Tarefa gigante

Brasil está com estrutura pronta para realizar a maior eleição da história

Operação envolve 3,5 milhões de pessoas e aparato tecnológico para colher votos de quase 143 milhões de brasileiros. Procedimentos vão de transmissão de dados via satélite a transportes alternativos

Antonio Cruz/Agência Brasil

Equipes do TRE do Distrito Federal lacram urnas que serão utilizadas nas eleições do próximo domingo

Brasília – Depois de campanha eleitoral das mais inusitadas, marcada por tragédia aérea e troca repentina de candidaturas, o Brasil prepara-se para realizar domingo (5) o maior processo eleitoral da história do país. São esperados 142.822.046 eleitores – na maior parte, com idades entre 45 a 59 anos. Nas engrenagens das votações, de um extremo ao outro do país, trabalharão perto de 3,5 milhões de pessoas, entre mesários, servidores públicos, policiais e militares. Isso, sem contar os militantes e fiscais partidários.

Para o envio das urnas e cédulas, foram selecionados transportes que vão de automóveis a barcos, helicópteros e aviões de pequeno porte, mas os brasileiros que moram nos locais mais inóspitos sabem que, dependendo da localização geográfica e do clima do dia, outros tipos de transporte podem ser utilizados e improvisados, como cavalos, jegues e até cestos gigantes para ajudar na subida e descida de eleitores. Não é brincadeira, tampouco novidade para esses moradores.

Até mesmo o voto em trânsito está preparado para ser depositado em maior número. Desta vez, foi estruturada a instalação de urnas em 96 países (sete a mais do que em 2010). Tal engenharia terá o suporte, no geral, de 2,4 milhões de mesários e 29.881 servidores, juntando os do Tribunal Superior Eleitoral e os dos tribunais regionais (TRE).

Somam-se a esse contingente, integrantes da Força Nacional de Segurança, que dará reforço em 132 municípios, localizados em sete estados: os de Amazonas, Sergipe, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Piauí e Maranhão, mas esse número  pode ser aumentado pelos ministros do TSE nos próximos dias.

Indígenas e quilombolas

Outros destaques deste ano são os cuidados especiais às seções eleitorais montadas para indígenas e povos quilombolas, sobretudo nos estados do Ceará e Rondônia, trabalho que vem sendo estruturado desde 2011. No Ceará, são esperados 8.676 índios e 13.996 descendentes de remanescentes de quilombos para depositar votos. Foram montadas 85 seções exclusivas em 33 municípios. Em Rondônia, o sistema eleitoral buscará garantir a votação de 1.605 índios, pertencentes às aldeias Suruí, Cinta Larga, Tupari, Karitiana, Gavião e Oronao.

Não que a mesma preocupação não tenha sido observada em outros estados, mas é que nesses foram consideradas dificuldades em outros pleitos.

Também será realizada uma espécie de votação paralela em urnas sorteadas, com a fiscalização de auditores, para garantir melhor checagem e confiabilidade ao processo eleitoral. Será, ainda, a primeira eleição para presidente em que se fará uso da biometria, de forma a possibilitar a identificação dos eleitores pela impressão digital.

O embaixador do Reino Unido, Alexander Wykeham Ellis, que esteve no TSE em agosto passado, deu uma mostra da expectativa do mundo inteiro com o processo de votação do Brasil. “Viemos até aqui para entender um pouco mais como um país tão grande e tão complexo pode funcionar tão bem em termos de eleições”, afirmou. Assim como Ellis, desde o ano passado, missões de magistrados, parlamentares, técnicos, cientistas políticos e servidores de governos da União Europeia e comitivas de países diversos passaram pelo tribunal e estão de olho no funcionamento do sistema montado para operar no próximo domingo.

