Só com segurança

Volta às aulas no Rio: ‘Não recomendamos’, alerta Fiocruz, após decisão do TJ

Fiocruz alerta para casos e mortes em níveis elevados: reabertura de escolas, só com segurança para alunos, pais e trabalhadores da educação

Arquivo Abr
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Fiocruz alerta que proporção de novos casos no Rio nos últimos sete dias foi de 105 casos para cada 100 mil habitantes. "Elevadíssimo risco para o retorno às aulas”

Rio de Janeiro – Um dia depois de o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro cassar a liminar que suspendeu a volta às aulas nas escolas públicas e particulares do Rio de Janeiro, a Fiocruz divulgou na quarta-feira (7) comunicado onde elenca dados alarmantes da pandemia de covid-19 na cidade e recomenda o não retorno às atividades presenciais. A recomendação, publicada por intermédio da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, já é usada pelos sindicatos dos profissionais da Educação como munição na batalha travada com o prefeito Eduardo Paes (DEM) em torno da questão.

“Os indicadores relacionados à pandemia de covid-19 mostram casos e mortes em níveis elevados. Diante desse quadro, não recomendamos a abertura das escolas e, consequentemente, alertamos para a suspensão das atividades educacionais no Município do Rio de Janeiro até que haja melhora nos indicadores que garantam um retorno seguro para alunos, pais, professores e trabalhadores da Educação”, diz o documento assinado pelo diretor da ENSP/Fiocruz, Hermano de Castro, e pelo epidemiologista e pesquisador André Périssé.


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A Fiocruz alerta que a proporção de novos casos no Rio nos últimos sete dias foi de 105 casos para cada 100 mil habitantes, o que caracteriza “elevadíssimo risco para o retorno às aulas”, segundo os especialistas. A Fundação cita também a elevada taxa de contágio na cidade (R=1.45) como indicativo da “evolução da pandemia e aumento da velocidade de propagação do vírus” e a taxa de ocupação acima dos 90% nos leitos de enfermaria e UTI nos hospitais.

Para Afonso Celso Teixeira, vice-presidente do Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro (Sinpro-RJ), os dados científicos são claros: “O relatório da Fiocruz corroborou aquilo que a gente vinha falando. Antes as escolas só poderiam ser abertas na fase laranja e hoje, mesmo com o Rio estando na fase roxa, se permite a reabertura, inclusive com o aumento do número de alunos, que de 35% passou para 50%”, diz.

O prefeito, defensor da reabertura das escolas, parece não ver incoerência na situação. Paes teve sua prerrogativa de deliberar sobre essa questão confirmada pelo presidente do TJ-RJ, desembargador Henrique Figueira, quando este cassou na terça-feira (6) a liminar pela suspensão da volta às aulas concedida na noite de domingo (4) durante o plantão judiciário: “O que prevalece é o respeito aos critérios utilizados pelo Poder Executivo, a quem por preceito de índole constitucional cabe definir seus planos de ação no combate à pandemia. A separação dos poderes deve ser respeitada diante da necessidade de se observar as escolhas administrativas tomadas com base em orientações técnicas, não competindo ao julgador substituir o administrador nas decisões tomadas”.


Pressão por volta às aulas sem segurança aumenta riscos à saúde mental de professores


Segundo Figueira, “cabe ao Executivo, com exclusividade, adotar as medidas que entender razoáveis e necessárias para a circulação de pessoas e o funcionamento dos estabelecimentos comerciais e instituições de ensino”.  O presidente do TJ-RJ ressalta em sua decisão que “o Município instituiu Protocolo Sanitário de Prevenção à Covid-19, adotando diretrizes do retorno presencial, com procedimentos a serem adotados desde a chegada à unidade escolar. Ao contrário do que aventa a decisão atacada quando impediu o retorno das aulas presenciais, todas as escolas seguem o sistema de rodízio entre seus funcionários e alunos, mantendo distanciamento e os devidos cuidados pertinentes, também continuando com aulas através da via remota. Na verdade, os pais podem escolher se deixam ou não seus filhos frequentarem as aulas”.

Ciência versus Prefeitura

“Temos os dados científicos de um lado e os interesses políticos da Prefeitura de outro”, afirma Izabel Costa, coordenadora-geral do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro (Sepe-RJ). Ela condena o posicionamento adotado por Paes sobre a volta às aulas no Rio: “Estamos indignados porque todos os dados e estudos apontam para um crescimento galopante da pandemia no Rio. Temos uma situação muito grave no que diz respeito às vagas nos hospitais e continuamos com uma Prefeitura que, apesar de dizer que segue a ciência, na verdade abraça com toda a força a agenda do negacionismo, mantendo a qualquer custo a cidade aberta e as escolas abertas”.

