Refluxo

Depois de ir às ruas em junho de 2013, jovens abandonam urnas e conservadores avançam

Para Maria do Socorro Sousa Braga, professora da pós-graduação em ciência política da Ufscar, eleitor mais imprevisível é o que ficou com Marina Silva até o fim da corrida eleitoral

Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr

Protestos originados com demandas progressistas se transformaram em rejeição à política

São Paulo – O resultado do primeiro turno das eleições gerais, em que a população votou para presidente, governador, senador e deputados federais e estaduais, surpreendeu políticos e analistas: com crescimento das forças conservadoras tanto na votação para os cargos no Executivo quanto para o Legislativo, ficou difícil reconhecer nas urnas a força das demandas progressistas que levaram centenas de milhares de pessoas às ruas a partir de junho do ano passado. Para a professora da pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos, Maria do Socorro Sousa Braga, a explicação pode estar no baixo número de jovens envolvidos nas eleições e no número alto de abstenções.

Para estas eleições, o número de jovens de 16 e 17 anos que emitiram título de eleitor caiu, e essa população teve quase metade dos representantes que teve nas eleições de 2010: foi de 2,3 milhões há quatro anos para 1,6 milhão na eleição de 2014. Além disso, as abstenções chegaram a 19,40%, índice que, de 2002 para cá, só é menor que o índice de abstenções no segundo turno de 2010, quando 21% deixaram de ir às urnas.

“Há um desinteresse muito grande pela política, pelos políticos. Os protestos do ano passado tinham demandas progressistas e até imaginávamos que muitos deles passassem a se envolver com partidos tradicionais, mas isso não ocorreu”, afirma a professora. A parcela desse público que compareceu às urnas, segundo a professora, tende a ter permanecido com Marina até o fim da disputa, diferentemente do eleitorado que migrou de volta para o PSDB na reta final da disputa. Maria do Socorro acredita que ainda não é possível prever onde está a preferência desse eleitor agora.

“Você teve uma ascensão muito forte da Marina em um momento em que ela se apresentava como a candidata com maior chance de vencer o PT. Nesse período, ela ganhou muitos eleitores que, naturalmente, são do PSDB, mas não sucumbiu à desconstrução de sua candidatura. Ela estava em uma posição frágil, defendendo um plano de governo ambíguo, mudando de ideia sobre os assuntos às vezes no mesmo dia”, resume a professora. “Então, aquele eleitorado voltou para o Aécio. E o eleitorado dela? Para onde vai? Imagino que, pelo discurso, ela deva manter uma posição neutra, o que deixa essa militância livre”, pondera.

Para a professora, o eleitorado de Marina mais ideológico pode optar pelo voto nulo, enquanto que uma segunda parcela, mais pragmática, diante da possibilidade de retorno do PSDB, deve preferir garantir o governo de coalizão encabeçado por um partido de centro-esquerda, o PT. A proporção em que isso deve ocorrer entre as duas alternativas dependerá de como o debate transcorrer ao longo do segundo turno.

O professor aposentado Nilson Lage, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, por meio das redes sociais, fez leitura similar: para ele, a dicotomia entre a cultura brasileira de aversão ao conflito e a superação de momentos de embate duro entre forças políticas provoca resultados mais negativos que positivos. “Historicamente, fomos criados acreditando na possibilidade de contemporizar e contornar contradições. Desenvolvemos todo um maneirismo, uma ambiguidade própria da nossa cultura, na qual os conflitos devem ser digeridos e superados pela via do convencimento e da autossugestão. No momento em que paradoxos são acentuados, os conflitos expostos e gritados, a reação é muito negativa. Isso me leva a crer que a justificativa para boa parte dos votos perdidos está, não em coisa alguma ligada à gestão do país, mas, sim, nos discursos sobre comportamentos e costumes associados, no imaginário público, ao partido do governo”, disse, sobre a queda de Dilma em relação a sua votação em 2010 e a ascensão de Aécio.

No Congresso, os resultados também foram ruins para forças de esquerda: PT e PCdoB, por exemplo, perderam 20% e 33% de suas bancadas na Câmara dos Deputados, enquanto o PSDB cresceu 25%. O PRB, que recebeu 1,5 milhão de votos apenas pela candidatura de Celso Russomanno, dobrou em número de deputados, chegando a vinte.

Maria do Socorro destaca que a principal linha de crítica que atinge os partidos governistas é a econômica: “Você tem uma construção muito insistente, na mídia, no discurso da oposição, em torno de problemas na gestão econômica, que inspiram, no eleitorado mais conservador, como o de São Paulo, a memória da gestão dos governos do PSDB”, analisa.

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