ônus social

Sinalização de Aécio põe em risco políticas públicas para mulheres

Ao pregar a contenção de recursos, Aécio pode fechar órgão que custa apenas 0,009% do orçamento do Executivo. Gestoras afirmam que diluir ações em outros ministérios não ajudará a combater a desigualdade

Secom/ba

Por dia, pelo menos 15 mulheres morrem no Brasil vítimas de violência, segundo dados do Ipea

São Paulo – O candidato à presidência pelo PSDB, Aécio Neves, vacilou ontem (13), durante o debate da TV Bandeirantes, quando questionado pela presidenta Dilma Rousseff (PT) se manteria a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres caso eleito. O órgão foi criado em 2003 para executar ações de enfrentamento da violência e de promoção da igualdade de gênero. “O que eu tenho dito é que as políticas públicas dessa e de outras áreas não precisam ter a conduzi-las um carro preto com chapa verde e amarela, nem tampouco um conjunto de DAS (cargo de Direção e Assessoramento Superior)”, tangenciou.

Desde o começa da campanha, o candidato tucano tem proposto reduzir o número de ministérios no governo federal. Em uma entrevista coletiva em julho, chegou a afirmar que cortaria metade dos atuais 39 ministérios e que extinguiria pelo menos um terço dos cargos comissionados que existem hoje. Na ocasião, ele disse que reconhece que as áreas atendidas pelos órgãos são importantes, mas que precisam ser “desburocratizadas”.

Ele declarou, ainda, que pelo menos um terço dos ministérios pode ser extinto “imediatamente”, de modo a reduzir “o gigantismo do Estado” o que, em seu entendimento, melhoraria a gestão pública.

A RBA ouviu de uma fonte do Ministério do Planejamento que as nomeações em cargos em comissão de nível DAS-5 e DAS-6, os mais elevados, somam 948 cargos. “A maioria desses cargos é ocupada por servidores de carreira. E é uma bobagem imaginar que os servidores de carreira são todos petistas. Além disso, é importante lembrar que durante os governos de Fernando Henrique eram usados a torto e a direito a terceirização e os contratos internacionais (com o Pnud, por exemplo) para empregar protegidos”, revelou.

“Esse debate sobre extinção de órgãos a pretexto de economizar é indigente. Ideologia de quinta categoria. A promessa de cortar os cargos comissionados traria um impacto insignificante nos gastos públicos. Se todos os 6 mil não concursados em atividade fosse demitidos, a economia seria de apenas 0,4% na folha de pagamento do Executivo”, disse a fonte. “Os salários dos servidores não concursados demandam R$ 300 milhões por ano da União, enquanto o dos demais servidores civis ultrapassa os R$ 78 bilhões.”

Economia com política pública

Se a justificativa é economia, a proposta também é frágil: os gastos totais do Executivo com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres em 2014 são de R$ 217,2 milhões, o equivalente a apenas 0,009% da previsão de receita para o ano, de R$ 2,488 trilhões.

A ministra Eleonora Menicucci, da Secretaria de Políticas para Mulheres, criticou a postura do candidato. “A partir de um órgão institucionalizado, como é a secretaria, se coloca para os outros ministérios a perspectiva de gênero em todas as áreas, seja na educação, no trabalho ou na saúde. E é fundamental que se formule, implemente e monitore as políticas de gênero em nosso país. O enfrentamento à violência não seria possível se não existisse a secretaria, assim como o ataque a uma educação sexista e patriarcal”, afirmou.

“A existência de uma Secretaria de Política para Mulheres institucionalizada proporcionou, por exemplo, a documentação massiva das trabalhadoras rurais. Na saúde, em atuação com outros ministérios, proporcionou a queda da mortalidade materna. Impulsionou a PEC das trabalhadoras domésticas e incentivou a criação de organismos políticos para a garantia dos direitos das mulheres em estados e municípios, os chamados OPMs”, defendeu a ministra.

Entre 2004 e 2014 o número de Organismos de Políticas para as Mulheres (OPMs) nos estados saltou de 13 para 680. A rede especializada de atendimento à mulher passou de 331 serviços, em 2003, para 1.077 em 2013. Além disso, 63% das operações de microcrédito produtivo liberados pelo governo em 2013 foram para mulheres, em um total de R$ 5,7 bilhões. Ao todo, 87% dos proprietários de unidades habitacionais construídas pelo Minha Casa Minha Vida para a população de baixa renda são mulheres, segundo a Secretaria de Políticas para Mulheres.