Integram a lista representantes de Angola, Sudão, Estados Unidos, Peru, Inglaterra, Bolívia, Uruguai, Chile, Argentina, Paraguai, China, Rússia, Coreia do Sul, Guiné-Bissau, Índia, Irã, Quênia, Timor Leste e Paquistão. Outros grupos preparam-se para chegar até o final de semana.

Resultados tímidos

Entretanto nem tudo é tranquilo ou sai como esperado. No caso da biometria, apenas 762 municípios (incluindo 15 capitais) tiveram o recadastramento biométrico dos eleitores totalmente realizado. E das unidades da federação, só quatro conseguiram completar o recadastramento: Alagoas, Amapá, Sergipe e o Distrito Federal.

O período é de transição de um sistema para outro. Estima-se que os brasileiros terão urnas biométricas de modo mais significativo nas eleições de 2016. A meta da Justiça Eleitoral, conforme informações do TSE, tem atendido às expectativas, visando a ter a identificação biométrica 100% pronta para 2018. O resultado para este ano ainda abrange apenas 21 milhões de pessoas, 15,18% do eleitorado do país.

Apesar desse número, considerado tímido por técnicos ouvidos pela RBA, há outros mais de 2 milhões de eleitores aptos a utilizar a identificação pelas impressões digitais nas eleições que não o farão. É que embora não tenha havido revisão eleitoral em certas localidades, muitos cidadãos que tiraram outro título ou pediram transferência em cartórios eleitorais que já dispõem de kits biométricos aproveitaram a oportunidade para cadastrar as digitais.

Duas exceções em relação a esse sistema, no entanto, serão vistas domingo em Florianópolis (SC) e Bento Gonçalves (RS). Nas duas cidades da região Sul haverá identificação mista de eleitores (com biometria e pelo método tradicional). O problema é que são municípios onde não houve revisão eleitoral biométrica, mas, ao mesmo tempo, as seções eleitorais contarão com urnas eletrônicas e leitor biométrico. Por isso, eleitores que já tenham sido cadastrados poderão utilizar o novo método.

Voto em trânsito

Ponto que tem sido motivo de reclamação é o fato de muitos eleitores que estão longe dos domicílios eleitorais não terem feito o cadastramento para votar para presidente em outros estados, na data prevista. Essas pessoas dizem ter sido pequena a divulgação feita pelo TSE e o repasse de informações sobre a obrigatoriedade de fazer um cadastramento para votação em trânsito. Quem se encontra nessa condição (fora do domicílio) e não comunicou isso até o dia 21 de agosto não poderá votar.

O principal argumento dos queixosos é a desinformação. Alguns partidos políticos já falam em interpor recurso junto ao tribunal para permitir a liberação dessas pessoas para votação.

“A confusão toda é feita porque, em 2010, quem se encontrava em outro estado pôde procurar uma seção e votar. Ninguém precisou, naquela época, avisar antes a Justiça Eleitoral e isso deixou dúvidas em muita gente. É ruim porque, dependendo da quantidade de pessoas que estejam nessa situação, a regra vai prejudicar o resultado deno Mato Grosso. algumas tendências de intenção de voto”, disse Roberto Simões, do diretório do PMDB

Discussão entre ministros

Até mesmo entre os ministros da mais alta corte eleitoral, o clima esquentou. Tudo por críticas feitas, nos últimos dias, pelo ministro Gilmar Mendes, vice-presidente do TSE, aos magistrados que integram o tribunal e são provenientes da advocacia.

Mendes disse que seria necessário avaliar a convocação de ministros e juízes eleitorais no momento de julgar a impugnação de políticos, sugerindo que alguns poderiam ter trabalhado em escritórios que já os tiveram como clientes. A declaração levou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e vários magistrados a divulgar notas opondo-se a Mendes e manifestando solidariedade aos magistrados da Justiça Eleitoral nestas condições.

Esse é o primeiro pleito em que o país irá às urnas em plena vigência da Lei da Ficha Limpa, que tirou do cenário candidatos com problemas de improbidade e escândalos de corrupção, réus em ações na Justiça. Casos, por exemplo, do ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM) e do ex-governador e deputado por São Paulo, Paulo Maluf (PP).

