Comparações

Satisfeito com resultado eleitoral, agronegócio ameaça conquistas no campo

Com Dilma ou Aécio, os ruralistas farão pressão no Congresso pela votação das bandeiras de interesse do setor. Bancada eleita é vitória de defensores da área

MemóriaEBC

Ruralistas querem transferir para o Legislativo a homologação de terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação.

São Paulo – O agronegócio brasileiro passou por grande transformação neste século, conquistando uma posição de destaque no cenário internacional e alçando o Brasil a condição de grande potência global do setor. Apontada como área mais dinâmica da economia brasileira, a agropecuária representa 23% do Produto Interno Bruto (PIB) e foi responsável por 41% das exportações do país em 2013, segundo a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA). O país é o maior produtor e exportador de café, açúcar, etanol de cana-de-açúcar, suco de laranja e carnes bovina e de frango. Também lidera o ranking das vendas externas do complexo soja (farelo, óleo e grão), é o segundo em exportações de milho, quarto em carne suína e quinto em algodão.

Esse poderio econômico se reflete logicamente na política nacional, onde representantes do agronegócio se fortaleceram significativamente no Congresso Nacional. Agora, em período eleitoral, nos discursos, agendas e alianças dos dois candidatos que permaneceram na corrida presidencial, Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB).

Essa influência também se manifesta nas doações de campanha, no pleito mais caro desde a redemocratização do país. Grandes corporações brasileiras do setor, como a Copersucar, a Cosan, a Cutrale, aparecem na lista das maiores doadoras. A JBS, líder mundial no processamento de carnes e dona das marcas Friboi e Seara, foi o grupo que mais contribuiu e um dos principais doadores das campanhas de Dilma e Aécio, que disputam neste domingo (26) quem ocupará a Presidência da República nos próximos quatro anos.

O agronegócio ainda é cobiçado pelos presidenciáveis pela capacidade de angariar votos, em especial nos municípios com até 100 mil habitantes, onde os prefeitos têm maior poder de influenciar eleitores nas campanhas. A maioria das prefeituras do país é do PMDB, legenda que está mais associada ao setor e a que possui o maior número de congressistas da chamada bancada ruralista.

Oficialmente conhecido como Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o grupo tem força para indicar nomes para o ministério da Agricultura e os presidentes das comissões de Agricultura e do Meio Ambiente da Câmara e da Comissão de Reforma Agrária do Senado. Para não restar dúvidas da força do agronegócio nas eleições, a principal porta-voz dos ruralistas na sociedade civil, a CNA promoveu, em agosto último, uma sabatina com os três principais candidatos durante a campanha do primeiro turno (além de Dilma e Aécio, foi ouvido Eduardo Campos). Na eleição presidencial de 2010, somente José Serra (PSDB) havia visitado a entidade.

A certeza de uma “vitória ruralista” nas eleições estava expressa em coluna da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), que preside a CNA e é tida como grande aliada da presidenta Dilma, no jornal Folha de S.Paulo, durante o primeiro turno. Segunda ela, o vencedor das urnas seria o agronegócio, qualquer que fosse o desfecho das eleições. E, de fato, o resultado para a bancada ruralista não poderia ter sido mais positivo. Segundo a FPA, seu núcleo deve passar de mais de 70 deputados federais, mas o grupo conseguirá angariar apoio de ao menos 270 congressistas na próxima legislatura.

Com esse fortalecimento, os ruralistas poderão levar adiante a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000, que transfere do Executivo para o Legislativo o poder de decisão sobre a restrição, a demarcação e a ampliação de terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação. O argumento dos ruralistas é de que o Congresso Nacional representa diversos segmentos da sociedade e, portanto, seria a instância mais adequada para debater a homologação das terras.

Para críticos do projeto, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), trata-se de uma grande ameaça aos direitos dos povos tradicionais brasileiros e um golpe contra a própria Constituição, já que inviabilizaria na prática o reconhecimento de novos territórios e abriria espaço para a revisão das áreas demarcadas.

No ano passado, um movimento organizado pela Frente Parlamentar da Agropecuária do Congresso bloquearam o tráfego em rodovias federais e estaduais para pressionar o governo federal a editar uma portaria com novas regras para o processo de demarcação de terras indígenas.

A frente do agronegócio tem também pressa em redefinir os conceitos do que é trabalho escravo, tipificado no Artigo 149 do Código Penal Brasileiro. Os ruralistas pretendem eliminar critérios de jornada exaustiva e trabalho degradante, que fizeram o Brasil ser reconhecido globalmente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como um país comprometido com o combate à escravidão contemporânea. A legislação atual sobre o assunto é também considerada de vanguarda pela relatoria especial da ONU para o tema.

