Rio de Janeiro

Crivella quer votos da esquerda e dos evangélicos no 2º turno

Depois inesperada ascensão no 1º turno, candidatura de senador do PRB surpreende com apoios que vão de Gartinho a de intelectuais progressistas, além de parte do PT que não vai de Pezão

Fernando Frazão/Agência Brasil/Fotos públicas

Senador Crivella (PRB) tende a se beneficiar dos que rechaçam aproximação de Pezão (PMDB) com Aécio

Rio de Janeiro – Candidato ao governo do Rio de Janeiro pelo PRB, o senador Marcelo Crivella surpreendeu duas vezes nestas eleições. A primeira, ao passar ao segundo turno com 20,26% dos votos para enfrentar o atual governador Luiz Fernando Pezão, do PMDB, deixando para trás os outrora favoritos Anthony Garotinho (PR) e Lindberg Farias (PT). A segunda surpresa vem acontecendo neste segundo turno, quando Crivella, que no início de sua carreira era repudiado pelos setores progressistas da política fluminense, conquistou uma série de apoios entre conhecidas figuras da esquerda regional e nacional.

Mas, quem é de fato Marcelo Crivella? Acusado de fundamentalista pela campanha adversária, que explora o fato de ele ser sobrinho de Edir Macedo e bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, Crivella é classificado pelos novos apoiadores como um político sério e progressista e um homem honrado. Apontado como inimigo do direito ao aborto e das causas LGBT, afirma que jamais misturou convicções religiosas com sua atuação como parlamentar e comprova isso com as posições assumidas, sempre ao lado do governo Dilma, durante as votações no Senado. Ao final da disputa eleitoral, a imagem que prevalecer do senador junto aos eleitores fluminenses determinará suas chances de chegar ao Palácio Guanabara.

A batalha de Crivella para ampliar a sua votação em todo o estado se dá em duas frentes. Uma é a conquista do voto evangélico, em sua maior parte destinado a Garotinho no primeiro turno. Outra é o convencimento do eleitorado que votou em Lindberg ou em Tarcísio Mota (Psol) de que o candidato do PRB é mesmo uma opção de centro-esquerda para acabar com a hegemonia do PMDB e do grupo liderado pelo ex-governador Sérgio Cabral no estado.

A conquista do eleitorado de esquerda começou ainda no primeiro turno, quando um grupo de intelectuais liderados pelo cientista político César Benjamin, o economista Carlos Lessa e o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães divulgou uma nota em apoio a Crivella: “Neste momento, três candidatos disputam, com chance de vitória, o governo de nosso estado. Deles, somente Marcelo Crivella pode afastar o crime organizado das instituições de governo e impedir que ele avance na sociedade. Não estamos diante de uma eleição qualquer, mas de uma bifurcação de caminhos”, diz o texto, que apresenta o senador como “um homem honrado” e “única possibilidade de mudança” no Rio de Janeiro.

No segundo turno, César Benjamin reafirmou seu voto no Facebook: “Estou sob fogo cerrado desde que revelei, ainda no primeiro turno, que votaria em Marcelo Crivella para o governo do estado. A principal acusação é de incoerência por aderir a esse ‘voto útil’. É o engano que desejo desfazer. Não defendo voto útil. Considero Crivella o melhor candidato. É uma afirmação chocante para gente que quebra lanças para combater preconceitos, mas não se libertou deles. Pois a única crítica que se faz a Crivella diz respeito à sua opção religiosa: é evangélico, membro da Igreja Universal”, diz.

Benjamin minimiza a ligação do senador com a Igreja Universal: “Eu conheço Crivella. Diversas vezes me demonstrou seriedade, em contextos que nada tinham a ver com campanha eleitoral. Quem acha que os movimentos evangélicos – que reúnem dezenas de milhões de brasileiros – são apenas picaretagem não conhece como o nosso povo vive, como se organiza, que necessidades (materiais e espirituais) tem”, diz.

No horário eleitoral da tevê, Carlos Lessa é outro a reiterar seu apoio ao candidato do PRB: “O Crivella é um cidadão exemplar. Tem uma trajetória absolutamente limpa, o que, no Brasil, é um diferencial extremamente importante”, diz o e ex-presidente do BNDES.

