ironias

Parente é serpente: o curioso destino da família Genro

O pai vota em Dilma e não na filha. O neto vota na mãe e no pai, mas não no avô. Já imaginou?

Claudio Fachel/Palácio Piratini

Luciana Genro e o pai, Tarso Genro, que adora provocá-la: “Como vai a revolução protelária”, diz ele

Você que não aguenta mais, às vésperas de eleição, discussões sobre política em família, devia agradecer a Deus por não ter nascido um Genro. Ali sim é que o bicho tá pegando. A filha, Luciana, presidenciável do Psol, enfrenta nacionalmente a candidata paterna, Dilma Rousseff. O pai, Tarso Genro, concorre à reeleição para o governo do Rio Grande do Sul disputando com o ex-marido da filha, Roberto Robaina (Psol), pai de seu neto Fernando. Luciana vota no ex-marido e não no pai. O pai vota em Dilma e não na filha. O neto vota na mãe e no pai, mas não no avô. Já imaginou?

No final de agosto, no primeiro debate entre os candidatos ao governo gaúcho na TV, o tempo fechou entre Genro e o ex-genro (literalmente) Robaina, que protagonizaram o bate-boca mais acalorado da noite. O petista provocou primeiro, dizendo que o Psol foi contra o ProUni, o que Robaina disse ser “uma fraude”, porque Luciana votara a favor quando deputada. “Tu funcionas mais como quinta coluna da Ana Amélia do que como um candidato de esquerda”, torpedeou Tarso. Robaina devolveu o petardo lembrando as alianças à direita feitas pelo PT. Tarso chegou a levantar a voz: “Tu tens que amadurecer um pouco politicamente, rapaz”.

Robaina diz que eles voltaram a se encontrar em outro debate e que não houve saia justa. “Foi normal, nós estamos acostumados a brigar”. A falta de simpatia mútua, digamos assim, entre os dois é evidente Tarso foi mais afável com a adversária Ana Amélia do que com o ex-genro. A acusação recorrente de petistas de “falta de maturidade” parece irritar o psolista. “O PT tenta passar essa ideia de que o Psol é imaturo, mas a maturidade do PT é se juntar com famílias milionárias. O grande orgulho do Tarso, por exemplo, é uma multinacional chilena de celulose que está destruindo os pampas. Essa maturidade de aceitação do status quo nós não queremos. Preferimos manter a coerência”, alfineta. “Nós, do Psol, temos orgulho de possuir essa alegria juvenil que o Plinio, sendo velho, tinha. Ele entendeu que a grande sabedoria é ligar a luta política à juventude.” Pergunto se ele será o Tarso amanhã. “Não, eu serei o Plínio amanhã”.

Fico imaginando uma longa mesa arrumada com toalha branca para o churrasco de domingo e estas figuras todas sentadas, com suas línguas e facas afiadas. Robaina, que se separou de Luciana quando Fernando tinha um ano e meio de idade (o rapaz tem 26 atualmente), logo esclarece que tem carinho pela família, mas não os frequenta socialmente. “A gente não fica visitando ex-sogro”, ironiza. Luciana admite que as farpas fazem parte do menu das reuniões familiares, mas garante que partem do pai para ela e não o contrário. “Há uma troca de ironias, mas sem agressão. Ele é quem gosta, é o campeão da provocação. Fica sempre tentando dizer que o Psol é pequeno, que temos poucos votos, fica se gabando de como é amado e apoiado… Para tentar me irritar. Quando eu era adolescente, conseguia. Mas hoje tenho mais o espírito da filha que quer que o pai seja feliz e não aceito as provocações baratas dele.”

No último Dia dos Pais, Tarso, gozador, publicou em seu facebook um vídeo em que o neto Rodrigo, de dois anos, “discursa” dá-dá-dá-dá e o avô tira onda: “Parece a Lu falando”. Luciana conta que o dissenso familiar é antigo e, até por isso, encarado com naturalidade. Vem, na verdade, do avô dela e pai de Tarso, Adelmo Genro, advogado, professor e velho militante socialista que presidiu o PSB gaúcho. O vô Adelmo saiu feroz em defesa da neta quando ela começou a confrontar o governo Lula e as alianças do PT, postura que acabou por levá-la a ser expulsa do partido após votar contra a reforma da Previdência, em 2003. “Ela puxou ao avô, porque não lambe o prato em que cuspiu”, bradava o patriarca diante de cenas esdrúxulas como a dos antigos desafetos petistas Fernando Collor e José Sarney posando pimpões ao lado de Lula.

As desavenças entre Luciana e Tarso eram mais comuns quando ela, aos 15 anos, decidiu entrar para a Convergência Socialista, corrente interna do PT, enquanto o pai militava em outra tendência, o Partido Revolucionário Comunista (PRC), ao lado de nomes como José Genoino e… Marina Silva. “Para tu ver que quem mudou foi ele, não eu!”, provoca Luciana. “O pai me levou para o PRC e me fez conhecer toda essa fauna das organizações de esquerda, mas acabei me identificando mais com a CS do que com o PRC. Isso foi complicado para ele aceitar.”

