Projeção

Em plano de governo, Aécio diz que política externa do Brasil foi superdimensionada

Projeto de candidato do PSDB à presidência diz que é preciso avaliar implicações negativas de inserção internacional maior, defende recuo do Mercosul a área de livre comércio e trata Brics como menção

Bruno Magalhães/Coligação Muda Brasil/Fotos Públicas

Entre a admissão de melhoria e as críticas à política externa “ideológica”, Aécio prega mudanças

São Paulo – O programa de governo do candidato do PSDB à Presidência da República, Aécio Neves, admite avanços na política externa ao longo dos últimos “vinte anos”, com melhor inserção do Brasil no cenário internacional e postura mais afirmativa nos fóruns de governança multilateral. Apesar de afirmar que é necessário que o país mantenha este comportamento, o plano lançado esta semana dá a entender que enxerga a nação com uma dimensão menor que aquela que almeja.

“A janela de oportunidade que representou o rápido crescimento da economia mundial nos anos 2000 levou a uma superestimativa do potencial brasileiro”, diz o programa, que critica “ações voluntaristas pouco características da tradicional diplomacia brasileira” e a abertura de novas embaixadas e consulados mundo afora.

Na mesma seara, ao listar prioridades, a campanha de Aécio considera que é fundamental “avaliar com profundidade as implicações de iniciativas de busca de um papel maior que nosso poder internacional permite, pois equívocos acabam dificultando a defesa dos nossos verdadeiros interesses”.

Para o núcleo tucano, o principal exemplo de erro é o acordo negociado por Luiz Inácio Lula da Silva em torno do programa nuclear iraniano. Em 2010, o então presidente conseguiu de Mahmoud Ahmadinejad um compromisso de uso do urânio para fins pacíficos e de permissão para realização de inspeções internacionais. Mas, à época, o acordo foi rechaçado pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, embora houvesse sido obtido exatamente sobre os pontos que havia elencado a Lula como prioritários.

Ao longo das seis páginas que tratam sobre política externa, a equipe de Aécio reconhece o papel do Brasil como ator importante, mas avalia que, para que isso se concretize, é preciso “corrigir” o rumo da diplomacia brasileira, retomando as linhas de “moderação e independência”, de modo que “a ação externa volte a atender prioritariamente aos interesses do Brasil na sua rota de desenvolvimento econômico e social, e não a objetivos baseados em afinidades ideológicas”.

Se há surpresa nas propostas de Aécio para as relações internacionais, o pouco espaço dado aos Estados Unidos é o que foge ao esperado. O programa apenas coloca a Casa Branca como um dos principais parceiros, ao lado da China, que merece mais considerações a respeito da importância de inspirar “especial empenho da diplomacia”.

Depois, ao resumir as prioridades de um eventual mandato de Aécio, o programa fala em firmar “novas estratégias” na relação com os Estados Unidos, dizendo, também, que é preciso reavaliar prioridades no cenário do século 21, “com peso crescente da Ásia”. Entre as linhas centrais do governo tucano estariam ainda a finalização do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia e a ideia de “revalorizar o Itamaraty”.

Os Brics, bloco econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul são citados apenas uma vez, de forma geral, em um parágrafo que defende que é preciso reforçar posições defendidas nos organismos multilaterais. Trata-se de uma mudança em relação à política externa empreendida por Dilma, que passou a dar centralidade aos Brics a partir do momento em que ficou ainda mais clara a dificuldade de reformar as instituições multilaterais tradicionais, como o sistema das Nações Unidas e o Fundo Monetário Internacional. O ápice nesse sentido foi o anúncio feito em julho deste ano da criação de um banco de investimentos unindo as cinco nações emergentes.

De resto, o programa de Aécio para a política externa retoma linhas que foram tratadas em 2006 por Geraldo Alckmin e em 2010 por José Serra. A leitura é de que o Itamaraty está sequestrado por interesses ideológicos que alinham o país a interesses obscuros, que escapam à ideia de usar as relações internacionais para melhorar a situação comercial do país. A campanha tucana declara apoiar a busca por um assento permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, ao mesmo tempo em que coloca esta ambição entre as linhas a ser corrigidas, ao lado da aproximação com os países africanos, julgando que o mais inteligente seria um alinhamento com as nações asiáticas.

Para os tucanos, segue sendo erro imperdoável a renegociação empreendida pelo governo de Evo Morales para que a Petrobras aumentasse o valor pago à Bolívia pela exploração de gás e petróleo.

A Venezuela está entre as questões recentes que merece mais crítica por parte da equipe do PSDB. A acusação é de que o Brasil atuou com “tibieza” frente à crise política envolvendo o governo de Nicolás Maduro. O programa não entra em detalhes neste aspecto, mas a posição histórica do partido é contrária aos governos chavistas.

Outra crítica no que diz respeito às relações com Caracas se dá no processo de entrada no Mercosul. Brasil, Argentina e Uruguai garantiram a entrada da Venezuela quando o Paraguai estava suspenso por haver descumprido a cláusula democrática do bloco devido à derrubada de Fernando Lugo. Sem o bloqueio do Legislativo paraguaio, único a se opor ao ingresso, o país caribenho passou a ser membro pleno do Mercosul em julho de 2012. Para a campanha de Aécio, trata-se de um episódio que mostra que o bloco privilegiou aspectos ideológicos.

De forma geral, a avaliação do PSDB é de que o ponto de partida da política externa para a região é o reexame das regras do Mercosul. “Do ponto de vista comercial, o Mercosul está isolado e desvalorizado, tendo assinado nos últimos anos poucos acordos de comércio, de significação muito limitada”, diz. “É preciso redirecionar os esforços do bloco para a abertura comercial e a busca de aumentar a competitividade de seus membros. Para tanto, poderá ser preciso considerar alternativas, como, por exemplo, a priorização do bloco como área de livre comércio.”

A postura marca uma diferença em relação ao começo de campanha, quando, em palestra em Porto Alegre, Aécio defendeu o fim do Mercosul. À época surgiram críticas de que a intenção do candidato do PSDB seria retomar a ideia de um alinhamento prioritário aos Estados Unidos, vigente durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Como presidente da Câmara, em 2001, Aécio organizou um seminário no qual advogava pela assinatura do Acordo de Livre Comércio entre as Américas (Alca), desejado pelo Departamento de Estado norte-americano.

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