Filosofia e política

Janine Ribeiro considera ‘inquietante’ relação de Aécio com extrema-direita

Para professor da USP, no passado, PSDB jamais permitiria aproximação de Fidelix e Everaldo. Apesar do voto em Dilma, pensador entende que Luciana e Eduardo Jorge tiveram relevância em debates morais

EFE/Carlos Villalba Racines

Aécio e Alckmin durante ato em São Paulo. Antigos líderes tucanos desaprovariam discurso atual

São Paulo – O cenário da disputa pela presidência da República, com a chegada de Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB) em empate técnico, na disputa por uma vaga no segundo turno contra a candidata à reeleição, Dilma Rousseff  (PT), é surpreendente. Para o professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo Renato Janine Ribeiro, o cenário estava desenhado com a atual presidenta e a ex-ministra do Meio Ambiente. “Para mim era certo que Aécio estava descartado. De modo geral, todo tipo de previsão feita nessa campanha deu errado”, diz. Para ele, não há como prever o resultado do pleito. “Está muito difícil saber o que vai acontecer.”

O filósofo não acredita em análises que veem Marina Silva de maneira maniqueísta. Ele enxerga tanto virtudes como contradições na substituta de Eduardo Campos na cabeça de chapa do PSB.

De outro lado, ele vê a presença de “candidatos de extrema direita no debate, o Pastor Everaldo (PSC) e Levy Fidelix” (PRTB), como um fato sobre o qual é preciso refletir. “É uma presença inquietante na medida em que eles fizeram uma aproximação com o candidato Aécio”, lembra. No debate da TV Globo, na quinta-feira, os dois nanicos, principalmente o pastor, fizeram “tabelinhas” com o tucano em ataques a Dilma.

“E eu esperaria que, ao contrário (de se aproximar deles), Aécio dissesse: ‘Não, eu não estou com vocês'”. Na opinião do filósofo, essa guinada à direita dos tucanos, que ocorre desde a candidatura de José Serra em 2010, não teria se dado com quadros mais tradicionais do partido. “Se fosse um Montoro, um Covas, uma Ruth Cardoso, ou mesmo um Fernando Henrique, não teria esse tipo de complacência.”

Renato Janine Ribeiro declara que vai votar em Dilma Rousseff, mas que acha importantes as candidaturas de Eduardo Jorge (PV) e Luciana Genro (Psol), num contexto histórico em que causas como a criminalização da homofobia não passam no Congresso e não contam com apoio decisivo no Palácio do Planalto. Apesar de querer ver a presidenta Dilma em um novo mandato, ele não poupa críticas, principalmente ao estilo centralizador da titular do posto mais alto da República.

Leia à entrevista, concedida à RBA por telefone.

O senhor esperava que na reta final Aécio Neves e Marina Silva chegassem disputando acirradamente a ida ao segundo turno?

Não, não esperava. Para mim era certo que Aécio estava descartado. De modo geral, todo tipo de previsão feita nessa campanha deu errado. Não só por causa da morte de Eduardo Campos, apesar de que a morte dele foi que deflagrou tudo isso. Se não, estaria tendo uma “final” entre Aécio e Dilma, e Eduardo estaria em terceiro lugar, talvez bem para trás.

Como avalia do ponto de vista político essa aparente divisão da direita ou de setores conservadores entre Aécio e Marina?

Marina sobretudo é muito difícil rotular. Ela tem coisas muito novas e coisas mais conservadoras. Mas realmente chegamos a uma série de indagações. Está muito difícil saber o que vai acontecer. Aécio é realmente bem o contrário da Dilma. O eleitor do Aécio está preocupado sobretudo com a economia, me parece. A questão que a gente vê do lado do Aécio é a preocupação com a dificuldade econômica do país. De outro lado, não é que eles sejam contra os programas sociais, é que acham que os programas sociais não vão acontecer se não tiver financiamento e para a economia ficar bem eles têm a receita tradicional, clássica, a receita da austeridade, da redução de investimentos públicos, de reduzir déficit orçamentário. Sempre são as posições de setores mais conservadores da política.

Do lado da Dilma o que nós temos é a priorização dos programas sociais. Então, a oposição tucana diz que o país está muito ruim, vai quebrar, é irresponsável, que o Brasil está péssimo. As pessoas não estão sentindo isso no bolso delas, que o Brasil esteja péssimo. O PIB está crescendo pouco, está havendo uma retomada da inflação, mas não há ainda uma percepção na sociedade de uma coisa tão agressiva economicamente. Isso tudo leva a uma divisão muito grande do ponto de vista político. Para uns, a situação está praticamente calamitosa, e para outros tem alguns problemas, mas de origem externa e seria fundamental preservar a classe trabalhadora, as classes mais pobres.

