Comparações

Reforma política: Dilma defende consulta popular. Para Aécio, debate é só no Congresso

Candidata à reeleição retoma sugestão dada em junho do ano passado e incorpora reivindicação de movimentos sociais por financiamento público. Tucano sugere fim da reeleição e voto distrital misto

Valter Campanato/Agência Brasil

Após manifestações de junho de 2013, Dilma propôs a convocação de um plebiscito para decidir a criação ou não de uma Constituinte

A RBA apresenta ao longo das próximas duas semanas comparações entre as propostas de Dilma Rousseff, candidata do PT à reeleição, e Aécio Neves, postulante do PSDB ao Palácio do Planalto. Os textos trarão comparações entre os projetos para os próximos quatro anos e diferenças entre as realizações dos governos petistas, de 2003 a 2014, e tucanos, de 1995 a 2002.

São Paulo – Há quase duas décadas diversos segmentos da sociedade e políticos de matizes variadas têm se manifestado sobre a necessidade de se aplicar mudanças no sistema eleitoral e político brasileiro, consagrado pela Constituinte de 1988. Normalmente, o tema da reforma política é levantado nos momentos de crise de representatividade. A matéria entra na pauta dos congressistas, mas a maioria das propostas se torna objeto de polêmica e uns poucos itens recebem apreciação. Assim, o assunto se esfria e nada é modificado, até a detonação da próxima crise ou do novo escândalo nacional para resgatar o tema mais uma vez.

Esse ciclo tem se repetido nos governos de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e, agora, no de Dilma Rousseff. Durante seu primeiro mandato na presidência da República, FHC chegou a defender a reforma política, em especial quando via sua imagem e a do PSDB ser desgastada com a coligação com o então PFL (antiga Arena, atual DEM), que tinha à época em Antônio Carlos Magalhães a liderança mais influente e um dos maiores representantes do conservadorismo nacional.

Daquele período, o único resultado concreto de mudança no sistema eleitoral foi a emenda constitucional que estabeleceu a reeleição para os cargos de presidente da República, governador e prefeito, algo que era desejo do PSDB e do próprio FHC, que poderia concorrer a um segundo mandato presidencial consecutivo, em 1998.

O tucano também apoiou publicamente a proposta de convocação de uma constituinte restrita para discutir não somente a reforma política, mas também a tributária e a do Poder Judiciário. De autoria do então deputado federal Miro Teixeira (à época no PDT), o projeto propunha que as emendas seriam discutidas pelos congressistas e passaria por votação nas duas Casas, podendo ser depois submetido a um plebiscito.

A reforma política passou anos esquecida até ser recuperada no final do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, como resposta à crise do “mensalão”. Contudo, o presidente queria ir além da proposta de Miro Teixeira, defendendo que era preciso a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva para discutir o tema, ou seja, que a população votaria em representantes exclusivamente para o objetivo único de discutir e votar a reforma.

“Eu tenho dúvidas se o Congresso Nacional consegue aprovar uma reforma política que possa contentar os anseios da sociedade. Porque, normalmente, o Congresso pode votar uma reforma política atendendo aos interesses do próprio Congresso”, declarou à época o então presidente da República, que deixou claro que a iniciativa teria de partir da sociedade e que o governo seria só o indutor para levar o assunto ao Congresso Nacional. Passadas as eleições daquele ano, o assunto caiu novamente no esquecimento por falta de consenso sobre as regras.

Legado de junho

O tema foi resgatado somente pela presidenta Dilma Rousseff, como forma de atender aos anseios dos brasileiros que participaram das jornadas de junho de 2013, que levaram milhares de brasileiros e brasileiras às ruas em protesto. A proposta passaria também à realização da convocação de uma Constituinte exclusiva, que discutiria, entre outros pontos, formas de financiamento de campanha e sistema para a definição de candidaturas, e a votação em plebiscito. No entanto, o governo federal recuou da ideia de convocação da Constituinte após pressão de setores das classes jurídica (que alegam ilegalidade em uma Constituinte específica para um único tema) e política (congressistas que não desejam transferir a discussão para a população).

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Dilma tem apoio de movimentos sociais que realizaram plebiscito em prol da reforma política

Agora, a questão é defendida pelos dois candidatos à presidência da República que disputam o segundo turno destas eleições no próximo dia 26. Porém, a forma como a reforma será promovida divide os dois postulantes ao Planalto.

