Rio Grande do Sul

Contrário ao piso regional gaúcho, vice de Sartori diz contratar ‘no fio do bigode’

'Lá dentro da minha fazenda não tem lei trabalhista, não tem nada. Tu remuneras, e pronto', afirmou vice de candidato do PMDB ao Palácio Piratini. Ministério Público do Trabalho abre investigação

Bruno Alencastro/Sul21

Cairoli considera que leis trabalhistas estão obsoletas e que precisam ser ‘mexidas’

Porto Alegre – Candidato ao governo do Rio Grande do Sul pelo PMDB, José Ivo Sartori ganhou popularidade desde o início da campanha, tornando-se conhecido entre eleitores que até então pouco sabiam a respeito do ex-prefeito de Caxias do Sul, apesar de ter sido deputado estadual e federal. O mesmo não ocorreu com seu vice, o empresário José Paulo Cairoli.

Filiado ao Partido Social Democrático (PSD) no segundo semestre de 2013, Cairoli é mais conhecido no setor empresarial, onde sua proeminência o destacou também como crítico contumaz do salário mínimo regional. O candidato a vice também tem opiniões polêmicas a respeito da legislação trabalhista. Em vídeo, publicado no YouTube em 2010, critica sindicatos e alega ter regras próprias de contratação em sua fazenda. O Ministério Público do Trabalho, em resposta a um usuário do Twitter, comunicou a instauração de um processo investigatório.

A trajetória de Cairoli foi construída na liderança empresarial e na agropecuária. Aos 62 anos, ele já presidiu a Federasul, a Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil e o BRDE. Também atuou como executivo do grupo Ipiranga e é proprietário da Reconquista Agropecuária. Dedicada à criação da raça Angus, sua cabanha já conquistou, por nove vezes, o título de melhor criador-expositor nacional da raça. O histórico de sucesso nos negócios o teria credenciado a integrar a chapa ao lado de José Ivo Sartori. “Entendo que tinha chegado a hora da minha participação”, disse ele em entrevista ao Sul21 em agosto.

Após a filiação ao PSD, Cairoli foi entrevistado pelo Jornal do Comércio, que já apontava sua possível candidatura, mas, como vice de Vieira da Cunha (PDT). Na ocasião, ao ser perguntado sobre o assunto, ele respondeu: “A minha passagem pelo BRDE deixa, sem dúvida nenhuma, uma possibilidade de ser vice não só do Vieira, mas de qualquer outra vertente política”. Menos de seis meses depois, em 1º de junho, Cairoli era oficializado candidato a vice-governador na chapa de Sartori.

A notícia também comparava Cairoli ao empresário Paulo Feijó, ex-vice-governador na gestão de Yeda Crusius (2007-2010), ao dizer que ele pensava “em um estado dinâmico, que precisa se recuperar economicamente e fazer os investimentos necessários em serviços e infraestrutura”. Feijó – que também presidiu a Federasul e teve Cairoli como seu vice no biênio 2004-2006 – foi protagonista de uma das desavenças que mais repercutiram na recente história política do Estado. A briga entre ele e a governadora Yeda Crusius se arrastou por todo o mandato da dupla. Já no primeiro mês de governo, os dois se desentenderam quando a tucana tentou prorrogar o tarifaço imposto pelo antecessor, Germano Rigotto. Nos anos seguintes, a crise só agravou-se, chegando ao ponto de a governadora entrar com uma ação judicial contra seu vice.

Em meio à implementação do piso regional no Rio Grande do Sul, em 2001, no governo Olívio Dutra (PT), Cairoli deu inúmeras declarações criticando a medida. Em uma entrevista ao jornal Correio do Povo, em março de 2010, quando presidia a Federasul, ele afirmou: “A consequência inevitável desta situação é a manutenção de taxas de desemprego elevadas e de maior nível de informalidade do que ocorreria sem a sua existência”.

Na mesma data, ele deu declaração semelhante ao Jornal do Comércio, defendendo que “o piso representa um custo adicional às empresas gaúchas, reduzindo a competitividade em relação à maioria dos estados brasileiros, que não adotaram o salário-mínimo regional”.

