Região

Analista acredita que vitória de Dilma não favorece integração latino-americana

Nildo Ouriques enxerga refluxo nos processos políticas que possibilitaram 'nacionalismos democráticos' na região e aponta tendência a aburguesamento com 'digestão moral da pobreza'

Roberto Stuckert/Presidência da República

Professor da UFSC avalia que Brics faz parte do projeto de inserção da China no cenário global

São Paulo – O professor Nildo Ouriques, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), não acredita que a vitória obtida ontem (26) por Dilma Rousseff fortaleça os “governos de esquerda” na América do Sul. “É uma tese falsa. Os governos se sustentam pela força que conseguem nacionalmente”, rebate. “Não temos uma política externa centrada no fortalecimento da América Latina. Pelo contrário, estamos enveredando pelo caminho de uma fantasia chamada Brics.”

Ouriques analisa que o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul responde muito mais a um “fortalecimento da posição chinesa” do que a uma integração das grandes economias emergentes. “A opção do Estado brasileiro é clara: expansão subimperialista na América Latina, superávit comercial com Argentina e Venezuela e fortalecimento da presença de multinacionais do Mercosul”, enumera. “A região não é mais eixo da articulação do país no mundo.”

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Apesar disso, minutos após a divulgação dos resultados, presidentes da região se apressaram em parabenizar a colega brasileira pelos resultados do domingo. Para Rafael Correa, do Equador, houve um “maravilhoso triunfo” de Dilma. Nicolás Maduro, da Venezuela, elogiou a presidente por sua “coragem e valentia” e disse que os brasileiros não decepcionaram a história. Para a argentina Cristina Kirchner, foi uma vitória da “inclusão social e da integração regional”.

Diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC, o professor lamenta que a política externa tenha sido pouco discutida durante a campanha. “Entrou de maneira caricata, resumida ao porto de Mariel, em Cuba, que diz respeito às exportações. Tanto que até a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) apoiou sua construção, porque será porta de entrada de produtos brasileiros no Caribe. E teve financiamento do BNDES”, pontua. “Fora isso, é um tema ausente das eleições como todos grandes temas.”

Sobre o duelo entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), que aglutinou apoios sociais distintos em torno de cada candidato, Ouriques atesta que as diferenças não se explicam por uma oposição entre neoliberalismo e desenvolvimentismo. “Nunca aceitei essa divisão”, rebate. “Temos uma espécie de terceira via: uma opção liberal não de esquerda, mas com tradição de esquerda. As eleições estiveram dominadas por uma onda liberal dominante, com uma versão mais de direita e outra, de esquerda, mas ambas liberais.”

Para o analista da UFSC, a diferença “fundamental” entre os projetos de Dilma e Aécio se deve à “resposta clara” que a candidata petista oferece aos temas sociais. “Está em curso uma ‘digestão moral da pobreza’, que interessa aos dois partidos e que se expressa no consenso em que ambos candidatos – além de Marina Silva (PSB) – aceitam os programas sociais não só como inevitáveis, mas como necessários”, diz, criticando iniciativas governamentais por não agir na raiz da pobreza. “Nenhum programa organiza os pobres politicamente.”

Enquanto os brasileiros escolhiam Dilma para mais quatro anos à frente do Planalto, os uruguaios levavam o candidato da coalizão de centro-esquerda Frente Ampla, Tabaré Vázquez, e o conservador Luís Lacalle Pou ao segundo turno das eleições presidenciais. Há duas semanas, Evo Morales, do Movimento ao Socialismo, vencia o pleito boliviano no primeiro turno, com 60% dos votos. No ano passado, Venezuela, com Nicolás Maduro, e Equador, com Rafael Correa, ratificaram nas urnas os projetos implementados desde o início do século.

“O nacionalismo democrático que tomou conta de Venezuela, Equador e Bolívia está se estabelecendo como uma esquerda liberal ou liberalismo de esquerda”, analisa Ouriques, tomando por base as realidades “muito distintas” de cada país. Os bons resultados eleitorais colhidos pelos governos de esquerda, inclusive em setores da elite, são sintomas de que as mudanças estão ocorrendo com menos afinco. “A América Latina caminha para uma certa estabilidade burguesa no médio prazo. Não há um processo de transformação da ordem.”

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