“O avanço das políticas públicas para as mulheres desde o governo Lula, viabilizado por meio da institucionalização, é inequívoco em relação aos governos anteriores, quando as mulheres só contavam com conselhos. É por isso que é fundamental que mantenhamos este projeto, que inclui ainda as secretarias da Igualdade Racial e dos  Direitos Humanos”, afirmou a ministra.

Para a secretária municipal de Políticas para as Mulheres de São Paulo, Denise Motta Dau, a existência de uma Secretaria de Políticas para as Mulheres é uma escolha política de define um objetivo do gestor. “Se dentro da gestão pública não se tem espaço para articulação de ações nem orçamento próprio, as políticas ficam frágeis”, disse.

“Só aqui em São Paulo participamos de vários editais que a secretaria federal abriu, seja para a construção de serviços para o enfrentamento da violência, seja para fortalecer as cooperativas de mulheres”, afirma. Segundo explica a secretária, a secretaria nacional é um órgão articulador de políticas transversais e também executor, por proporcionar implantação de serviços. “Se você não tem espaço dentro da gestão pública para fomentar a superação da desigualdade essa superação demora muito mais a acontecer.”

Violência

Aécio chegou a ficar visivelmente tenso quando questionado pela presidenta Dilma sobre violência contra a mulher e deu um sorriso aliviado ao constatar que a pergunta se delineava para o campo das políticas públicas. Isso porque em 2009 o tucano, então governador de Minas Gerais, deu um empurrão e um tapa em sua acompanhante em uma festa da marca Calvin Klein, no Hotel Fasano, no Rio de Janeiro. O caso foi denunciado pelo jornalista Juca Kfouri.

“Eu tenho a convicção que nós temos como avançar muito no que diz respeito a proteção a mulher e a conquista de um salário mais justo para elas”, disse no debate. “Nós temos que avançar nos estados e municípios que não têm tido a estrutura necessária no enfrentamento da violência contra a mulher.”

“Candidato, eu estou falando de violência contra a mulher”, sublinhou. “Nós encaminhamos toda uma política de proteção à mulher vítima de violência. A Casa da Mulher Brasileira, que estamos construindo em todos os estados, unifica os órgãos de proteção às vítimas. No Bolsa Família e no Minha Casa Minha Vida priorizamos as mulheres. Elas também são maioria no Pronatec e na liderança de micro e pequenas empresas”, completou a candidata à reeleição.

A Casa da Mulher Brasileira faz parte do programa carro-chefe da Secretaria, chamado “Mulher, Viver Sem Violência”, que desde 2013 integra uma série de ações de proteção à mulher, com o trabalho conjunto dos governos federais, estaduais e municipais, além do Sistema de Justiça, Saúde e Educação. A iniciativa acolhe e abriga as vítimas de violência e oferece no mesmo espaço delegacias, juizados, promotoria, defensorias, equipes de atendimento psicossociais e orientação para emprego.

Além disso, o programa otimizou o funcionamento do canal de denúncias Ligue 180, equipou os hospitais de referência para coletar e armazenar vestígios de estupro, instalou centros de segurança binacionais nas fronteiras do Brasil para coibir o tráfico de mulheres, realizou campanhas de conscientização e criou unidades móveis de atendimento às vítimas de violência, montados em ônibus e barcos.

Por dia, pelo menos 15 mulheres morrem no Brasil vítimas de violência, segundo dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), divulgados em setembro. O país registra uma média de 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano. Mesmo com a Lei Maria da Penha, que pune com rigor os agressores, os dados mostram que não houve redução das taxas anuais de mortalidade de mulheres: entre 2001 e 2006, 5,28 de cada 100 mil mulheres morrem vítimas de violência; entre 2007 e 2011, após a vigência da legislação, a média passou para 5,22.

A região com o maior número de ocorrências foi o Nordeste, com 6,9 óbitos por 100 mil mulheres. Já a região Sul foi a que registrou menos mortes, com uma 5,08 a cada 100 mil mulheres. Os estados com as maiores taxas foram Espírito Santo (11,24), Bahia (9,08) e Alagoas (8,84) e os com as menores foram Piauí (2,71), Santa Catarina (3,28) e São Paulo (3,74).

Ao todo, 54% das vítimas tinham entre 20 e 39 anos e 61% eram negras. A maior parte das vítimas foi assassinada com armas de fogo (50%). Quase metade (48%) tinha no máximo até oito anos de estudo. Vale atentar que os dados levam em conta apenas as mortes e que a violência contra a mulher compreende também agressões verbais, abuso emocional e violência física e sexual, segundo o Ipea.

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