Mesmo assim, os representantes do agronegócio no Congresso querem mudar a lei. “O que é condição degradante? É não ter um ar-condicionado em um dormitório, é a espuma do colchão não ter dez centímetros, é não ter água gelada? Em cada região do Brasil, isso muda. Não dá pra deixar ao bel-prazer de alguém enquadrar como trabalho escravo qualquer coisa porque isso vai prejudicar a produção brasileira, os trabalhadores brasileiros, a economia brasileira”, pontua o senador Romero Jucá (PMDB-RR), relator do projeto no Senado, que faz uma definição menos abrangente do que a prevista atualmente e pretende considerar que a escravidão existe nas relações de trabalho em que o empregado tem restringido o direito de locomoção, é envolvido pelo patrão em dívidas impagáveis ou é forçado a trabalhar por meio de agressões físicas e psicológicas, pelo isolamento geográfico ou por retenção de documentos.

Os ruralistas ainda trabalharão pelo afrouxamento dos processos de registro e reavaliação de agrotóxicos, com a adoção de processos de liberação mais ágeis e simplificados. O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do planeta. O mercado brasileiro movimentou US$ 9,7 bilhões em 2012, de acordo com o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag). Para os ruralistas, questões ideológicas fazem o Ibama e a Anvisa serem rigorosos na liberação e reavaliação desses produtos, por isso é necessário retirar a responsabilidade da Anvisa e Ibama. Para isso, a bancada do agronegócio pretende criar uma comissão técnica para analisar e registrar novos agrotóxicos, a CTNFito, que seria composta por 16 membros e com um prazo de até 90 dias (após a data da entrega do processo pelas empresas) para se posicionar em relação à aprovação ou não do registro de um determinado agrotóxico.

Vale lembrar que uma das maiores vitórias dos ruralistas se deu no governo Dilma, com a aprovação do novo Código Florestal que, mesmo com alguns vetos da presidenta, foi tido como de interesse dos latifundiários para não despertar a revolta da bancada.

Dilma ou Aécio, qualquer que seja o cenário para 2015, os ruralistas devem manter o poder de influência em votações de interesse do governo federal. Assim, pautas de cunho ambientalista devem ter grande dificuldade no Congresso, como o projeto de incentivo à conservação de florestas, pois significam confrontar os interesses do agronegócio, ou seja, da maior bancada do Congresso Nacional.

Bem alinhados

Para ganhar o apoio de Marina Silva, que concorreu à presidência pelo PSB, Aécio Neves comprometeu-se formalmente com a questão ambiental, em retomar a reforma agrária no país e em manter a prerrogativa do Executivo de demarcar terras indígenas.

Este último item vai exatamente de encontro daquilo que o próprio senador mineiro havia dito para a plateia ruralista na sabatina da CNA, em Brasília, no último mês de agosto, onde garantiu que a Fundação Nacional do Índio (Funai) perderá a hegemonia para demarcar terras indígenas caso seja eleito presidente da República, uma das principais demandas dos latifundiários. O tucano propôs incluir em lei as 19 condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2005, durante o julgamento que definiu a reserva Raposa Serra do Sol. Elas garantem o usufruto das terras pelos indígenas, mas com a possibilidade, desde que autorizada pelo Congresso e sem consulta à Funai, de exploração dos recursos hídricos e minérios da área pelo governo federal, acesso e instalação incondicional de unidades das Forças Armadas ao local.

Ainda no painel da CNA, Aécio Neves prometeu que dará tratamento diferenciado aos usineiros produtores de álcool e açúcar, e será rígido com ocupações de terra. “Fazendas invadidas não serão desapropriadas por dois anos”, afirmou Aécio, ao resgatar ideia de uma medida provisória baixada pelo ex-presidente Fernando Henrique no ano 2000. Também se comprometeu a apoiar uma lei de terceirização de trabalhadores e fazer a política externa orientada para o comércio. Todas essas são demandas da bancada ruralista.

Outra bandeira do tucano, se eleito, é a criação de “superministério” da Agricultura. “Criarei, no primeiro dia do governo, um superministério da Agricultura. Vou incluir a [Secretaria Especial de] Pesca novamente sob a alçada do Ministério da Agricultura para que a pasta possa discutir ações em igualdade de condições com a Fazenda e o Planejamento”, disse, na sabatina da CNA, o candidato tucano.

Já o programa de governo de Aécio para o setor, que teve coordenação de Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura no primeiro mandato do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, defende a “aprovação imediata” do marco regulatório da mineração, tema que é alvo de críticas de movimentos sociais e ambientais. “(O marco regulatório da mineração) irá conferir maior estabilidade ao setor, permitindo a expansão da indústria da mineração, importante item de nossa balança comercial”, diz o documento do candidato entregue ao TSE.

Em entrevista, o tucano afirmou que um novo marco regulatório atrairá investidores em infraestrutura. “O setor mineral, o governo promete há oito anos enviar ao Congresso e não o fez. Nós vamos resgatar as agências reguladoras como instrumentos da sociedade brasileira”, defendeu Aécio, em um encontro com profissionais da saúde na Associação dos Médicos de Brasília em agosto.

Outro tema que preocupa ambientalistas é o posicionamento favorável às patentes. “É fundamental garantir o respeito ao direito de propriedade sobre a patente, reprimindo o uso indevido dos diferentes produtos e processos (pirataria)”, sustenta o programa de Aécio, que defende a “criação de regras claras para o desenvolvimento, o uso e a multiplicação dos diferentes produtos e processos da biotecnologia” e a “promoção da melhoria do sistema brasileiro de patentes, não apenas para o caso da pesquisa na área de biotecnologia, conferindo-lhe mais agilidade.”