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Para professor, há pouca esperança de que Dilma mude estilo centralizador de governo

Quando Armínio Fraga, que Aécio anunciou como seu eventual ministro da Fazenda, diz que o salário mínimo está alto ou acena para políticas neoliberais, concretamente não ameaça conquistas do trabalhador especificamente?

Essa é a tese de quem é contra o Armínio, mas o que Armínio quis dizer não é que eles querem reduzir os salários, mas acha que a economia não sustenta aumentos reais de salário daqui para a frente. Eu não vejo no lado dos candidatos mais à direita nenhuma intenção deliberada de acabar com conquistas sociais. Eles têm uma série de propostas políticas que de fato podem colocar conquistas sociais em risco, sim. A ideia de flexibilizar o mercado de trabalho que aparece com a Marina, é claro que reduz os possibilidades de os assalariados negociarem. Mas é uma coisa que faz parte da ideia de que o próprio trabalhador vai ser prejudicado se a economia entrar em recessão (com a atual política do governo federal). Nesse sentido não acho necessário supor que o outro lado tem má-fé, que está querendo espoliar os trabalhadores.

Na política externa, o conservadorismo de Aécio, na sua opinião, não fica claro ao defender o esvaziamento do Mercosul e um realinhamento com os Estados Unidos?

Não sei se eles querem um alinhamento tão automático com os Estados Unidos, mas sem dúvida têm muito mais simpatia pela política americana do que o PT tem. Eu não tenho tanta simpatia pela política americana. Os Estados Unidos têm uma política externa com muitas falhas, são um país extremamente agressivo e nas agressões às vezes causam mais males do que bem, como no caso do Iraque. Tiraram um ditador horroroso mas deixaram o país totalmente desordenado.

De fato tem uma diferença grande em política internacional – e eu sou mais favorável à política externa do governo petista. Agora, o que me assusta é que chegamos nesse momento da campanha – sem saber se resolve domingo ou tem mais três semanas – e não temos a menor ideia de quem vai ser eleito. E a gente chega com um racha entre concepções de mundo muito grande. Até mesmo a presença dos candidatos de extrema direita no debate, o Pastor Everaldo e Levy Fidelix. É uma presença inquietante na medida em que eles fizeram uma aproximação com o candidato Aécio. Eu esperaria que, ao contrário, Aécio dissesse: “Não, eu não estou com vocês”. Se fosse um Montoro, um Covas, uma Ruth Cardoso, ou mesmo um Fernando Henrique, não teria esse tipo de complacência.

Nem para ganhar voto?

Não, não. Ruth Cardoso, por exemplo, jamais faria isso, Montoro seguramente jamais faria. Você nem sempre conquista voto agradando. Às vezes se conquista voto exercendo autoridade. Se você disser a quem faz uma coisa grosseira que você não admite isso, você pode perder o voto dele, mas em certas situações não tem outra opção. Desde que o PT entrou no governo até agosto deste ano, a única opção de quem era contra o PT era o PSDB.

Então o PSDB não precisava ter aceitado tanto o discurso conservador, reacionário etc. Podia ter sido mais fiel ao seu compromisso histórico com os direitos humanos. Mas ele foi abrindo esses espaços, em 2010 utilizou a questão do aborto contra a Dilma. Isso Ruth jamais aceitaria e Fernando Henrique condenou, criticou o Serra em 2010 por ele ter feito isso. Então você tem uma migração das lideranças disponíveis para a direita. E essa migração vem junto com a migração do eleitorado. Se o PSDB dissesse: “Vai haver casamento gay, aborto etc” a maioria dessas lideranças conservadoras iria aceitar, não teriam alternativa.

O senhor escreveu que Marina estava conquistando votos dos indecisos pegando um ponto nevrálgico que é a descrença no político, e que isso era um trunfo dela. Não é oportunista Marina usar essa “descrença” no político?

Não acho, porque é um dado real, existe uma descrença muito grande nos políticos brasileiros, que deixam muito a desejar. E é um problema sério, porque o PT no governo descuidou da questão ética. Quando o PT era oposição, ele era extremamente crítico do ponto de vista ético, e no governo não deu a mesma atenção. Então a sensação que muitas pessoas têm é que são todos iguais. E quando você ouve defensores do PT, defensores dos acusados na Ação Penal 470 dizendo “não dá para fazer política sem esse tipo de alianças, política tem que sujar as mãos”, eles estão justamente dando razão a quem acha que os políticos são todos parecidos. Nesse sentido eu acho que a Marina pegou um ponto nevrálgico e está fazendo uma crítica que o PT deu todo o espaço pra ela fazer.

