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Declaração de Aécio sobre falta d’água é ‘inoportuna e lamentável’, diz órgão federal

Agência Nacional de Águas considera de 'altíssimo risco' plano do governo paulista para uso da segunda parte do volume morto e acusa Sabesp de esconder instrumentos de medição usados em fiscalização

Renato S. Cerqueira/Futura Press/Folhapress

Vicente Andreu já disse que gestão da crise das águas pelo governo paulista está comprometendo o futuro

São Paulo – O diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, rebateu hoje (21) as críticas do candidato à Presidência da República pelo PSDB, Aécio Neves, e disse que o tucano desconhece o trabalho da entidade reguladora e a relação desenvolvida com o governo paulista, administrado por Geraldo Alckmin (PSDB). “Demos sugestões e fizemos propostas para enfrentar o problema. Nós temos mais de 300 resoluções conjuntas. Mas o governo paulista não quer sugestão, quer adesão”, disse Andreu, cutucando o governo estadual por não respeitar as orientações da agência.

Aécio disse que faltou parceria do governo federal com o estado e insinuou que a agência, na gestão petista, tem “servido a outros fins”. “Nós nos lembramos bem quais foram as indicações, quais os critérios para se ocupar cargo de diretoria da ANA”, disse o candidato.

Porém, a indicação do presidente da ANA passa por aprovação no Senado Federal, onde Andreu foi defendido por um grande aliado de Aécio. “Por curiosidade, o relator do meu processo, que defendeu a minha indicação no Senado brasileiro, foi o vice dele, Aloysio Nunes Ferreira”, esclareceu o presidente da agência, em debate na Assembleia Legislativa de São Paulo.

Andreu ressaltou que até mesmo o uso do volume morto do Sistema Cantareira – que abastece 8,5 milhões de pessoas na região metropolitana de São Paulo e está em crise desde janeiro desse ano – foi sugerido no início de fevereiro, em uma reunião entre a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e o governador. “É bom que o Aécio saiba disso”, destacou. “Todas essas insinuações que ele faz nesse momento pouco ajudam a encontrar o consenso necessário para superação da crise”, completou.

Ontem, em entrevista coletiva, a candidata do PT à reeleição, Dilma Rousseff, adversária do tucano, criticou a tentativa de atribuir ao governo federal o problema da falta d’água em São Paulo, e informou que alertou Alckmin seguidas vezes sobre a gravidade da seca que assolaria o estado. “Em março o governador vem numa audiência no Palácio do Planalto: ‘Governador, pela minha experiência, acho que o senhor deveria fazer obras emergenciais porque tudo indica que essa seca se prolongará e vocês não têm capacidade de abastecimento de água suficiente’”.

Hoje, na Assembleia Legislativa, Andreu criticou a atitude de Alckmin de enviar uma carta ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, questionando a afirmação da relatora especial da entidade para o Direito à Água e ao Saneamento, Catarina de Albuquerque, de que o governo paulista é responsável pela crise hídrica. Relatórios como este são apresentados no mundo todo.

No último dia 9, Alckmin enviou uma carta pedindo que a ONU “corrija” a informação da relatora. E disse que, caso isso não seja feito, irá considerar a posição como oficial, tornando questionável a “propriedade e a liderança” da entidade para sediar a cúpula do clima.

“Eu penso que encaminhar ao secretário-geral da ONU uma crítica política quando na verdade deveriam ser apresentadas alternativas técnicas é incorreto. É como se um trabalhador apresentasse uma sugestão, você não gosta, e vai reclamar com o chefe. Temos de discutir as questões técnicas e, nesse sentido, o relatório deve ser valorizado”, disse Andreu.

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Crise em São Paulo

O consenso referido pelo presidente da ANA sobre o Sistema Cantareira está distante de ocorrer. O Grupo Técnico de Assessoramento e Gestão (GTAG) do Cantareira foi praticamente dissolvido há dois meses, em virtude da falta de acordo entre a agência nacional, o Departamento de Água, Esgoto e Energia (estadual), a Sabesp e o secretário Estadual de Recursos Hídricos, Mauro Arce. Andreu reafirmou que a motivação do rompimento foi o compromisso quebrado pelo secretário, sobre a redução do volume de água retirado do sistema.

Mas, apesar da inatividade do grupo técnico, Andreu garante que a fiscalização e o acompanhamento da crise não vão parar. “Temos discutido quais seriam os mecanismos para garantir a segurança hídrica, em virtude do agravamento da crise e das chuvas que não vêm. Temos oferecido mecanismos para gerenciar o sistema de forma que sua vida útil seja controlada. Mas, infelizmente, não temos conseguido consenso sobre as questões”, explicou o presidente a ANA.

Segundo ele, o principal agora é retirar um volume de água menor, em direta relação com a água que entra no sistema através dos rios que compõem o Cantareira. “Chegou mais, tira mais. Chegou menos, tira menos.” O Cantareira responde por 50% do abastecimento da região metropolitana de São Paulo.

