Gabinete paralelo

Grupo de pastores controla agenda do MEC e destino de verbas públicas, informa reportagem

Religiosos ligados a Milton Ribeiro teriam trânsito livre no MEC. Sem cargos ou expertise no setor de ensino, grupo atua como lobbista para empresários

Instagram Milton Ribeiro
Instagram Milton Ribeiro
O grupo é capitaneado pelos pastores Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura da Assembleia de Deus no Brasil

São Paulo – O Ministério da Educação tem um “gabinete paralelo” formado por pastores que, mesmo sem um vínculo formal com a pasta ou com o setor de ensino, controlam a agenda do MEC e do ministro Milton Ribeiro, a quem são ligados. Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, divulgada nesta sexta-feira (18), mostra que os religiosos atuam como lobistas e têm trânsito livre no ministério. Eles viajam em voos da FAB, fazem intermediação com prefeituras e empresários, discutem as prioridades da pasta e o destino das verbas públicas do setor de educação. 

De acordo com o veículo, o grupo é capitaneado pelos pastores Gilmar Silva dos Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, e Arilton Moura, assessor de Assuntos Políticos da entidade. Ao longo dos últimos 15 meses, os dois participaram de 22 agendas oficiais do Ministério da Educação. A maioria delas, 19, no total, com a presença de Ribeiro, que também é pastor. Algumas das reuniões são descritas como “alinhamento político” na agenda oficial. 

“Os pastores atuam especialmente na intermediação entre a pasta e prefeitos do Progressistas, do PL e do Republicanos, legendas que integram o núcleo duro do Centrão. O bloco de partidos comanda o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O órgão que concentra os recursos do ministério é presidido por Marcelo Ponte, ex-assessor do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, chefe do Progressistas. De um orçamento de R$ 45 bilhões do MEC em 2022, o FNDE possui R$ 945 milhões”, destaca a reportagem. 

Tráfico de influência e irregularidade

O acesso diferenciado, no entanto, revela indícios de irregularidade e até mesmo tráfico de influência. Segundo o especialista em Direito Público Cristiano Vilela, praticar atos dentro do gabinete do ministro e fazer anúncios oficiais em atos do governo poderiam ser enquadrados como usurpação da função pública. Acompanhando o ministro em viagens pelo país, os pastores se dizem responsáveis por garantir verbas para prefeituras. “Qualquer pessoa pode levar determinados pleitos a algum representante do poder público. É legítimo. Agora, a partir do momento que passa a ser uma prática, um exercício de uma atividade pública (por alguém que não faz parte da administração), configura o crime”, disse Vilela.

A interferência no Ministério da Educação foi considerada “gravíssima”, nas palavras do senador Rogério Carvalho (PT-SE). Em suas redes sociais, o parlamentar lembrou que a CPI da Covid já havia revelado a existência de um gabinete paralelo no Ministério da Saúde em meio à condução da pandemia. O grupo era formado por médicos antivacinas que defendiam o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes no tratamento da covid-19, como cloroquina e ivermectina. “Agora há outro desses gabinetes no controle de verbas do MEC. Os órgãos de controle precisam agir imediatamente”, cobrou o senador.

O teólogo, ativista e pastor auxiliar na Comunidade Batista em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, Ronilson Pacheco, também ressaltou em seu perfil no Twitter que a movimentação na pasta da Educação “não é nova”. “Milton Ribeiro é ‘comandante’ de um exército fundamentalista que sempre viu o ME (Ministério da Educação) como uma das principais trincheira do que eles consideram ‘guerra cultural’. Vai deixar a Educação no país devastada, moralista e medíocre”, criticou. Internautas também repercutiram o caso como uma “mamata com dinheiro público da Educação”. O ministro da Educação não se manifestou sobre as denúncias. Os pastores também não responderam ao contato da reportagem do jornal.

Confira as repercussões