Balanço

Creches, pré-escolas e ensino médio desafiam gestores em todo o país

A demanda por vagas no ensino infantil está longe de ser atendida e o colegial continua excludente e distante da necessidade da maioria dos jovens

Marcelo Justo/Folhapress

Índio tuiuca transcreve pesquisa em escola no Amazonas

São Paulo – Oferecer vagas suficientes em creches e pré-escolas é, sem dúvida, um dos principais gargalos da educação brasileira. Para alcançar a média de atendimento dos países desenvolvidos, gestores de todo o país têm pela frente um grande desafio, que se torna ainda mais urgente devido à importância desse nível de ensino. De acordo com especialistas, a etapa é determinante no sucesso escolar dos primeiros anos de estudo até a universidade.

Atualmente, apenas 23,5% das crianças brasileiras de até 3 anos de idade frequentam a creche, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do IBGE. Entre as crianças de 4 e 5 anos, 82,2% estão na pré-escola. Apesar da defasagem no acesso, a partir de 2016, a educação passará a ser obrigatória dos 4 aos 17 anos, conforme determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

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Ao todo, 82,2% das crianças de 4 e 5 anos estão na pré-escola, que passará a ser obrigatória a partir de 2016

Além disso, o Plano Nacional de Educação, sancionado no final de junho pela presidenta Dilma Rousseff, dá prazo de dez anos para que o poder público, especialmente as prefeituras, criem vagas em creches para, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos.

“A creche é um direito, mas não é obrigatória. É uma opção da família. As políticas caminharam no sentido de minimizar esse déficit: tivemos os programas de formação de professores e de ampliação da rede, embora saibamos que não tenham tido o alcance que gostaríamos”, avalia a integrante do comitê diretivo do Movimento Interforuns de Educação infantil, Mariete Félix Rosa. “Temos uma coisa bastante interessante neste governo, que é uma coordenação da educação infantil aberta a ouvir os movimentos sociais. Não acabou o déficit, mas minimizou. Não dá para a gente negar que houve avanços.”

Uma das estratégias do governo federal foi a criação do programa Brasil Carinhoso, que, articulado com o Pro-infância, ainda da gestão Lula, prevê verba para construção de escolas de educação infantil. De acordo com o Ministério da Educação, foram destinados recursos para 8.801, das quais 2.232 já foram entregues e 1.889 estão em obras. A pasta não informou, no entanto, qual seria a meta e quantas das creches haviam sido contratadas na gestão anterior. Em nota, o ministério informa que a meta era encerrar 2014 com pelo menos 6 mil creches contratadas.

Os dois programas funcionam de forma complementar: enquanto o Pró-infância repassa verba para que os municípios construam as escolas, dependendo do interesse das prefeituras e da demanda, o Brasil Carinhoso tem como meta criar condições para que as crianças, em especial as mais pobres, frequentem de fato as instituições, cujo custeio continua sendo dos municípios.

Para isso, o programa acrescenta 50% a mais no valor repassado, por criança, pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

Nessa estratégia interministerial, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) suplementa os repasses do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) conforme o número de crianças beneficiárias do Bolsa Família matriculadas.

Em 2012, foram investidos R$ 262,2 milhões nesse repasse. Em 2013, o valor saltou para R$ 571,9 milhões, chegando a R$ 766,2 milhões em 2014. Além disso, o órgão ampliou o valor dos repasses para merenda escolar, passando de R$ 0,60 por criança por dia em creches para R$ 1; e de R$ 0,30 para R$ 0,50 no ensino fundamental.

“Hoje, São Paulo, por exemplo, recebe em torno de R$ 4 mil por aluno da creche. Quando você adere ao Brasil Carinhoso recebe mais R$ 2 mil. Então, tem R$ 6 mil para custear aquela criança em creche”, explica a presidenta da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Cleuza Repulho. Só entre as famílias beneficiárias do Bolsa Família o número de matriculados em creches passou de 492,8 mil em 2012 para 581 mil em 2014, segundo o MDS.

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PNE prevê que em 10 anos no mínimo 50% das crianças de até 3 anos estejam em creches

No entanto, segundo Cleuza, o principal problema tem sido o atraso na entrega das unidades. “Assim que o projeto é aprovado, o município recebe parte do recurso para licitar e dar andamento à obra. O problema está na execução. A questão maior hoje está sendo as empreiteiras e  construtoras, que não dão conta do volume de obras que a educação está demandando”, afirma.

Além da expansão, outro desafio é a qualidade do serviço prestado, que depende de professores adequadamente formados: dos 2 milhões de docentes da educação básica, 369 mil trabalham na educação infantil, sendo que 48,1% possuem nível superior, 41,3% têm apenas nível médio e 10,7% são leigos. A LDB determina que, para lecionar na educação infantil, o professor tem de ter no mínimo formação em nível médio, no curso de magistério, quando o ideal seria graduação em nível superior, em curso de licenciatura.

