegiado por uma estabilidade monetária, que teve como principal custo o desemprego e a manutenção das enormes desigualdades entre diferentes segmentos da sociedade nas regiões brasileiras.

De certa maneira, foi a continuidade de uma herança histórica em que o Brasil existente não cabia nesse projeto, que era para apenas dois terços da sociedade brasileira. Foi uma parte da história em que o Brasil se subordinou ao protagonismo do capital financeiro em uma aliança com os Estados Unidos.

Com a eleição do presidente Lula, em 2002, o que podemos verificar nos últimos 12 anos é um projeto de desenvolvimento nacional, cuja principal marca é um Brasil para todos, na medida em que o enfrentamento da exclusão social nos permitiu reduzir o desemprego, seja pela elevação do nível de emprego, pela ampliação dos salários na economia nacional ou pela ampliação das políticas públicas. Nós passamos a ter um quadro em que os pobres melhoravam de vida concomitantemente com a melhoria dos segmentos médios e ricos do país.

O pleno emprego é um tema recorrente da campanha presidencial. O PT reivindica essa conquista, referendada por diversas instituições, enquanto o PSDB diz se tratar de uma falácia. Qual é a sua análise desse quadro?

De desemprego a candidatura do Aécio Neves conhece muito bem. Ao final dos anos 1980, o Brasil era o 13º país em número de desempregados, com uma taxa ao redor de 2,7% da força de trabalho. No ano 2000, o Brasil passou a ser o terceiro país do mundo em número de desempregados, chegando a 15%. Perdíamos apenas para a China e para a Índia, que são países muito mais populosos. Foi um período de forte ampliação do desemprego, de enfraquecimento do movimento sindical e de queda continuada na participação dos salários na economia nacional.

Já no período de 2003 pra cá, tivemos uma queda na taxa do desemprego. Foi uma redução importante porque se conseguiu elevar em mais de 20 milhões o número de empregos criados.

Houve inversão de prioridades na medida em que os governos do presidente Lula e da presidenta Dilma passaram a ter como propósito distribuir a renda para a economia poder crescer, o que era absolutamente inimaginável até então, porque as medidas econômicas dos governos anteriores pressupunham que era primeiro preciso crescer para depois distribuir. E a experiência acumulada até então era de que, quando a economia conseguia crescer, não havia a repartição desses frutos. A redistribuição da renda nos últimos anos elevou o nível de consumo e atraiu investimentos.

Também tivemos a possibilidade de enfrentar o desemprego com o poder de os mais jovens chegarem mais tarde ao mercado de trabalho, especialmente os segmentos mais pauperizados da população, pelas condições criadas no sistema educacional, que passou pela expansão da oferta do ensino médio, do ensino universitário e dos programas de transferência de renda. Isso nos ajudou a evitar uma situação do passado, em que os pais eram muito pobres e não tinham condições de dar sustento aos seus filhos, que entravam muito cedo no mercado de trabalho, despreparados, ocupando as piores vagas oferecidas.

Os dois modelos econômicos enfrentaram períodos de crises internacionais e ambos tiveram formas distintas de combatê-las. Qual é a sua avaliação?

Essa é uma boa oportunidade de avaliar a atuação desses dois projetos de país. No primeiro modelo, o projeto neoliberal, na segunda metade dos anos 1990, embora a crise até tenha sido muito menor do que a crise econômica de 2008 (que ainda estamos vivendo), ela afetava o Brasil e terminava sendo aprofundada aqui.

O governo brasileiro, em vez de reagir à crise, terminava favorecendo o seu alastramento, pois as medidas tomadas, como a elevação da taxa de juros, os cortes de gastos públicos, a redução dos investimentos, o não aumento do salário mínimo, a não correção dos salários do setor público, terminavam fazendo com que os mais pobres, os trabalhadores pagassem a conta.

Essas medidas terminavam por enxugar ainda mais a economia, que se contaminava por força externa. Dizia-se que quando os Estados Unidos tossiam, o Brasil pegava uma pneumonia, e justamente aprofundava a própria crise.

Em 2008, o marcante é que o Brasil não aceitou mais esse receituário e reagiu de forma muito contundente e exitosa. O Brasil reduziu a taxa de juros, aumentou o gasto público, elevou o salário mínimo, ampliou o investimento, fortaleceu os bancos públicos. Tudo isso permitiu que o país passasse quase incólume à crise iniciada em 2008, evitando que os mais pobres fossem os mais prejudicados. Tanto é que o Brasil segue reduzindo a desigualdade e a pobreza, o que não se verifica na maior parte do mundo atualmente, apesar de a crise internacional iniciada em 2008 não ter sido resolvida totalmente até hoje.

Qual é o cenário que Dilma Rousseff ou Aécio Neves vão encontrar a partir de 2015?

A gente tem que olhar para os anos da presidenta Dilma como anos de preparação para o salto do Brasil em relação ao seu investimento. Nós tivemos um crescimento ao longo dos anos 2000 fundado na expansão externa da economia e no mercado interno, que foi muito importante. Mas não era o suficiente se o Brasil não viesse a melhorar as condições para que o investimento ampliasse a capacidade produtiva do país. Por isso foi necessário fazer mudanças importantes, que ocorreram de 2011 até agora.

Hoje, o Brasil está preparado para crescer. Há dificuldade para crescer em 2014 porque é um ano eleitoral em que há dois projetos em disputa: um diz que o país está quebrado, que a inflação está descontrolada, que as finanças públicas estão muito ruins.

O diagnóstico da oposição, de que o Brasil está completamente desorganizado, propõe que seja necessário fazer um ajuste fiscal, aumentar a tributação, reduzir os gastos, elevar os juros, liberar os preços administrados. Tudo isso aponta para um cenário de recessão de fato em 2015, de redução dos salários, de redução do consumo. De tal forma que o empresário dificilmente toma uma decisão de investimento, que envolve um longo prazo até viabilizar seu empreendimento.

É a nossa sétima eleição desde a redemocratização e, como eu disse no início da entrevista, é a eleição que vai desempatar qual  projeto de país vai comandar nos próximos quatro anos: o projeto dos 12 anos que se iniciou com o Collor, em 1990, e eu chamo de “A era dos Fernandos”; ou esse projeto que se inicia com o presidente Lula e possivelmente terá continuidade com a presidenta Dilma, que requer considerar o Brasil em outra magnitude. Um país que reconhece os problemas e faz o enfrentamento de forma gradual na economia.

A inflação está na borda superior da meta, mas é possível trazê-la para a meta. Isso leva algum tempo. Não se abandonou o combate a inflação, só o que não se deseja fazer é utilizar instrumentos que terminem comprometendo a economia do ponto de vista do seu dinamismo, dos empregos e dos salários. Em vez de enfrentar a inflação como se fosse um choque, é preciso enfrentá-la de forma gradual.

E nós vamos ter o ano de 2015 muito positivo, pois já teremos a possibilidade de resolver os problemas da balança comercial, que dependem, por exemplo, da importação de combustível, com a conclusão da refinaria de Pernambuco. E com maior maturação de uma série de investimentos e estruturas que foram tomados neste período.

Passando o processo eleitoral, o Brasil estará preparado para crescer, conduzindo a política econômica de forma gradual e instrumental. O Brasil dará esse salto que nos permitirá chegar a 2020 entre as cinco economias mais ricas do mundo, tendo resolvido problemas que se arrastam por séculos, como a questão da desigualdade e da miséria.