Mas um dos pontos que desconstruíram a candidatura da Marina foi ter aparecido para o eleitor que, ao contrário do que diz, ela está muito longe da “nova política”.

O problema da Marina não é esse. O problema é o seguinte: o Aécio durante um ano foi bombardeado. A Dilma está sendo bombardeada há quase três anos. No primeiro ano foi poupada, desde o segundo ano está sendo bombardeada. Marina levou o bombardeio durante um mês e meio. Ela entrou muito poupada, livre, até imune, porque acusá-la era uma coisa feia, estava entrando no lugar de uma pessoa que morreu de forma trágica.

Ela teve uma série de benefícios, mas aí começa o que ocorre em toda campanha presidencial, uma desconstrução, um bombardeio. É o processo que o Brasil escolheu para as eleições e que eu acho saudável. Quando alguém concorre, essa pessoa tem que ser cobrada, e isso na eleição presidencial acontece numa proporção que não acontece nas eleições estaduais. O governador de São Paulo, por exemplo, está na eleição, e falta água! Domingo ele provavelmente deve ser reeleito, e terça-feira corta a água. Ele foi poupado de uma maneira extraordinária. Folha e Estadão até mostram os reservatórios vazios, mas não tem um bombardeio. Claro que se o governador fosse do PT o ataque seria muito maior.

Marina foi poupada até pelos adversários, com medo de perder seu eleitorado no segundo turno?

Foi isso mesmo, ela tem qualidades, contradições complicadas, mas, de qualquer forma, independentemente de ser nova ou velha política, você tem uma série de problemas na plataforma dela, contradições maiores do que de Aécio, tem dificuldade de saber qual a equipe. Aécio já disse até o nome do ministro da Fazenda dele. Dilma você conhece o ministério dela. No caso da Marina, você não sabe quem são. Não adianta ficar dizendo “vou chamar Serra e Suplicy”, porque quem disse que eles vão aceitar? Quem disse que eles trabalharão juntos? É muito difícil isso tudo.

Se Dilma ganhar, o senhor espera um governo com mais diálogo, diferente do primeiro mandato?

Eu sou meio pessimista. A Dilma é muito centralizadora, trata os próprios ministros de maneira muito dura e dá pouca autonomia a eles. Isso não funciona. O Lula sabia dar diretrizes mas não entrava nos detalhes. Por exemplo, quando o exame do Enem vazou, e o (então ministro da Educação) Fernando Haddad cancelou a prova três dias antes da realização, Haddad teve poder para fazer isso. Com a Dilma você não sabe. Talvez ele precisasse ligar para ela, pedir autorização… Estou dando um exemplo hipotético.

Mesmo os ministros dela com histórico brilhante, como Celso Amorim (hoje ministro da Defesa), um dos principais do Lula, no governo Dilma ficam apagados, você mal ouve falar. Não que a equipe ministerial de Aécio seja politicamente melhor, mas você tem pessoas de luz própria. Nesse caso, Dilma, de certa maneira, inibe a gestão. Ela tem dificuldade de lidar com a política. Não só no sentido de receber deputados, mas no sentido de falar com o povo. Eu sou favorável à vitória dela, declarei meu voto nela, mas acho que um segundo governo desse jeito vai ser muito precário.

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Processo de exposição de Marina a contradições é saudável, na visão de Janine, e garante melhoria da disputa eleitoral

O senhor declarou recentemente que, “apesar de pretender votar na Dilma, poderia também votar em Eduardo Jorge”.

No primeiro turno pode até ser. Eu acho que vou acabar votando na Dilma, quem eu quero que seja presidente é ela. No primeiro turno tenho certa dúvida porque acho que Eduardo Jorge e Luciana Genro representam um recado importante, de mais seriedade na política, de causas consistentes, do que uma presidente que cancelou o kit gay, não criminalizou a homofobia. Os direitos humanos eram um tema mais querido do Fernando Henrique do que são dela. Isso é complicado.

Mas no caso de Eduardo Jorge e Luciana Genro, eles sabem que não vão ganhar, não têm nada a perder. Não fica mais fácil para eles defenderem essas causas abertamente?

Claro, mas se a gente não tiver isso a campanha é um horror. Se os dois (Luciana Genro e Eduardo Jorge) não tiverem um número razoável de votos, é um horror.