“A prioridade deve ser a qualidade e uma infraestrutura que possibilite um bom atendimento. As crianças da educação infantil devem permanecer na escola em período integral. A gente tem percebido que as políticas caminham para outro lado, que é a expansão das vagas para atender mais gente, mas com a diminuição do tempo integral das crianças”, reivindica Mariete.

Ensino médio

Instrumento de valorização da cidadania e de preparação para o ensino superior, o ensino médio segue, entretanto, como etapa cheia de pontos a ser equacionados. Apesar de a legislação determinar a obrigatoriedade da frequência à escola até os 17 anos já a partir de 2016, atualmente apenas 84% dos jovens entre 15 e 17 anos estão matriculados. Desse contingente, apenas 40,3% o cursam de fato, já que 49,5% dos adolescentes ainda estão no ensino fundamental e 16% fora da escola. Estima-se que apenas metade dessa população excluída do colégio conseguiu um emprego.

Nos últimos anos, as matrículas têm permanecido praticamente inalteradas, com tendência a queda. Em 2013 caíram 0,6% em comparação com 2012, segundo o Censo da Educação Básica de 2013, passando de 8,37 milhões em 2012 para 8,31 milhões no ano passado.

Entre as explicações de especialistas está a opção pelo mercado de trabalho, principalmente entre os estudantes mais pobres. Eles deixam os estudos para ajudar na renda familiar, ingressando em postos de trabalho que, por não exigirem escolaridade, remuneram mal.

No Brasil, apenas 84% dos jovens entre 15 e 17 anos estão na escola. Deles, somente 40,3% frequentam o ensino médio

Outros até tentam prosseguir os estudos. Porém, devido às falhas estruturais do ensino fundamental, muitos terminam o ensino fundamental com pouco domínio da escrita e da leitura, encontrando dificuldades para acompanhar o currículo ainda enciclopédico, distante da sua realidade, desarticulado com o mundo do trabalho, com a universidade e com as demandas e necessidades dos jovens do século 21. Acabam então desistindo de estudar.

E entre os que ficam, nem todos conseguem avançar nos estudos e não são raros casos de reprovação. Conforme o Censo Escolar de 2012, a taxa de repetência chega a 30% principalmente no primeiro ano, o que contribui para a evasão que chega a 11%.

Pesa ainda o aspecto de classe. Enquanto para algumas parcelas da sociedade cursar o ensino médio é inerente ao seu projeto de vida, que inclui o preparo para a universidade, para a maioria ainda esse projeto é dissociado de sua realidade. Cobrados pelo mercado de trabalho, muitos voltam mais tarde, cursando turmas de suplência.

Na tentativa de enfrentar a evasão, melhorar a qualidade e universalizar o ensino médio, o governo federal lançou o em 2009 o Programa Ensino Médio Inovador (Proemi). A iniciativa consiste de redesenhar o currículo, possibilitando atividades que articulam trabalho, ciência, cultura e tecnologia a partir do acompanhamento pedagógico, iniciação científica e pesquisa, cultura corporal, cultura e artes, comunicação e uso de mídias, cultura digital, participação estudantil e leitura e letramento.

A meta do governo federal era chegar a 10 mil escolas até o final deste ano. No entanto, até agora pouco mais da metade (5.509) aderiram à iniciativa, que juntas atendem 4,9 milhões de estudantes. No primeiro semestre deste ano foram repassados R$ 42,22 milhões para estados e municípios implantarem o programa.

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Distante do interesse dos jovens, ensino médio é o principal gargalo da educação básica

Na avaliação da presidenta do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e secretária de Estado da Educação de Mato Grosso do Sul, Maria Nilene Badeca da Costa, o Proemi tem se mostrado fundamental na reestruturação curricular ao disseminar a cultura para o dinamismo e flexibilidade de um currículo que articule os conhecimentos das diferentes áreas e a realidade dos estudantes.

“As ações propostas inicialmente serão incorporadas gradativamente ao currículo, ampliando o tempo na escola, na perspectiva da educação integral e a diversidade de práticas pedagógicas de modo que estas, de fato, qualifiquem os currículos das escolas de ensino médio”, disse.

De acordo com ela, os 26 estados e o Distrito Federal já aderiram ao programa, e as 5,6 mil escolas estão recebendo apoio técnico e financeiro do MEC para desenvolver as atividades previstas.

A gestora destacou ainda o Proemi Jovem de Futuro, que envolve parceria público privada entre o MEC, secretarias de Educação do Ceará, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará e Piauí e o Instituto Unibanco, que permitirá, até 2016, universalizar o programa nas escolas públicas desses estados.

