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Onde os tucanos não têm vez: em Hortolândia, política na rua muda a eleição

Único município onde Alckmin não venceu, chamada de 'cidade-dormitório' no passado, Hortolândia melhora índices sem depender do governo do estado

Prefeito de Hortolândia, Antonio Meira, realiza consulta junto à população sobre rumos do governo municipal

São Paulo – Em ato com a militância paulista do PT na noite de ontem (9), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva listou os nomes das cidades que já foram ou são governadas pelo partido no estado para enfatizar que, apesar da reeleição do governador Geraldo Alckmin (PSDB) no primeiro turno, com 57% dos votos, em São Paulo “tem muito petista, sim”. Hortolândia é a prova: a cidade, a 110 quilômetros da capital, foi a única a dar vitória ao petista Alexandre Padilha, que ficou à frente de Paulo Skaf (PMDB) e Alckmin. O fato deu ao prefeito Antonio Meira lugar de destaque nos palanques, desde que saíram os resultados do primeiro turno das eleições, realizado no último domingo (5).

Enquanto cientistas políticos tentam decifrar como Alckmin mantém-se firme como primeira opção do eleitorado paulista apesar dos problemas graves de gestão, a explicação para o sucesso petista em Hortolândia é simples para as lideranças locais. “É rua, rua e rua”, resume a deputada estadual Ana Perugini (PT), eleita deputada federal com a preferência de 50 mil dos 140 mil eleitores da cidade. “Faço reuniões todos os dias. Não gosto de cavalete, de campanha no meio da rua, carro de som. Prefiro campanha nas casas, com muitas reuniões, com um período maior de diálogo com as pessoas”, afirma.

Segundo Ana Perugini, a tradição de montar rodas de diálogo com a população remonta à história da própria cidade, construída paralelamente ao PT e a movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – que, em 1985, fundou ali um dos primeiros assentamentos, o Assentamento 2.

Hortolândia é um município jovem, que surgiu como distrito da cidade vizinha Sumaré, onde, a partir dos anos 1970, diversas famílias de operários, muitos vindos de outros estados ou de outras cidades paulistas, chegaram com o objetivo de buscar emprego nas indústrias da região de Campinas. A emancipação veio em 1991, quando a cidade ainda era vista como “dormitório” e a estrutura para os moradores era pouca. “Naquele período, tínhamos muita ‘fartura’: ‘fartava’ tudo. Faltava água, luz, transporte público, escola, e, por isso, nos organizamos em torno das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) para mudar isso”, conta Ana.

Formada quase inteiramente por trabalhadores, sem uma classe média tradicional, e uma elite local pequena, a cidade foi construída coletivamente, uma conquista por vez. “Foi uma trajetória de lutas da cidade em que nunca nada foi dado de presente. Eu acredito que isso seja muito importante nesse processo de construção, porque, de lá para cá, não mudamos nossa prática”, avalia a deputada, para quem o “grande crime” da mídia tradicional é criar ojeriza à política.

“As transformações acontecem pela política e não pela negação da política. Existe uma campanha permanente contra a política, e, durante a campanha, nós tivemos um período muito curto para defender os processos democráticos. Deveríamos ter mais tempo de campanha para poder fazer o diálogo”, reclama a deputada.

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Deputada Ana Perugini durante reunião com comunidade de Hortolândia

Educação política

O diálogo político permanente com a população é uma das diretrizes elencadas pelo prefeito Antonio Meira como diferencial da gestão municipal de Hortolândia: quando o PT assumiu o governo pela primeira vez, em 2004, com Ângelo Perugini, deu início à aplicação do Orçamento Participativo, programa de consulta popular que colhe sugestões da população para a definição do orçamento anual da prefeitura. A partir da eleição de Meira, a administração municipal buscou um novo modelo e substituiu o OP pelo Prefeitura na Comunidade, caravana do primeiro escalão do governo municipal que vai aos bairros da cidade quinzenalmente coletar sugestões e reclamações. Eventualmente, ajuda a explicar o funcionamento do poder público.