Luciana confessa ter dado risada quando assistiu ao pai atacando e sendo atacado pelo ex-marido no debate da Band entre os candidatos ao governo do Rio Grande do Sul, mas, alguns dias depois, quando encontrou Tarso, preferiu não tocar no assunto para não criar caso. Diz que tampouco tem discutido com ele sua performance nos debates presidenciais para não gerar constrangimento porque, afinal, a candidata do partido dele é outra. Tarso dorme cedo e não viu a filha nos debates, mas, ao assistir a um vídeo com os melhores momentos da presidenciável do Psol que lhe foi mostrado por um assessor, o lado “pai orgulhoso” falou mais alto. “Muito bem. Falou tudo que eu queria dizer e não posso.”

Pergunto a Luciana se o pai costuma olhá-la com aquele olhar condescendente dos mais velhos diante de um político jovem, aquele olhar de “vamos-conversar-mais-para-a-frente” que os políticos experientes adoram exibir. “Acho que a idade ajuda neste excesso de pragmatismo que eles têm, de querer resultados mais imediatos e aquém do que desejavam originalmente. Os petistas se acomodaram. Eu vejo, pelos textos que o Tarso publica, que ele tem uma visão crítica do partido, mas acha que não existe vida política fora do PT. Cansou de remar contra a maré. Só que um dia a maré vai mudar”, aposta. Pergunto também a ela se não se transformará no Tarso amanhã. “De jeito nenhum. Este processo de construção de uma esquerda coerente não pode repetir o PT. Virar o Tarso é repetir o PT.”

“O Tarso” – é esquisito, mas todos se referem a ele assim. A filha, o ex-marido, o neto. Talvez para separar o político do familiar, termos como “pai” e “vô” ficam reservados para a intimidade. Fernando, filho de Luciana, foi durante os últimos 24 anos o único neto de Tarso Genro, até nascer Rodrigo, filho da médica Vanessa. Pode-se ter uma ideia, portanto, da enorme proximidade entre os dois. Mas Fernando, ex-jogador de futebol, é Psol como o pai e a mãe e nunca votou no avô para um cargo eletivo  em 2002, quando Tarso perdeu, Fernando ainda não votava; em 2010, quando Tarso ganhou no primeiro turno, o neto escolheu Pedro Ruas, do Psol. Agora, vota no pai e na mãe, claro.

“Não é uma questão de parentesco: me identifico com a postura ideológica e programática do Psol. Acho que os governos federais do PT foram bastante decepcionantes do ponto de vista da esquerda”, critica. Faço mais uma vez a pergunta: o jovem que hoje é Psol quando velho se tornará PT? “O Plínio provou que não é bem assim. Acho que existe um comodismo que vem com a idade, mas não é determinante. O próprio Tarso com certeza era mais Psol na juventude. Talvez fosse mais fácil ser de esquerda quando a direita estava no poder.”

Seu avô pede para Luciana pegar leve com a Dilma nos debates? “Mas de jeito nenhum”, diz Fernando. “Ele jamais pediria isso, porque sabe que a construção do nosso partido passa pela crítica ao PT.” O filho de Luciana Genro vê como “saudável” o clima de discussões políticas PT X Psol no seio familiar. “Esta dialética que acontece em casa é bacana porque possibilita tirar o que há de bom e ruim no PT, e o que há de bom e ruim no Psol”, contemporiza.

Tarso Genro só votou na filha quando ela se candidatou a deputada federal pelo PT. Desde que se tornou Psol, nunca. Mas na solidão da cabine não vai dar vontade de apertar o 50 e votar na filha para presidente? “Não, porque a responsabilidade política fala mais alto. Ela tem um projeto político muito diferente do meu partido. Eu votaria sempre na Luciana para filha, mas não para presidente”, espeta. O governador assume adorar provocar a filha. “Toda vez que a Lu chega em casa, eu digo: ‘como vai a revolução proletária?’”, e solta uma gargalhada.

Não que deixe de admirá-la. Considera Luciana “um grande quadro político”, mas não aparenta sentir o mesmo pelo ex-genro Robaina. “O Roberto é íntegro, mas temos uma diferença política muito grande. Ele está mais preocupado em desgastar a imagem do PT. A Luciana critica Dilma e Marina, mas está sendo mais lúcida”, diz. “O Psol é um rescaldo político do socialismo do passado, com uma visão clássica vinculada à revolução bolchevique. É um projeto generoso, mas superado politicamente. Por isto utiliza esta linguagem que trata da mesma forma a direita e a esquerda.”

Pergunto, desta vez ao contrário, se Luciana será como ele amanhã. “O que ocorre com os trotskistas, pelo que tenho visto, é que normalmente eles saem da política e vão ser colunistas de jornal da direita… Espero que ela permaneça trotskista”, provoca. “Eu mesmo fui, durante anos, integrante do movimento comunista. Adquiri conhecimento e não me arrependo. Mas a estrutura de classes da sociedade mudou.”

A mãe de Luciana, avó de Fernando, ex-sogra de Robaina e mulher de Tarso Genro, Sandra, é a pedra de toque desta história toda. Se o marido não estiver no páreo, a médica Sandra costuma declarar voto no Psol. Quando Robaina saiu a prefeito, em 2012, ela declarou voto nele. Este ano vota em Luciana para presidente –não em Dilma, como o marido, pelo menos no primeiro turno. Mas vota em Tarso, claro, para governador. Felizmente, Luciana e o pai não se enfrentaram diretamente e Sandra não se viu obrigada a ter que escolher entre os dois, filha ou marido. Ainda.

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