Comício

No Distrito Federal, Lula pede luta contra quem não ‘aceita mudanças sociais’

Na Ceilândia, maior eleitorado de Brasília, ex-presidente foi destaque e pediu aos eleitores para 'não baixar a guarda' nos dias que antecedem as eleições

instituto lula

Com aproximadamente 450 mil habitantes, Ceilândia é considerada uma espécie de “chave das eleições” no DF

Brasília – Em discurso cheio de recados a adversários e até mesmo a correligionários envolvidos em denúncias, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) encontrou-se, na noite de ontem (25), com uma fatia importante de nordestinos como ele. Gente que afagou e por quem foi afagado, que migrou não para o Sudeste, mas para o Centro-Oeste e hoje vive em Ceilândia, cidade-satélite mais antiga de Brasília e maior colégio eleitoral do Distrito Federal. Lula atraiu aplausos e gritos de ordem, criticou elites, a mídia, falou sobre Marina Silva e Aécio Neves, e disse que continua tendo orgulho do PT. Além disso, ele pediu à militância que “não baixe a guarda” e afirmou que o momento é de luta contra os que não aceitam mudanças sociais e querem tirar o partido do poder.

“Não podemos brincar. A imprensa é o maior partido de oposição que temos no Brasil. Não precisamos falar mal dos outros. Basta apenas que falemos dos nossos candidatos, para mostrar o que fizemos de bom”, defendeu.

Como faz desde o início da campanha, o ex-presidente atuou como cabo eleitoral, mas, em Ceilândia, os esforços pareciam maiores. Em primeiro lugar, na tentativa de alavancar a candidatura à reeleição do governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), que figurou em terceiro nas pesquisas e, mais recentemente, passou a disputar a segundo posição com o ex-deputado Jofran Frejat (PMDB). Frejat foi colocado repentinamente na disputa depois da impugnação do candidato José Roberto Arruda (PR), impedido pela Lei da Ficha Limpa de encabeçar a chapa.

Depois, diante da ausência da presidenta Dilma Rousseff, que comunicou não ter condições de comparecer, em cima da hora – o que provocou certa saia justa entre os petistas (no DF, Marina Silva aparece na frente da presidenta nas pesquisas de intenções de voto). Por fim, pelo peso que tem a população de Ceilândia no Distrito Federal.

“Vim aqui porque não posso me conformar se o povo de Brasília não reeleger Agnelo por tudo o que ele fez. Não acredito que ninguém que defenda o Roriz e o Arruda (Joaquim Roriz e José Roberto Arruda, ex-governadores, envolvidos em escândalos de corrupção) tenha autoridade moral de falar contra o Agnelo”, destacou.

Com aproximadamente 450 mil habitantes, a cidade é considerada uma espécie de “chave das eleições” no Distrito Federal e, tradicionalmente, mesmo quando não elegeu candidatos do PT ao governo local, sempre votou com Lula, motivo pelo qual a presença do ex-presidente foi mais do que esperada por candidatos.

O peso do DF

De um modo geral, o Distrito Federal (formado por Brasília e 36 regiões administrativas, também chamadas de cidades-satélites), que está próximo de 3 milhões de habitantes, representa menos de 2% do total de eleitores do Brasil, mas o peso da capital do país e suas regiões, seja para qual for a legenda que ocupe o Palácio do Planalto, e o impacto de vencer as eleições no centro do poder federal sempre foram tidos como pontos importantes nas disputas à presidência. E o PT nunca deixou de lado essa preocupação.

Por isso, como se fosse ele o verdadeiro candidato e talvez, diante de certa apatia demonstrada pelos pessoas presentes ao comício no início, Lula foi de tudo um pouco, inclusive ele mesmo. Atuou como garoto-propaganda de Agnelo, interagiu com a militância, enfrentou com paciência uma fila de pais com crianças para tirar fotos, mesclou trechos do discurso com passagens da vida de sindicalista e falou sobre os tempos de menino “em que negro e pobre não tinha direito a estudar numa universidade”.

Mencionou até o câncer que teve e que o deixou com a necessidade de beber muita água sempre que fala em público. “Bons tempos eram aqueles em que eu ia para a porta das fábricas e tomava um conhaquezinho para esquentar. Agora, só água. E muita”, chegou a dizer, em meio a risos e gestos de cumplicidade.