“Duas vezes por mês, toda a equipe de secretariado vai aos bairros para atender às demandas da população. Preferimos esse modelo porque o Orçamento Participativo tradicional é apenas anual, envolvia menos as pessoas”, conta Meira. “E então, enquanto você discute os serviços da prefeitura, explica também o que é responsabilidade do governo federal e do governo estadual. Mães vêm reclamar quando seus filhos chegam ao ensino médio e eu tenho de dizer que, apesar do apoio que a prefeitura dá, esse serviço é do governo estadual”, avalia Meira, sobre os motivos pelos quais a população de Hortolândia é mais inclinada a reprovar o governo do PSDB.

“O governo do estado tem sido inerte em nossa cidade. Na questão da segurança pública, por exemplo. Se o município parar de pagar o aluguel das delegacias, vamos perder quatro postos, entre civis e militares. A prefeitura paga aluguel, água, luz, telefone e fornece funcionários. Tenho de fazer, inclusive, uma homenagem a esses homens que se expõem e arriscam suas vidas para salvar as nossas, com uma estrutura totalmente inadequada, uma viatura sem condições”, lamenta o prefeito.

Contam a favor da administração na cidade, ainda, os resultados da última década: redução do desemprego de 17% para 2% com atração de empresas de alta tecnologia, elevação da coleta de esgoto de zero para 85%, além de parcerias importantes com o governo federal, como a construção de 3 mil moradias populares pelo Minha Casa, Minha Vida, obras visíveis na entrada da cidade. “Se a população sabe as responsabilidades dos governos, pode comparar gestões”, pontua o prefeito.

O investimento mais visível do governo do PSDB na cidade, embora este seja parceiro do projeto do Minha Casa, Minha Vida, é o complexo que soma uma penitenciária e três Centros de Detenção Provisória (CDPs), com capacidade para 5,3 mil detentos. A cadeia foi inaugurada em 1986, quando a cidade ainda era distrito de Sumaré, mas os três CDPs foram entregues em 2003, já na gestão de Alckmin.

Investimento em cultura

O atendimento gradual às demandas mais concretas dos moradores de Hortolândia abriu espaço para outro fronte, normalmente negligenciado pelos governos: a cultura. O município é um dos mais ativos em parcerias com o Ministério da Cultura e um dos poucos no estado a contar com um Plano Municipal de Cultura. “A Secretaria de Cultura foi criada em 2011, desmembrada da antiga Secretaria de Esporte, Cultura e Lazer. Essa secretaria havia sido criada em 2008. Antes disso, havia apenas uma diretoria de cultura na Secretaria de Educação”, conta Patrícia Banhara, diretora municipal de Cultura.

A partir de consultas populares ao longo de 2012, o município firmou metas para os próximos dez anos na área cultural em lei aprovada na Câmara Municipal, com garantia de orçamento mínimo de 1% destinado à pasta. “São diretrizes que não estão em uma planilha de Excel, mas em lei. Mesmo que houvesse mudança de governo, estaria garantido o investimento. Nós sabemos como a área da cultura é a primeira a receber cortes quando muda uma administração”, analisa Patrícia.

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Jovens de Hortolândia fazem grafiti em biblioteca como parte de oficina cultural

O orçamento total da Secretaria de Cultura, incluídos salários de funcionários, é de R$ 7,8 milhões anuais, de um total de R$ 68 milhões anuais – pouco mais de 10%. A principal ação municipal são os editais de credenciamento para artistas locais, que apresentam projetos para ministrar oficinas públicas.

Assim, a prefeitura busca remunerar a produção local e multiplicar as oportunidades para novos artistas. O próximo objetivo é conquistar reconhecimento de nível técnico aos diplomas de música oferecidos pela prefeitura.

Cultura não é pílula contra violência, para o jovem ficar longe das drogas. Você pode capacitar para a produção, gerar renda, estabelecer como profissão. E assim você incentiva a circulação cultural no município”, diz Patrícia. Com Pontos de Cultura ativos há três anos, a prefeitura aguarda o redesenho do programa Mais Cultura para apresentar projetos a novas unidades no município.

Com esse portfólio, Meira se diz “indignado” com as declarações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) sobre os “mais desqualificados” que votam no PT. “Vimos uma reação nas redes sociais lamentável. Naquele momento da apuração dos votos, quando só aqui venceu o PT, chamaram Hortolândia de Nordeste de São Paulo, com viés preconceituoso. Fiquei indignado. Nós somos uma cidade de todos e todas, formada, sim, por pessoas de todos os lugares. Esse é nosso maior valor”, afirmou.