Para Izabel, não há como controlar a disseminação do coronavírus se as aulas presenciais retornarem: “As escolas são vetores de contaminação porque em muitos casos não estão preparadas de forma estrutural. Além disso, os alunos e professores não se teletransportam para as unidades escolares. Eles fazem o seu deslocamento nos ônibus, trens e BRTs que diariamente nós vemos lotados e sendo focos de contaminação”, diz. Ela aposta na mobilização, ainda que virtual: “Acreditamos que a pressão da sociedade é a única opção que nos resta para reverter esse quadro”.

Os sindicatos prometem não dar vida fácil às escolas que não respeitarem os protocolos de segurança de alunos, funcionários e professores para volta às aulas presenciais no Rio. O Sinpro-RJ organizou uma lista das escolas que desrespeitaram a suspensão da volta às aulas na segunda-feira (5): “Repassamos todas as denúncias recebidas para os vereadores proponentes da Ação Popular que motivou a suspensão das aulas. Eles devem tomar providências para que as escolas que abriram sejam multadas pelo menos por aquele dia e pelo dia seguinte, já que a liminar só foi cassada no fim da manhã de terça (6). Então, quem abriu às 7h30 da manhã estava na ilegalidade”, diz Afonso Celso Teixeira.

Projeto de Lei

Mesmo com a decisão do TJ-RJ, afirma Teixeira, as denúncias irão continuar: “O Sinpro segue denunciando as escolas que insistem em desrespeitar até mesmo os protocolos afrouxados pelos decretos. Há escolas que nem sequer estão oferecendo o ensino remoto. Temos denunciado essas escolas à Vigilância Sanitária, aos conselhos estadual e municipal de Saúde e de Educação e às comissões de Saúde e de Educação da Câmara dos Vereadores e da Assembleia Legislativa (Alerj). Basta algum órgão fiscalizar que vai encontrar. Há muitos responsáveis por alunos ligando para o Sindicato”.

Na Alerj, um Projeto de Lei que fixa critérios para a “vedação de atividades educacionais presenciais durante epidemias, endemias e pandemias” foi apresentado esta semana pelo deputado estadual Waldeck Carneiro (PT): “É muito importante ter uma regulamentação inscrita na legislação estadual sobre a volta às aulas. Uma legislação que discipline o tema em todos os municípios, em escolas públicas e escolas particulares, na educação básica e na educação superior. Porque, em primeiro lugar, a sociedade – estabelecimentos de ensino, profissionais da Educação, famílias, movimentos sociais – precisa saber que diretrizes cumprir e que norma deve organizar a conduta desses segmentos. Além disso, é preciso antes de mais nada tomar como referência as diretrizes sanitárias, o que me parece óbvio no meio de uma pandemia mortal como essa”, diz o parlamentar.

Clareza para volta às aulas no Rio

O PL prevê o respeito aos mapas de risco elaborados pelo poder público: “Se a autoridade sanitária estadual divulga regularmente um mapa com a gradação dos riscos nos diferentes municípios do Rio que vai de muito alto a muito baixo, é necessário que esse seja o primeiro parâmetro para definir se em um determinado território é possível voltar as aulas ou não. No projeto, risco alto ou risco muito alto significa a impossibilidade de aulas presenciais. Se o risco for moderado, baixo ou muito baixo, pode ter aula presencial desde que se leve em conta a imunização dos profissionais da Educação e o cumprimento dos protocolos de higiene nas escolas”, diz Waldeck.

A inciativa foi bem recebida pelos sindicatos: “Apoiamos o PL e uma legislação que claramente defina o fechamento das unidades escolares porque não há mais faseamento, não há mais cor – antes era vermelha, depois passou para a roxa – e agora nós já não sabemos em que momento as escolas fecharão. Pelo jeito, em nenhum momento. Esse quadro leva ao grande trauma que estamos vivendo em termos de sociedade e em termos de escola. Diariamente temos notícias de doenças e de falecimentos na Educação”, diz Izabel Costa.

A coordenadora-geral do Sepe-RJ faz um apelo à sociedade: “Sigam e ouçam os institutos científicos e os infectologistas sérios desse país. É hora de fazer o lockdown, não é hora de deixar escola aberta”. O deputado petista complementa: “É preciso, por um lado, se preocupar com a garantia do direito à Educação e, por outro lado, não tentar garantir esse direito colocando em risco a saúde e a vida de profissionais, estudantes e suas famílias”.


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