No início de 2014, treze anos após a implementação do piso regional, Cairoli demonstrou em entrevista que mantinha a mesma linha de pensamento. Ao Diário Comércio Indústria & Serviço, ele propôs o fim do salário mínimo regional. Perguntado “por que a campanha pelo fim do salário mínimo regional?”, respondeu: “Pensamos que não é dessa forma. Não podemos obrigar os estados a definir quanto a economia formal deve pagar a seus colaboradores. O mercado é soberano nesse processo. O salário mínimo é nacional e baliza qualquer tipo de negociação. O salário da capital nunca vai poder ser o mesmo do interior do estado em municípios com cinco ou dez mil habitantes. O ajuste tem que ser compatível com a necessidade e a importância de cada uma das categorias. Por causa do piso regional está havendo uma informalidade maior.”

Procurado nesta terça-feira (21), o candidato informou por meio de sua assessoria que não poderia falar por estar em trânsito no interior do Estado. Sua única declaração a respeito do piso regional foi enviada por e-mail: “Como candidato a vice-governador, me alinho com as bandeiras defendidas pelo governador que saberá bem conduzir esse e os demais assuntos de interesse do Rio Grande do Sul”.

A reportagem também quis saber o posicionamento oficial de Sartori, já que o assunto não consta em seu programa de governo. Por meio de nota, a campanha do peemedebista defendeu que o salário mínimo regional não é uma política pública, cabendo ao governo atuar como mediador entre trabalhadores e empresários: “Em relação ao salário mínimo regional, o governo do Estado não é o indutor desse processo. Não se trata de uma política pública mas o governo é parte da negociação entre trabalhadores e empresários. Os empresários devem, evidentemente, defender suas posições, como os trabalhadores lutam pelas suas, especialmente as categorias que não têm acesso a essas negociações. Os maiores beneficiados no salário mínimo regional são sempre aqueles que têm maiores dificuldades ou aqueles que não têm uma organização forte sindical. A função do governo deve ser a de mediador, que auxilia a negociação a chegar a um bom termo para ambos os lados.”

Investigado

Em um vídeo postado no YouTube em 2010 e intitulado Trabalho de MBA dos alunos da Antonio Meneghetti Faculdade sobre o tema meritocracia, o hoje candidato a vice-governador fala mais sobre relações trabalhistas. Na gravação, Cairoli critica as leis brasileiras: “O que nos atrapalha, no meu entender, é que nós temos uma legislação trabalhista ainda do tempo de Getúlio Vargas. Foi muito importante, mas hoje ela está obsoleta, tem muita coisa que precisa ser mexida”, afirma.

Na gravação, Cairoli também critica os sindicatos: “Cada vez mais os sindicatos prejudicam essa relação. Eles não ajudam. Esse processo sindical atrasado só vem prejuízo. Quando entra o sindicato, se tem dificuldades”, diz.

Representante de parcela dos trabalhadores, a Força Sindical defende, por exemplo, o piso regional, criticado por Cairoli em diversas ocasiões. Presidente em exercício da organização, Marcelo Furtado afirma que a Força é pluripartidária, embora seu presidente, Cláudio Janta, seja também presidente do partido Solidariedade, que apoia a candidatura de Sartori e Cairoli. Furtado afirma que a Força Sindical tem posição clara sobre o piso. “Vamos defendê-lo, seja o governador que for”, disse. Ele garantiu ainda que a organização não está atrelada a partidos. Nacionalmente, há dirigentes apoiando Dilma Rousseff e Aécio Neves, assim como no estado há lideranças como Sartori e Tarso. “Se tiver embate com o governo, seja qual for, nós vamos ter embate em defesa dos trabalhadores”, afirmou.

Ainda na gravação disponível no YouTube, Cairoli fala sobre a meritocracia no campo: “É uma coisa tão óbvia. Por que é que eu não vou remunerar uma pessoa que contribuiu mais do que outra? Se olhar nas origens do segmento rural já é assim, se faz numa relação entre o empregador e o empregado, que é uma coisa que todos estão de acordo porque é positivo.”

Ao final da entrevista, ele exemplifica mencionando as relações com os empregados em sua própria fazenda: “Lá dentro da minha fazenda, isso a gente faz há horas. Só que não tem lei trabalhista, não tem nada. Tu remuneras, e pronto. E sem contrato. É no fio do bigode. Se tu produzir tanto, vai ganhar tanto por cento. É assim que funciona”.

O Ministério Público do Trabalho informou hoje (22) que instaurou processo investigatório depois de receber uma denúncia contra Cairoli.

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