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Em novembro passado, o MEC lançou o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, para mobilizar governos estaduais a valorizar a formação continuada de professores e coordenadores pedagógicos do ensino médio público, nas áreas rurais e urbanas. Na ocasião, foi anunciada a criação de um portal com informações e materiais sobre o pacto, que ainda não está no ar.

Para o professor do Departamento de Educação da Unesp de Assis (SP), Carlos da Fonseca Brandão, os estados e a União têm falhado principalmente em relação às políticas, equivocadas, que se limitam a discutir currículo. “Se a educação como um todo funcionasse, os alunos tivessem todas as condições de aprendizado no ensino fundamental, em escolas equipadas adequadamente, com professores bem pagos e bem preparados, chegaria a um ensino médio igualmente estruturado e ali se manteria até o final do curso. O problema não é apenas o currículo, é o todo. Por isso, não adianta discutir currículo.”

Ensino fundamental

O Brasil já quase universalizou o ensino fundamental, com 94,4% das crianças de 7 a 14 anos matriculadas na escola. Além disso, conseguiu reduzir as distorções série-idade, fazendo com que a proporção de jovens na idade ideal para o ensino médio seja mais que o dobro da de 1995, segundo o 11° Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos, divulgado em janeiro pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Resta o desafio de garantir qualidade, que tem na educação em tempo integral o melhor caminho conforme especialistas e gestores. A proposta tem sido reforçada pela presidenta Dilma Rousseff, que criou o programa Mais Educação, para aumentar o número de escolas no país com atividades no contraturno.

A taxa de repetência no ensino médio 30% principalmente no primeiro ano. A taxa de evasão chega a 11%

O programa destina verbas do MEC para estados e municípios que ampliem o tempo de permanência das crianças na escola a no mínimo sete horas, com acompanhamento pedagógico, atividades optativas, educação ambiental, esporte e lazer, direitos humanos em educação, cultura e artes, cultura digital, promoção da saúde, comunicação e uso de mídias, investigação no campo das ciências da natureza e educação econômica.

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‘Empreiteiras e construtoras não dão conta do volume de obras que a educação está demandando’

O Plano Nacional de Educação prevê que nos próximos dez anos pelo menos metade das escolas públicas brasileiras passem a oferecer ensino em tempo integral. O governo Dilma planejava chegar a 60 mil escolas até o final de 2014. Até 27 de agosto, no entanto, o número de instituições participantes chegava a 49 mil, segundo o MEC. O processo segue em aberto recebendo adesões.

Das escolas participantes, pelo menos 31,7 mil têm a maioria de seus alunos beneficiários do Programa Bolsa Família. Ao todo, são 7 milhões de estudantes atendidos. Só no primeiro semestre de 2014 o governo federal repassou R$ 895,57 milhões para as escolas participantes.

“O maior problema é o custeio de tudo isso. Nós recebemos uma verba, mas ela não contempla todo o custeio do programa. Você manter os alunos mais tempo na escola custa porque precisa de mais alimentação, transporte e isso demanda investimento. A maioria dos municípios coloca recursos. O ninistério tem aumentado o número de escolas, mas para isso os municípios têm de fazer seu investimento”, avalia Cleuza Repulho, da Undime. “O positivo é que temos autonomia no projeto. Não é uma projeto engessado, cada município e cada escola adequa o programa à sua proposta pedagógica.”

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Transferência de renda e escolaridade

Ministério do Desenvolvimento Social ampliou repasses para merenda escolar

Indicadores da qualidade do ensino, as taxas de reprovação e evasão, que ainda são consideradas elevadas no conjunto das escolas brasileiras, são menores entre os bolsistas do programa Bolsa Família.

De acordo com o MDS, os índices de aprovação no ensino fundamental vem crescendo entre a população atendida, passando de 80,5% em 2008 para 85,2% em 2012. O percentual é maior que entre aqueles que não necessitam do programa. No Nordeste, no entanto, essa relação se inverte: 82,6% dos beneficiários do Bolsa Família são aprovados, ante 80,3% entre aqueles que não são.

Há sucesso também no ensino médio: entre os alunos bolsistas a taxa de aprovação é maior (79,7% contra 75,5%) e o abandono menor (7,4% contra 11,3%). Já a taxa de abandono é de 2,8% para os beneficiários do programa e de 3,2% entre os que não são beneficiários. No Nordeste, as taxas de abandono são de 3,8% entre beneficiários e de 7,3% entre os não participantes.

Para ter direito ao benefício, as famílias devem garantir que as crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos estejam matriculados na escola, com frequência mensal mínima de 85% da carga horária. Os estudantes entre 16 e 17 anos devem ter frequência de, no mínimo, 75%. Pelo menos 96% dos participantes cumprem a determinação.