RBA
De Garotinho (esq.) a Lindberg (dir), passando por Benjamin, Lessa e Guimarães: confiança em Crivella

PT dividido

Para o segundo turno, Crivella conta ainda com o apoio de um setor do PT liderado pelo presidente regional do partido, Washington Quaquá, e pelo candidato derrotado ao governo, Lindberg Farias: “Decidi apoiar o Crivella por vários motivos. Sou senador com ele em Brasília e sei que o Crivella é uma pessoa correta e honesta para governar o Rio de Janeiro. Estou convencido de que para o Rio melhorar na saúde, na educação, no transporte, só mesmo afastando esse pessoal que está aí há muito tempo. Quem vai governar por trás do Pezão é Cabral, Jorge Picciani e Eduardo Cunha. E, por trás deles, estão as grandes empresas, com contratos milionários com o governo do Estado”, diz Lindberg.

Segundo Quaquá, que também é prefeito de Maricá, um pedido do presidente nacional do partido, Rui Falcão, impediu que o PT fluminense aderisse oficialmente a Crivella no segundo turno: “Houve um pedido, e vamos respeitá-lo, para que não afastássemos ainda mais o PMDB, o que poderia dar pretexto ao movimento ‘Aezão’ e prejudicar a Dilma. Mas, a traição do Pezão à presidenta é um fato concreto. Cabral e seu grupo estão com Aécio, e o governador só diz que apóia a Dilma para neutralizar o apoio do PT a Crivella”, diz.

Também manifestaram apoio a Crivella os deputados reeleitos Benedita da Silva e André Ceciliano. Já a ala petista que apóia Pezão é comandada pelo prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, pelos outros nove prefeitos petistas (com exceção de Quaquá) e pelo deputado estadual e ex-ministro Carlos Minc. A posição oficial adotada pelo PT foi “liberar” o voto da militância.

Garotinho

Dois dias após o primeiro turno, o candidato derrotado do PR, Anthony Garotinho, acompanhado pela mulher Rosinha, prefeita de Campos, e pela filha Clarissa, eleita deputada federal, recebeu o senador em sua casa: “Na vida, eu sempre tive lado. E o meu lado é contra esse governo do Rio, lado que neste momento está sendo representado pelo Crivella”, disse o ex-governador. Embora Crivella admita convidar os aliados a participar de um eventual governo, Garotinho garante não ter negociado cargos: “O único pedido que eu fiz ao senador foi para livrar o Rio desse grupo que trouxe o estado à falência financeira e moral”, disse.

Com o apoio de Garotinho, Crivella espera consolidar um eleitorado evangélico que pode ser decisivo na reta final da campanha. Sua ligação com a religião e com a Igreja Universal, no entanto, vem sendo o flanco escolhido pela campanha do PMDB para atacá-lo. No único debate na tevê realizado até aqui no segundo turno, Pezão se dirigiu a Crivella como “senador da Universal” e disse que, se eleito governador, o candidato do PRB irá “obedecer às ordens do Bispo Macedo”, que é seu tio e também dono da TV Record: “A gente sabe o que a sua organização, a Igreja Universal, fez durante a campanha para induzir os eleitores. A Igreja Universal já virou um partido político, tem canal de televisão e vários parlamentares. Agora quer ter o governador do Rio”.

Igreja Universal

Crivella reage às acusações negando a influência da religião em sua atuação política e dizendo que “Pezão é quem faz uma guerra santa” para não deixar o Palácio Guanabara e que “é melhor misturar política e religião do que política e corrupção”. Para tentar neutralizar as acusações de fundamentalismo evangélico, o candidato assumiu na segunda-feira (13) frente a diversas organizações LGBT o compromisso de dar continuidade ao programa Rio Sem Homofobia, criado pelo governo Cabral para combater a violência contra os gays.

A ligação com a Igreja Universal, no entanto, ainda pode trazer problemas para Crivella junto à Justiça Eleitoral. Um vídeo gravado na véspera da votação do primeiro turno durante um culto com milhares de pessoas dentro do maior templo da Universal no Rio, conhecido como “Maracanã da Fé”, e divulgado no site do jornal O Globo mostra o pastor Daniel Santos pedindo explicitamente votos ao candidato do PRB.

“Ou você vem com a gente ou vai fazer como Judas. Então, em nome de Jesus, eu peço a você uma coisa: me dê o seu voto. Quando você for votar no Crivella, vai estar votando 10 (número do candidato), vai estar votando com a gente. O nosso Deus vai fazer tudo por nós”, diz o pastor, antes de pedir que os fiéis repitam em voz alta os números de Crivella e dos candidatos ao parlamento ligados à igreja.