Helicópteros e muitos barcos

“Não adianta, vão existir sempre reclamações, mas nós nos empenhamos para fazer o melhor e, se você for observar com detalhes, o estímulo dos servidores dos tribunais pelo trabalho aumenta neste período de eleições. É muita tarefa, mas também é gratificante saber que o exercício da cidadania de muita gente que mora em áreas tão distantes depende de nós”, disse a técnica judiciária Lúcia Gomes, do TRE do Amazonas.

Com experiência em quatro eleições, Lúcia sabe do que fala. No Amazonas, quatro helicópteros estão preparados para atender as zonas eleitorais em aldeias no município de Atalaia do Norte, distante a 1.136 quilômetros de Manaus, na fronteira com o Peru. Em outro município lá localizado, o de Borba, para a chegada das urnas é necessário o seguinte percurso: uma viagem de oito horas de barco, seguida de mais uma hora de ônibus, 10 minutos de rabeta (espécie de embarcação a motor com hélice traseira) e duas horas de lancha voadeira (outro tipo de embarcação bastante comum na Amazônia). Em outro local no mesmo estado, o Seringal Metaripuá, no rio Purus, o percurso é de seis dias de barco.

Para que o resultado das eleições seja feito no mesmo dia, essas localidades contarão com processo de transmissão remota de votos, via satélite. No Amazonas, a estrutura foi montada em 380 áreas. No Pará, em 337, no Mato Grosso, em 90, no Piauí, em 86, e no Maranhão, em 80 dessas áreas (são os quatro estados com municípios tidos como mais complicados em termos de localização das seções eleitorais).

Os votos serão distribuídos via satélite em 1.269 destas localidades distantes, no total em 380 municípios de 16 estados. Além dos já citados, os do Acre, Amapá, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rondônia, Roraima e Tocantins.

Esse tipo de transmissão via satélite tem sido realizada desde 2008, nas seções eleitorais instaladas em aldeias, terras e reservas indígenas, seringais, comunidades ribeirinhas, colônias, quilombos, assentamentos, zonas rurais e vilarejos isolados, mas não na quantidade estruturada para estas eleições. Em tais locais, no dia “D”, os votos computados pela urna eletrônica serão enviados via satélite para o TRE de cada estado e, a partir daí, entrarão em uma rede de comunicação de uso restrito, não conectada à internet, para que possam ser recebidos e computados.

Quem acompanha as eleições no país, sabe que os cuidados têm razão de ser. Em 2005, por exemplo, no referendo em que a população se manifestou contra a proibição às armas de fogo, foi preciso uma operação de emergência no Mato Grosso. Na época, a chuva derrubou uma ponte que dava acesso aos municípios do lado oeste do estado, pouco antes da data.

Os moradores, durante duas semanas, ficaram impedidos de passar para a outra margem, a não ser por meio de barcos pequenos que não poderiam efetuar o transporte das urnas e até mesmo gêneros alimentícios tiveram de ser jogados por aviões, que não tinham como pousar. O Ministério do Exército, então, reconstruiu a ponte em tempo recorde a pedido do TSE.

Um ano antes, em 2004, o final não foi tão feliz. Num acidente aéreo, morreram três estudantes da Universidade do Amazonas que estavam a serviço da Justiça Eleitoral. Eles tinham levado as urnas para as regiões mais distantes do interior, onde o acesso só se dá por barco ou avião.

Desta vez, se tudo der certo, a previsão é de que o eleitor brasileiro demore apenas 1 minuto e 14 segundos, em média, para votar. E, também, que o sistema a permitir todo o processo seja feito da forma mais segura possível, para os eleitores e às pessoas que trabalharão na operação.

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Mapa de Colégios Eleitorais
Mapa de Colégios eleitorais do Brasil, por estado e região

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