Desmonte da ciência

‘Apagão do conhecimento’ no Brasil passa a ser um risco com fim da avaliação da pós-graduação

Presidenta da ANPG avalia que há interesses por trás da ação judicial que suspendeu a avaliação quadrienal dos programas. “Querem acabar com as regras que garantem a qualidade e abrir esse filão para setores econômicos da educação”, critica Flávia Calé

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ANPG mostra que até 90% da produção científica nacional se dá vinculada à pós-graduação

São Paulo – A suspensão da avaliação quadrienal dos programas de pós-graduação do Brasil coloca em risco toda a produção de conhecimento no Brasil, que fica a passos de um “apagão de dados”. É o que alerta a doutoranda em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP) e presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Flávia Calé. Em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual, a especialista avaliou a renúncia coletiva de pelo menos 52 pesquisadores ligados à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes) como uma manifestação “sintomática do processo de “desmonte” da ciência brasileira no qual “todas as áreas da Capes estão sob ataque”. 

De acordo com ela, sem a avaliação, “estamos primeiro correndo o risco de ter uma desregulamentação da pós-graduação”. “Ou seja, hoje temos regras de qualidade que garantem que a pós-graduação esteja voltada para o sentido público, e não para interesses de mercado. E, na minha opinião, um dos interesses dessa ação judicial que paralisa o sistema de avaliação é justamente a desregulamentação. Ela busca acabar com as regras que garantem a qualidade e abrir esse filão de mercado para setores econômicos da educação”, destaca. 

A avaliação quadrienal da pós-graduação foi suspensa na Justiça em setembro após pedido do Ministério Público Federal (MPF). A paralisação, segundo o quadro técnico da agência, “compromete o trabalho dos pesquisadores”. Em carta conjunta, divulgada nesta segunda (29), os servidores afirmam que não têm conseguido trabalhar seguindo padrões acadêmicos. Além disso, segundo eles, a presidência da Capes não tem atuado para defender a avaliação dos programas. Os pesquisadores apontam ainda que há uma “corrida desenfreada” para abertura de novos cursos de pós a distância. 

Capes sofre o maior ataque desde 1990

Essa é a segunda demissão em massa em um órgão fundamental da educação brasileira em menos de um mês. Antes dela, no início de novembro, 37 servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) também pediram para deixar funções de chefia a menos de duas semanas da realização das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). De acordo com a presidenta da ANPG, a agência de fomento à pesquisa, administrada pelo Ministério da Educação (MEC), “tem sofrido o maior ataque desde 1990, quando ela foi fechada pelo governo Collor”. 

“É realmente lamentável e faz parte desse contexto de desmonte. Todas as áreas hoje da Capes estão sob ataque”, observa. 

Risco de apagão do conhecimento

Para Flávia, todo este processo faz parte de um projeto de desestruturação do governo de Jair Bolsonaro. A especialista adverte, no entanto, que a pós-graduação responde a uma “função estratégica do país” de formação de um “sistema robusto de produção tecnológica, científica e de formação de novos para a sociedade que é fundamental”. A ANPG mostra que até 90% da produção científica nacional se dá vinculada à pós-graduação. O que permite, inclusive, a possibilidade de o Brasil pensar sobre o futuro e a autonomia, como ressalta a doutoranda.

“O combustível do desenvolvimento são mentes, cérebros, pessoas com capacidade de desenvolver tecnologia. E disso depende a autonomia tecnológica do Brasil. O mundo vai se dividindo entre aqueles que produzem e os que consomem tecnologia” ressalta. “E a ciência tem sido um lugar de resistência, de luzes, que descortina esses mitos e a rede de mentiras criada no Brasil, sendo responsável por enfrentar também esse genocídio que aconteceu em relação à pandemia. Quem reagiu à ela foram as instituições do Estado: as universidades, os institutos de pesquisa e o SUS”, justifica Flávia Calé. 

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção


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