A reforma política foi um dos cinco pactos nacionais que Dilma havia proposto em junho de 2013, que ainda incluía responsabilidade fiscal, saúde, transporte e educação. A proposta contemplava a participação popular por meio de um debate sobre a convocação de um plebiscito para convocar ou não uma constituinte específica que debateria as novas regras do sistema político brasileiro.

Em campanha para um segundo mandato presidencial, Dilma reafirma a simpatia por uma abrangente reforma para resolver as distorções do sistema representativo que tenha, de alguma forma, a participação popular. “Para assegurá-la (a reforma), será imprescindível a participação popular, por meio de um plebiscito que defina a posição majoritária sobre os principais temas. Para nós, valores e representatividade são temas que, aliados ao combate sem tréguas à corrupção, devem fazer parte da urgente transformação do sistema político e eleitoral brasileiro. Sem dúvida, melhorar a representatividade política, aprimorar o sistema eleitoral, tornar a política mais transparente são as respostas mais evidentes que podemos dar a essa questão”, diz documento oficial da campanha da petista.

Uma das bandeiras da reforma política petista é o financiamento público das campanhas eleitorais. “Precisamos oxigenar o nosso sistema eleitoral, definindo regras claras de financiamento. O cidadão deve ter mecanismos de controle mais abrangentes sobre os seus representantes, bem como mais espaços para participar das decisões do governo em todos os níveis.”

O Brasil adota um sistema misto de financiamento de campanha, ou seja, os recursos públicos e privados são usados de forma combinada. A contribuição oriunda de recursos públicos vem do Fundo Partidário e da propaganda eleitoral obrigatória no rádio e na televisão. O primeiro financia as atividades dos partidos políticos que tenham estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, sendo que 95% dos fundos são distribuídos entre as legendas, proporcionalmente a quantidade de votos obtidos na última eleição a Câmara dos Deputados, e os outros 5% são divididos em partes iguais entre todos as 32 siglas reconhecidas pelo TSE.

Já o horário eleitoral obrigatório, muitas vezes chamado de “gratuito”, é bancado pela União, que renuncia a receber milhões em impostos para compensar as perdas com publicidade das empresas de rádio e televisão, que, por lei, são ressarcidas com o valor deduzido em imposto de renda correspondente a 80% do que receberiam caso vendessem o espaço para a publicidade comercial durante a transmissão da propaganda partidária e eleitoral.

Em relação ao financiamento empresarial, a legislação brasileira autoriza doações de pessoas físicas (até 10% dos rendimentos brutos apurados no ano anterior à doação) ou jurídicas (até 2% do faturamento bruto do ano anterior), além dos recursos pessoais do candidato.

Um dos problemas do financiamento privado é que ele torna a disputa eleitoral refém do poder econômico, exercido sem cerimônias por grandes empresas e corporações que apoiam determinados candidatos que, em troca de arrecadar recursos, ficam em débito com os financiadores, fomentando a corrupção política, já que financiar o candidato pode garantir um retorno futuro, seja por vantagens ilícitas, isenções tributárias, licitações, reinvestimentos e licenciamentos.

O financiamento público permitiria que o candidato não ficasse tão ligado aos favores de investidores privados e combateria de maneira eficaz a prática de “caixa dois” ou da “lavagem” de dinheiro nas campanhas, avalia o PT, duas medidas que reduziram a corrupção e dariam mais transparência.

A última vez em que a matéria, que há 15 anos é discutida pelos parlamentares sem que se chegue a um acordo que permita a votação, entrou em pauta foi dois meses antes das grandes manifestações populares de 2013. À época, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) viu seu relatório, que propunha o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais, a coincidência das eleições para todos os cargos e o voto opcional em lista fechada, ser enterrado por resistência da Comissão Especial de Reforma Política da Câmara Federal. “Não me venham dizer que isso é investimento na democracia”, protestou, em plenário, o deputado, reforçando que o poder financeiro desequilibra o processo eleitoral.

Em 2011, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que é candidato a vice-presidente da República na chapa de Aécio Neves, havia ajudado a enterrar a proposta de adoção do financiamento público exclusivo nas campanhas eleitorais. “Essa história de que o financiamento público é a complementação da chamada faxina é conversa mole pra boi dormir”, disse, na época.

O financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais está diretamente atrelado à proposta de adoção do sistema de listas fechadas, que apresenta ao eleitor uma ordem com os candidatos elegíveis ao pleito e, nesse caso, o cidadão votaria apenas na legenda partidária, e não em candidatos individuais.

‘Consenso parcial’

“O Brasil não pode mais adiar o desafio de debater, construir e realizar uma sólida reforma política. Os avanços que o país precisa e deseja acabam sufocados em geral pelo engessamento da atual política brasileira”, diz o programa de governo do candidato Aécio Neves, do PSDB, que, em um dos debates entre presidenciáveis no primeiro turno, classificou a reforma política de “a mãe de todas as reformas” – título no qual guarda semelhança com Dilma.

As três grandes bandeiras da pauta aecista são a implementação do voto distrital misto para as eleições proporcionais, o fim da reeleição para a maioria dos cargos majoritários e a unificação do período das eleições (gerais e municipais) e dos mandatos do Executivo e do Legislativo.

No caso do sistema distrital misto, a proposta é uma bandeira antiga do PSDB e de determinados segmentos políticos nacionais que fazem críticas ao princípio da proporcionalidade nas eleições legislativas (Câmara dos Deputados, assembleias legislativas e câmaras dos vereadores). No sistema atual, a eleição é feita com o voto nominal em lista aberta (escolhe-se um candidato ou uma legenda partidária) e as bancadas são distribuídas proporcionalmente ao número de votos de cada coligação ou partido. Se determinada coligação conseguir um quinto dos votos terá o mesmo um quinto das vagas legislativas, que são preenchidas pelos candidatos mais votados pela coligação, até o limite de número de cadeiras de cada bancada, no chamado quociente partidário.

Para críticos do voto proporcional, o sistema cria distanciamento entre eleitores e eleitos, já que o voto de um eleitor pode eleger outro candidato do partido ou da coligação. Pela proposta de campanha de Aécio, o sistema distrital misto dividirá o Brasil em distritos, com metade dos legisladores escolhidos pela maioria dos votos dos eleitores em distritos eleitorais. Por exemplo, no estado de São Paulo existem atualmente 70 vagas na Câmara dos Deputados. Em um sistema misto como o proposto pelo presidenciável tucano, o território seria dividido em 35 distritos eleitorais, sendo eleito o candidato mais bem votado em cada distrito, como ocorre em uma eleição majoritária. Já as outras 35 cadeiras seriam reservadas para a votação em lista definida pelo partido.

Contudo, quem é contra o voto distrital aponta que esse sistema contém “distorções”, como a de beneficiar os partidos com maior poder econômico, pois esses teriam grande vantagem em campanha contra candidatos de partidos menores. Além disso, os eleitores correriam risco de não votar em quem for eleito. Pelo sistema proporcional, quase todos os eleitores terminam elegendo alguém, exceto aqueles que votaram em um partido ou coligação que não satisfez o quociente eleitoral e não elegeu ninguém.

Outros pontos defendidos são o fim das coligações proporcionais nas eleições para deputado federal, estadual e vereador; redução do número de suplentes de dois para um no Senado; a cláusula de desempenho mínimo eleitoral, que diz que um partido deve ter um percentual mínimo de votos em uma quantidade determinada de estados para que acesse os benefícios partidários (representação na Câmara dos Deputados, indicação de líder de bancada, fundo partidário e tempo de TV), e mudança da regra para concessão de tempo de TV para propaganda eleitoral (em uma eleição majoritária, seriam computados os tempos de TV dos partidos que compõem a chapa, ou seja, do candidato e seu vice).

Aécio defende que as alterações nas regras eleitorais vigentes devem ser planejadas para entrar em vigor somente a partir da eleição de 2018 e se consolidem na eleição de 2022. Além disso, apregoa que será o Congresso Nacional o espaço de debate da reforma política, descartando a ideia de se convocar uma Constituinte exclusiva. “A reforma política não é uma decisão do presidente da República, mas ele tem um papel fundamental e estratégico para garantir que ela de fato ocorra”, diz o plano de governo do candidato.

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Aécio ao lado do aliado Álvaro Dias: na visão do PSDB, reforma política não é tema para consulta popular

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