Porém, no estudo da Sabesp para retirada da segunda cota do volume morto do Sistema Cantareira, enviado para o Daee e, posteriormente, para a ANA, o que se vê é o contrário. A companhia deseja retirar um volume de água de 18,5 metros cúbicos por segundo (m³/s) – cada metro cúbico equivale a uma caixa de água de mil litros. Muito próximo dos 19 m³/s que são retirados hoje. O estudo foi entregue no dia 10.

A ANA rejeitou a proposta. “Eles querem tirar a pré-tragédia nas mesmas condições que vêm fazendo até agora. A Sabesp se baseou na média de chuvas. Mas média não é um bom modo de gerir a crise. Então, nós descartamos o plano porque ele é de altíssimo risco”, explicou Andreu.

O que acontece com as médias é que se ocorrem 25mm de chuvas em por três anos e 75mm em outros três, a média é 50mm. Mas em nenhum desses seis anos choveu 50mm.

As projeções elencadas no plano da Sabesp são feitas baseando-se em volumes de chuva iguais à média histórica; de chuvas equivalentes a 75% da média; e de precipitações iguais ao pior índice de chuvas registrado, no ano de 1953. No entanto, desde fevereiro desse ano, as chuvas têm sido, pelo menos, 50% menores que o índice registrado em 1953. Ou seja, muito inferiores ao pior cenário traçado pela companhia.

A situação que se coloca é que, com as retiradas atuais, se mantém um padrão elevado no consumo de água na região metropolitana de São Paulo, garantindo o fornecimento contínuo. Porém, caso a seca se prolongue, e, segundo Andreu, as perspectivas não são favoráveis, é bem possível que a população venha a conviver, no curto prazo, “com situações ainda mais dramáticas”.

Andreu também alertou que o volume morto tem um grande volume de água, mas que não pode ser usado sem critérios. Abaixo do nível das comportas da represa tem 500 bilhões de litros de água. A cota I do volume morto usou 182 bilhões de litros. A cota II vai utilizar 106 bilhões de litros. Restarão cerca de 200 bilhões de litros. “Neste volume pode ir? Pode, mas é o lodo. Eu pergunto: isso é gerenciar recursos hídricos?”

Ele ainda ressaltou que as previsões meteorológicas não são confiáveis para além de uma semana de prazo. Assim, não tem como garantir que vai chover em novembro, dezembro ou janeiro, como a Sabesp dá a entender que vai ocorrer. “Em sete dias as previsões são 80% confiáveis. Em 15 dias são pouco confiáveis. Para além disso são modelos experimentais”, explicou Andreu.

Na último dia 10, a Justiça federal de São Paulo determinou que, exista necessidade, o uso da segunda cota do volume morto deve ser feito com muita cautela, pois põe em risco o abastecimento de cidades da região de Campinas e Piracicaba. Se todo o volume requerido pela Sabesp for utilizado a água não mais verteria para a região, prejudicando os rios Capivari, Atibaia e Piracicaba, de onde as cidades captam água.

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Fiscalização impedida

O presidente da ANA também denunciou o sumiço de réguas de marcação do volume da represa de Atibainha, uma das cinco que compõem o Sistema Cantareira. Com isso fica impossível medir de forma exata qual o volume de água existente, o que impede a fiscalização, pelas agências, de quanto a Sabesp está retirando de água.

Ele contou que os técnicos perceberam que a água do reservatório Atibainha estava abaixo do limite que podia ser retirado na primeira cota do volume morto. A agência comunicou o Daee, pedindo explicações. Mas, passados dez dias, não obteve resposta. “Fizemos uma vistoria e constatamos que estava 83 centímetros abaixo do limite.”

A ANA enviou um ofício à Sabesp, com o mesmo questionamento, mas tampouco houve resposta. Ao voltar ao local, as regras de marcação tinham sido removidas. Coincidentemente, no mesmo dia em que o sistema de monitoramento da Sabesp saiu do ar. “A retirada das réguas é um fato. A intenção eu não posso dizer qual foi. Cabe à Sabesp e ao Daee explicar para a população o motivo”, cobrou Andreu.

À dificuldade de fiscalização no Cantareira, o presidente da ANA acrescentou uma revelação preocupante. A agência não é responsável por fiscalizar a gestão dos sistemas Guarapiranga, Rio Grande (Billings), Alto Cotia e Alto Tietê porque eles são formados por rios estaduais, constitucionalmente geridos somente pelo governo do estado.

Há alguns meses a Sabesp retira água desses sistemas para suprir parte da demanda do Cantareira. “Tirar água de outros reservatórios é correto em parte, pois são os menores ajudando o maior. Então a crise pode se estender. E essas represas, por serem menores, podem entrar em crise mais rápido”, alertou Andreu.

Hoje, o volume de água do Cantareira caiu para 3,3% da capacidade. O Alto Tietê tem 8,5%. O Guarapiranga está com 42,8%. O Alto Cotia tem 30,8%. E o Rio Grande (Billings), que tem a melhor situação, está em 71,8%.

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