“Adoro esse homem. Tudo o que conseguimos foi por causa dele”, disse a dona de casa Maura Ferreira, tentando se equilibrar em frente à grade que separava o local do palanque, ao lado de dois netos. Moradora de Ceilândia há 42 anos, ela contou que saiu do Ceará em direção à cidade-satélite para casar (o marido, na época noivo, tinha migrado para lá dois anos antes, em busca de emprego).

Maura assistiu aos discursos com uma bandeira de Dilma Rousseff e uma camiseta do PT, esperando para tentar conseguir um abraço. “Ganhei essa bandeira do pessoal do Policarpo (Roberto Policarpo, deputado federal candidato à reeleição)”, afirmou.

‘Responsabilidade grande’

O ex-presidente, no entanto, não participou da festa de Ceilândia apenas no corpo a corpo. Chamou a atenção, logo no início, para o momento pelo qual considera que passa o Brasil, numa referência ao caráter turbulento e, em muitos aspectos, inusitado, destas eleições. “Temos uma responsabilidade grande até o dia 5 de outubro e é importante que vocês saibam o que está acontecendo. As elites deste país nunca aceitaram que tivéssemos um governo que privilegiasse as camadas mais pobres da população”, destacou.

Lula lembrou o presidente norte-americano Franklin Roosevelt, que sofreu várias críticas por parte de adversários e mesmo assim foi eleito quatro vezes. Também recordou os presidentes Getúlio Vargas e João Goulart. “Fiquei surpreso ao ler a biografia de Goulart, porque em 1963 falavam dele praticamente a mesma coisa que falam de nós hoje”, acentuou.

“Isso acontece porque nunca aceitaram, neste país, alguém que fizesse com que um negro virasse doutor, no máximo, um jogador de futebol. Ou que a filha de uma doméstica se formasse como médica, que o filho de um pedreiro fosse engenheiro. Essa elite deveria, ao contrário, se ajoelhar diante de nós, porque se os mais pobres tiveram ganhos nos últimos anos, o aumento do consumo fez o bolso da gente rica aumentar muito mais. Mas não tem jeito, não nos toleram. Não há explicação para isso, só o preconceito mesmo. É o fato de não admitirem que, antes, o pobre se contentava com carne de pescoço e músculo. Sabem que agora não aceitamos isso. Queremos o filé”, acrescentou.

“Declaração mais típica de Lula que essa é impossível”, afirmou o engenheiro Nilson Azevedo, que saiu da Asa Norte, no Plano Piloto, para assistir ao comício. Nilson disse que ainda não sabe em quem vai votar, mas ficou curioso para ouvir o que tinha a dizer o ex-presidente. Foi entre eleitores com esse perfil que se destacou um dos trechos do discurso de Lula, quando ele falou de falhas cometidas pelo PT.

Opção por Dilma

Sem citar nomes, o ex-presidente afirmou que, assim como ocorre “numa grande família”, alguns integrantes do partido cometeram erros, mas pagaram ou estão pagando por eles. E que a diferença do PT para os outras legendas é que os petistas não colocaram os erros para debaixo do tapete. “No dia em que eu tiver vergonha de usar a camisa vermelha com a estrela do PT que eu criei, deixo de fazer política”, enfatizou.

Sobre os adversários, Lula reiterou que “também ama” Marina (numa referência às declarações recentes da socialista de que o ama), “mas não é o amor que ajuda a escolher quem deve ser candidato”. E explicou que quando optou por Dilma Rousseff para ser a sua candidata, em 2010, tinha nomes até mais antigos no partido que poderiam ser bem aceitos, mas ela foi escolhida pela competência, numa declaração entendida como mensagem implícita de que a presidenciável do PSB, que como Dilma já foi sua ministra, não estaria entre as mais preparadas para governar.

Em relação a Aécio Neves, o ex-presidente criticou o discurso do PSDB de choque de gestão. “Sempre que se fala em choque de gestão, sabemos que isso é o mesmo que falar em arrocho salarial, diminuição do número de trabalhadores e demissão de servidores públicos. É a corda arrebentando do lado dos trabalhadores”, ressaltou.

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