VITÓRIA DE SARTORI

PT precisa se reinventar no Rio Grande do Sul, diz cientista político

Para Benedito Tadeu César, derrota de Tarso Genro nas eleições gaúchas é fruto de falhas em não cumprir promessas da campanha anterior. Estado mantém tradição de não reeleger governadores

Caco Argemi / UPPRS

Para analista político, Tarso Genro acabou desgastado por promessas de campanha não cumpridas e aliança da direita em torno do PMDB

São Paulo – Com a vitória de José Ivo Sartori no Rio Grande do Sul, o PMDB volta a comandar o estado. A última vez que a legenda esteve à frente do Palácio Pirarini foi no governo de Germano Rigotto (2003-2007). No pleito de 2014, o ex-prefeito de Caxias teve 61,21% da preferência dos eleitores (3.859.611 dos votos válidos), ante 38,79% (2.445.664 de votos válidos) de Tarso Genro, do PT. Assim, os gaúchos seguem a tradição de não reeleger governadores. O cientista político Benedito Tadeu César avalia que o PT precisa se reinventar no estado

“O que a gente tem aqui é um estado que é dividido politicamente há mais de um século”, diz o professor aposentado da Universidade Federal gaúcha (UFRGS). Ele avalia que essa divisão atual está explicitada dentro do trabalhismo, que tem no PT seu principal representante no Rio Grande do Sul – mas quando o PMDB consegue se articular com coesão, torna-se um adversário difícil de ser batido nas urnas.

Para o analista, o governo de Tarso Genro, que teve início em 2011, “não entusiasmou” e pecou por “não ter constituído uma marca de governo”, mas principalmente sofreu desgaste por falhar na promessa de renegociar a dívida pública com a União e um piso salarial para os professores.

Quanto ao futuro do governador gaúcho derrotado, Benedito Tadeu César avalia que ele tem chances de assumir um cargo ministerial no governo da presidenta reeleita, Dilma Rousseff, mas alerta que o PT precisa passa por uma reestruturação. “Eu acho que todo o PT e seus quadros políticos vão precisar repensar não só sua vida pessoal, mas a atuação política do próprio partido, que precisa se reinventar.”

Confira a íntegra da entrevista.

Desde a instituição da reeleição para cargos majoritários, os eleitores do Rio Grande do Sul jamais deram um segundo mandato consecutivo para um governador. Esse dado é parte de uma tradição política gaúcha?

O que a gente tem aqui é um estado que é dividido politicamente há mais de um século. Desde a República Velha, nós temos uma concepção entre uma visão mais estatista, que vê o estado como promotor do desenvolvimento e de políticas sociais, e uma posição antiestatista, federalista, e que estava muito associada às oligarquias rurais do Rio Grande do Sul. Isso atravessou todo o final do Segundo Império e a República Velha. Depois, isso continua no governo Getúlio Vargas, com o trabalhismo e o antitrabalhismo. E mais tarde, no período democrático após a ditadura, isso se reconstitui aqui com uma divisão interna dos trabalhistas. Fica uma parte com o PMDB, uma com o PDT e outra com o PT. E tem uma disputa nesse campo. Durante um tempo, o PT foi hegemônico, deixando o PDT para trás.

E como é esse PMDB gaúcho?

Tem um bloco do PMDB que oscila do centro para a direita. E quando esse bloco se junta com (o restante da) direita, ele se torna imbatível. Se você pegar desde 1998, a gente tem a repetição desse quadro no estado, quando o (Antonio) Britto perde a eleição para Olívio (Dutra) por uma diferença muito pequena. Ele perde a eleição quando ele abandona o PMDB, abandona o centro e tende para a direita. E por que se diz aqui que na última hora que se decide o primeiro turno? Porque quando as pessoas percebem que aquele candidato que possa se contrapor ao trabalhismo – ou no caso atual ao petismo –, o voto migra muito rapidamente para um lado e para o outro. O PP é muito forte aqui, é uma coisa inédita no país, que tem aqui o maior número de prefeituras no estado. Ele administra os menores municípios. Quando se juntam o PP e PMDB, eles se tornam imbatíveis. Enquanto o PT e a esquerda têm uma dificuldade histórica de se reunir. O PT tem uma tradição hegemonista aqui e acaba afastando potenciais aliados.

O PMDB gaúcho é diferente do nacional?

