Projeto de destruição

MEC sob Bolsonaro: do ‘combate ao comunismo’ ao escândalo dos pastores

Quarto ministro da pasta no atual governo, Milton Ribeiro, que caiu hoje, pode dar lugar ao secretário-executivo do MEC ou a diretor do FNDE

Flickr/Clauber Cleber Caetano/PR
Flickr/Clauber Cleber Caetano/PR
Tchau e bênção: Milton Ribeiro tomou posse em julho de 2020 falando em "valores constitucionais da laicidade"

São Paulo – O agora ex-ministro da Educação Milton Ribeiro pediu exoneração do cargo nesta segunda-feira (28), após ser abandonado pelos próprios aliados, em decorrência do escândalo do favorecimento a pastores evangélicos por verbas de sua pasta. Com isso, o atual presidente Jair Bolsonaro chegará, no mês de abril de 2022, último ano de mandato, ao seu quinto ministro da Educação. O substituto de Ribeiro pode ser o secretário-executivo do ministério, Victor Godoy. Fala-se também em Garihgam Amarante, diretor de Ações Educacionais do FNDE.

Nas redes sociais, dois ex-ministros da Educação comentaram sobre a pasta que já comandaram. Fernando Haddad resumiu a atual situação: “Em meio à destruição do MEC, vamos para o quinto ministro em menos de quatro anos. Propina em ouro e distribuição de Bíblia com foto do ministro. Volta do analfabetismo de crianças e jovens e nenhuma política pública anunciada. E a justiça querendo calar o grito contra tudo isso”, disse, fazendo também referência à tentativa de Bolsonaro de censurar manifestações contra o seu governo por artistas e público do festival Lollapalooza deste fim de semana, em São Paulo.

Por sua vez, Renato Janine Ribeiro lembrou um desafio importante que deve estar na agenda de educadores e entidades estudantis: “Este ano deve ser reavaliada a política de cotas (sociais, étnicas e com deficiência) na educação. A não ser que a lei de 2012 seja revogada, ela continuará em vigor. Mas temos que lutar por auxilio à permanência dos cotistas, basicamente residência, alimentação e material didático”, escreveu. A Lei de Cotas (n° 12.711, de 2012) completa dez anos em 2022. A própria legislação prevê sua revisão este ano, em debate que deve ocorrer no Congresso Nacional.

O ministro demissionário Milton Ribeiro, anunciado em julho de 2020, era o quarto nome nomeado para o MEC em um ano e meio de governo Bolsonaro. Ao assumir, no dia 16 daquele mês, ele disse que seu “compromisso”, “conquanto tenha a formação religiosa”, era “bem firmado e localizado em valores constitucionais da laicidade do Estado e do ensino público”.

Os valores de Ribeiro e o ministro que nunca foi

O próprio Milton Ribeiro demonstrou os “valores” de sua gestão nas “teses” que defendeu ao longo de pouco mais de 18 meses no cargo. Ele chegou a afirmar que crianças com deficiência “atrapalham” a escola, já que seriam “de impossível convivência”. E emendou que o governo Bolsonaro não defende “inclusivismo”. Afirmou que gays vêm de “famílias desajustadas”, entre outras “teses”.

Sua pedagogia consiste, como ele mesmo explicou, em que “não dá para argumentar de igual para igual com criança (…) Deve haver rigor, severidade” e, para concluir, “(criança) deve sentir dor”, ensinou em uma pregação.

Ribeiro foi levado ao cargo porque o antes indicado, Carlos Alberto Decotelli, nem mesmo chegou a assumir. Bolsonaro teve de recuar da nomeação deste último – aquele que nunca foi – após vir a público que o economista e professor havia mentido em seu currículo. Ele dizia ser “técnico”, e não político, para tentar disfarçar ser associado com o histórico de seu antecessor, Abraham Weintraub. O caso Decotelli fez com que entidades ligadas à educação classificassem o episódio como “no mínimo grotesco”.

Mas a tentativa do então ex-futuro ministro se justificava, pelo menos para ele mesmo. O olavista Weintraub (discípulo do “filósofo” e guru do bolsonarismo Olavo de Carvalho, falecido em janeiro deste ano) era dono de “pensamentos” em si mesmos grotescos. “Os comunistas estão no topo do país. Eles são o topo das organizações financeiras. Eles são os donos dos jornais. Eles são os donos das grandes empresas. Eles são os donos dos monopólios”, defendeu em um evento.

Recuando ainda um pouco mais no tempo, chegamos ao primeiro ministro da Educação de Bolsonaro, Ricardo Vélez Rodríguez, um colombiano, que em sua posse, em 2 de janeiro de 2019, destacou como diretrizes “a educação básica, com o desenvolvimento de políticas públicas de combate – principalmente ao analfabetismo –, mas também de fortalecimento da educação em creches e escolas, de jovens e adultos”. Prometeu atenção a estudantes com deficiência e outras coisas.

Apesar do “compromisso” de Vélez Rodrigues, conforme dados de 2020, nem um terço (31%) das crianças de 0 a 3 anos estava em creche no ano anterior, em 2019, interrompendo “um ritmo de avanço dos últimos anos”, segundo matéria da Folha de S. Paulo a partir de dados do Comitê Técnico de Educação do Instituto Rui Barbosa (IRB), ligado aos Tribunais de Contas dos Estados.

Weintraub: “verdadeiro olavete

Vélez Rodríguez caiu em abril de 2019, dando lugar a Weintraub. Sua curta passagem pelo MEC foi marcada por trapalhadas e por afirmação à revista Veja em que disse que “o brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião, ele acha que sai de casa e pode carregar tudo”. Foi por isso notificado pela ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), para se explicar, e escreveu no Twitter que “ama o Brasil e nosso povo”. Ao demiti-lo, Bolsonaro justificou que era “uma pessoa bacana, honesta, mas está faltando gestão”.

A ascensão de Wentraub foi comemorada pelo próprio Olavo de Carvalho. “Trocaram um pseudo olavete por um verdadeiro olavete”, comentou o “guru” na época. A única “plataforma” de Weintraub no MEC ao assumir era o combate ao comunismo, como observou na ocasião o repórter João Filho, do Intercept Brasil.

Independentemente do ministro, o projeto de Bolsonaro para a educação – com corte de verbas, estrangulamento financeiro de universidades federais e ataques ideológicos ao sistema – era e é um só: a “destruição do MEC”, como afirmou Fernando Haddad.


Leia também


Últimas notícias