Pouco avanço

O programa de Dilma Rousseff é também vago na questão do campo e meio ambiente. Ele cita a importância da cooperação entre os governos federal, estaduais e municipais para criar um projeto nacional de desenvolvimento sustentável e inclusivo, e defende o estímulo a políticas que motivem o uso de energia limpa, reciclagem e veículos que emitem menos gases tóxicos. O documento reafirma o papel fundamental das populações tradicionais na preservação de regiões com importante presença de biodiversidade, mas não fala, em nenhum momento, sobre a demarcação de terras indígenas e territórios quilombolas.

Em quatro anos, o governo federal homologou apenas uma terra indígena, Kayabi (entre o Mato Grosso e o Pará), em 2013. As demarcações de terras ocorreram em um ritmo muito lento. De acordo com o Instituto Socioambiental, uma média de 506 mil hectares dessas áreas foram demarcados anualmente durante o governo Dilma (de um total de 2.025.406), contra 2,3 milhões de hectares por ano de Luiz Inácio Lula da Silva (ou 18.785.766 no total) e 5,1 milhões de Fernando Henrique Cardoso (41.226.902 no total).

Movimentos sociais denunciam a intensificação de conflitos de terra e violência contra povos e comunidades indígenas. Segundo dados do Cimi, foram 53 vítimas de 16 etnias diferentes assassinadas em 2013, sendo que 33 homicídios foram registrados no Mato Grosso do Sul, das etnias Guarani-Kaiowá e Terena, conhecidas nacionalmente por viver em beira de estradas e que lutam por demarcação de terras na região. Entre o período de 2003 a 2013, foram mortos 616 indígenas, sendo 349 casos no estado sul-mato-grossense.

O governo Dilma também é o que assentou menos famílias e demarcou menos terras desde a redemocratização do país. De acordo com dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em três anos de governo, a presidenta desapropriou 186 imóveis, num total de 342.503 hectares, incorporou 2.540.772 hectares à reforma agrária e assentou 75.335 famílias. Em oito anos de governo Lula, foram 48.291.182 hectares incorporadas, 1.987 imóveis, e 614.088 famílias assentadas. Já na gestão de FHC, foram 3.539 imóveis, 21.129.935 incorporadas e 540.704 famílias assentadas.

O governo federal alega que a prioridade desde 2011 é a “qualidade dos assentamentos”, ou seja, de fazer com que os assentados tenham acesso a um amplo programa de políticas de apoio à autossuficiência na agricultura familiar. Contudo há descontentamento com o governo Dilma. Embora apoie a reeleição da candidata do PT, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) criticou em diversos momentos a petista pela lentidão no processo de reforma agrária.

Por outro lado, a campanha petista exalta que o setor agropecuário brasileiro passou por intenso processo de crescimento econômico e social, com a expansão da produção, o aumento da renda e a redução das desigualdades sociais, graças ao aumento da disponibilidade de recursos, redução das taxas de juros e melhoria nas condições de acesso ao crédito e ao seguro rural.  Ainda destaca  o investimento em estradas, ferrovias e portos, o que reduz os custos dos fazendeiros. Criou-se o Moderfrota, programa de modernização da frota de tratores, o seguro-agrícola e a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), que apoia à assistência técnica voltada para os pequenos e médios produtores.

Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a produção de grãos saltou de 96 milhões de toneladas (safra 2001/2002) para 191 milhões de toneladas (2013/2014). Já o volume de crédito para o setor passou de R$ 27,6 bilhões da safra 2002/2003 (a última do governo Fernando Henrique Cardoso) para os R$ 156,1 bilhões do Plano Agrícola e Pecuário 2014/2015, o maior da história, e o juros passaram de 8,75% a 11,95%  para 4,5% e 6,25%.

Em 2013, a agricultura familiar respondeu por 33% do PIB da agropecuária brasileira e 10% do PIB nacional, além de garantir emprego para mais de 12 milhões de brasileiros (74% da mão de obra empregada no campo).

Na CNA, Dilma Rousseff comprometeu-se a incluir setores do agronegócio em um amplo diálogo – do qual participariam os governos federal e estaduais, Poder Judiciário e Ministério Público, órgãos públicos e representantes de etnias indígenas – sobre a demarcação de terras indígenas.

Em outros debates, a presidenta manifestou que a resolução de conflitos com indígenas contará com a presença de produtores rurais, preservando interesses de ambas as partes. Ao ser questionada sobre uma lei de terceirização trabalhista no campo, a petista disse que apoiaria uma discussão que inclua representantes dos trabalhadores.

Ao contrário de Aécio Neves e do então candidato Eduardo Campos (PSB), que também participou da sabatina, Dilma foi a única candidata a condenar o trabalho escravo. “Uma questão que preocupa é o trabalho escravo e estou certa de que todos produtores concordam que é uma chaga a ser exterminada de nosso país, inclusive para que os bons e sérios produtores não sejam discriminados pelos erros de uns poucos”, declarou a presidenta da República à ocasião.