O PMDB é um partido também dividido aqui. Então quando ele se une internamente e se junta à direita, aí não tem como. Há um folclore aqui, ele gosta de fazer esta distinção (de que ele é diferente do PMDB nacional). O (Eliseu) Padilha foi o articulador do governo Fernando Henrique depois foi articulador da Dilma. Então, o PMDB gaúcho tem a mesma postura aqui de ser sempre governo. Mas por que aqui ele não segue a tendência nacional? Porque aqui está disputando o mesmo espaço. O setor do partido à esquerda não consegue hegemonizar com o PT, o setor de direita não faz qualquer aproximação com o PT, então a tendência para que o PMDB se mantenha unido é ele sempre tender à direita. Uma parte desse centro do PMDB é herança do trabalhismo, mas esse centro oscila. Uma boa parte do PMDB está na centro-direita e uma parcela minoritária está no centro com um laivo de esquerda, como o Pedro Simon e o próprio Sartori, que era do PCB na juventude. Mas ele fez uma trajetória de centro e centro-direita, embora ele não goste de admitir isso, mas é óbvio. Os grupos que ele se liga no partido é uma maioria de centro-direita.

E isso se torna um fiel de balança eleitoral…

E por que tem essa coisa de que ninguém é reeleito? Porque depende de como é que esse bloco do PMDB se articula. Quando esse bloco consegue ser hegemônico, o PMDB ganha. Quando ele não consegue se unificar, ele acaba pendendo para um dos lados e quase sempre ele tende à direita e aí ele integra o governo, ele não deixa de ser governo. A não ser nos dois governos do PT, ele sempre foi governo aqui. Você não reelege a figura do governador, mas os únicos momentos em que trocou de bloco político no poder aqui foram quando o PT foi ao governo.

Quais foram os erros do governo Tarso Genro?

O governo Tarso não entusiasmou. Ele passou todos os quatro anos tendo uma avaliação regular. O primeiro erro (do governo Tarso) é não ter constituído uma marca de governo. Ele tentou atuar em muitas áreas ao mesmo tempo, ele fez muita coisa, mas ele não construiu uma marca. Ele abriu dois flancos que me parecem muitos importantes. Um foi ter se comprometido com o sindicato dos professores daqui de pagar o piso salarial sem mexer no plano de carreira. Em um estado quebrado, como é o Rio Grande do Sul, não tinha como fazer isso. E o Tarso apostava na possibilidade de alterar o índice de reajuste do piso, e aí ele teria condição de pagar. Só que isso não se concretizou. Se ele pagasse o piso, ele quebraria o caixa do estado. Acontece que ele assinou um compromisso com o sindicato dos professores na campanha anterior de que ele pagaria isso. E o sindicato fez oposição durante todo o governo dele. Isso contribuiu enormemente para desgastá-lo. Uma professora em um pequeno município tem uma influência de opinião muito grande, e aí ele perdeu esse apoio. Além disso, ele não renegociou a dívida do estado, que é muito grande, compromete 13% do orçamento do estado. E ele prometeu, fez toda a campanha dele na eleição passada, quando ele se elegeu pela primeira vez, em cima do alinhamento dele no Rio Grande do Sul e da Dilma lá em Brasília, então seria renegociada a dívida. Mas ele não conseguiu renegociar. E tem ainda a questão dos pedágios, que foram instituídos no governo Antonio Britto (PMDB, 1995-1998). E a campanha do PT naquela época, contra os pedágios, foi importante para que o PT ganhasse às eleições (de 1998, com Olívio Dutra). O governo Olívio não consegue acabar com os pedágios, porque havia contratos a se cumprir. Esse contratos venceram agora no governo do Tarso. E o que ele fez? Ele não renovou os contratos, mas criou uma empresa pública para administrar as rodovias. E essa empresa recém-construída, descapitalizada, não conseguiu dar manutenção necessária às estradas. Então, se retirou o pedágio privado, mas não manteve a qualidade das estradas. Então, essas coisas todas foram se somando e isso foi explorado durante a campanha eleitoral.

Essa derrota de Tarso Genro reduz suas chances como um forte presidenciável para os próximos anos? Qual é seu futuro político?

Com a vitória da Dilma, ele muito provavelmente terá um lugar em um ministério do novo governo. Ele pode ser (um presidenciável). Agora, há resistências a ele dentro do PT, eu não sei como as coisas vão progredir dentro do PT. (Mas) o PT tem que se repensar, qualquer que seja o resultado. Eu acho que todo o PT e seus quadros políticos vão precisar repensar não só sua vida pessoal, mas a atuação política do próprio partido, que precisa se reinventar.