Em São Paulo

Um ano após prefeitura dizer que zerou fila da creche, ao menos 28 mil crianças aguardam vaga

Administração paulistana é acusada de usar “maquiagem de dados” para zerar artificialmente espera por vaga

Fabio Arantes / SECOM / PMSP
Fabio Arantes / SECOM / PMSP
"O prefeito Ricardo Nunes está tentando criar um depósito de bebês e crianças na educação infantil e dizendo para a população que zerou a fila, mas ele está enganando a população", contesta vereador

São Paulo – Ao menos 28.592 crianças aguardavam uma vaga em creches da rede pública municipal de São Paulo nove meses após o então prefeito Bruno Covas (PSDB), morto em janeiro desse ano, e seu sucessor, o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), anunciarem que tinham zerado a fila da creche. Os dados, no entanto, já estão defasados, pois se referem a setembro e só foram publicados em 10 de novembro, após questionamento da Rádio Brasil Atual sobre a falta de atualização.

As piores situações estão em distritos como o de Sapopemba, na zona leste, com 1.250 crianças na fila; Tremembé, na zona norte, com 1.010 crianças esperando vaga, e no Grajaú, na zona sul, com 988. A auxiliar administrativa Letícia Marinho, moradora do Jardim Myrna, na região do Grajaú, conta que está há quatro meses esperando uma vaga para o filho Arthur, de um ano e cinco meses. 

“Tem quatro meses que solicitei a vaga para o meu filho e eles pediram para aguardar. Falaram que em até cinco dias úteis me davam uma resposta, mas não me responderam até agora. Já liguei lá e disseram que ainda não tem vaga para ele. Pago muito caro para uma pessoa cuidar dele e como também pago aluguel e tudo, para mim, fica ainda mais pesado ter que pagar por essa pessoa”, relata a auxiliar.

Enganando a população

Letícia conta ainda que pediu informações sobre a vaga nesta terça-feira (16) e foi informada que ainda há 60 crianças na fila, na frente do filho dela. Para o vereador e membro da Comissão de Educação da Câmara Municipal, Celso Giannazi (Psol), a situação mostra que o anúncio do fim da fila, em 12 de dezembro do ano passado, não passou de uma “maquiagem” nos dados.

“O que o prefeito Ricardo Nunes e sua administração têm feito é maquiar as demandas de vagas nas creches. Porque desde o ano passado, durante a campanha eleitoral, com o prefeito Bruno Covas ainda, a administração tentou maquiar criando vagas, creches e escolas fantasmas para zerar a fila. E o que nós víamos eram unidades que não tinham a mínima estrutura para serem unidades escolares e que já estavam desembolsando recursos públicos”, contesta o vereador.

Fila da creche, um problema antigo

Professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e integrante do Fórum Paulista de Educação Infantil, Célia Serrão também avalia que a prefeitura se aproveitou da pandemia e do ensino remoto para inflar o número de matrículas realizadas.

“No ano passado, nós estávamos nessa época sem o atendimento presencial. Era isolamento completo, nenhuma atividade presencial com as crianças. Tivemos um aumento bastante significativo de matriculas num momento em que a atividade proposta era mediada pela tela e houve um aumento grande de matrículas em creche, de 0 a 3 anos. O que nós acompanhamos e ficamos preocupados no passado, era que muitas vagas foram atribuídas a salas que não existiam. Matrículas foram feitas com vagas que na verdade não existiam”, descreve. 

Essa situação remete ao que a RBA revelou em janeiro de 2018. À época, quando Doria era prefeito de São Paulo, centenas de crianças foram matriculadas em creches que ainda estavam em obras. Não havia qualquer previsão concreta de quando elas poderiam frequentar as aulas. Mesmo assim, as crianças foram retiradas dos dados de demanda escolar, reduzindo artificialmente a fila da creche.

Em junho desse ano, numa nova investida para reduzir a fila da creche de forma artificial, o governo Nunes publicou a Instrução Normativa 21, aumentando o número de bebês por turma nas creches. Pela regra, o berçário 1, que atende crianças até um ano, passaria de 7 para 9 crianças por educador. E o berçário 2, de 11 meses a 2 anos, passaria de 9 para 11. Giannazi conseguiu derrubar a medida na Justiça. Ele destaca que o governo Nunes não tem projeto de ampliação do atendimento, apenas de precarização do que já existe.

Riscos à educação infantil

A professora avalia que um aumento do número de crianças por turma, nos berçários 1 e 2, para resolver a demanda, vai prejudicar severamente a qualidade do ensino e até mesmo a segurança das crianças. Outra medida proposta recentemente pelo governo Nunes é a extinção da divisão de crianças em minigrupos. O que também pode prejudicar o atendimento das crianças em creches.

Hoje, o minigrupo 1 atende até 12 crianças com idades de 2 a 3 anos. E o minigrupo 2 atende até 25 crianças na faixa etária de 3 a 4 anos. A proposta de Nunes é que eles sejam um grupo só, chamado de multietário, com até 19 crianças, de 2 a 4 anos, o que permitiria ampliar o número de crianças atendidas. Essa medida também prejudicaria o atendimento das crianças, pois elas estão em momentos diferentes do desenvolvimento. O vereador também ingressou com uma ação judicial contra a medida. Nesta terça, a justiça deu 72 horas para a prefeitura se manifestar sobre o tema. O governo Nunes, contudo, não respondeu aos questionamentos da RBA.

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