Sem conexão

Tablets para alunos da rede pública em São Paulo ficam para agosto, com um ano de atraso

Prefeitura de São Paulo atrasa novamente cronograma e adia a distribuição. Movimento de famílias da escola pública aponta “descaso” do município com a educação de crianças. Ao menos 60 mil alunos não conseguiram estudar a distância

Prefeitura de SP/Divulgação
Prefeitura de SP/Divulgação
"Desde o ano passado isso deveria ter sido mais bem planejado para que chegássemos agora com os tablets. Está atrasado demais", critica movimento de famílias dos estudantes da rede pública de ensino

São Paulo – Pela terceira vez, a prefeitura de São Paulo descumpriu o prazo de entrega de tablets para os alunos da rede pública municipal, que deveria ser concluída até o fim deste mês. O novo prazo para finalizar a distribuição é em agosto de 2021, um ano após o anúncio de compra. A nova previsão foi confirmada pelo secretário municipal de Educação do governo de Bruno Covas (PSDB), Fernando Padula. Ele prometeu, nesta terça-feira (20), que a prefeitura vai entregar 20 mil tablets por semana aos alunos da rede pública municipal. O compromisso foi firmado junto ao Movimento Famílias pela Vida, que agrupa famílias de estudantes do ensino público paulistano na defesa do direito à educação de qualidade. 

A meta da prefeitura indica, no entanto, que serão necessárias 23 semanas, ou seja, cerca de cinco meses para a distribuição completa dos 465 mil tablets que a gestão municipal quer usar para reforçar o ensino a distância. Além do atraso, a preocupação do movimento é que “até lá, os estudantes não tenham seu direito à educação garantido”. 

Dados da própria Secretaria de Educação mostram que 60 mil alunos, o equivalente a 10% de toda a rede municipal, não tiveram contato com a plataforma de estudo online da prefeitura paulistana ao longo do ano passado. Aqueles que não conseguiram resolver as questões de acesso de maneira individual seguem há cerca de um ano sem a possibilidade de conexão com a plataforma Google Classroom, onde são armazenadas as atividades educativas. Suspensas em abril de 2020, as aulas presenciais foram retomadas na capital paulista no dia 15 de fevereiro deste ano. Mas as escolas foram novamente fechadas no dia 17 de março com o decreto da fase emergencial.  

Atrasos e irregularidades

Com retorno à fase vermelha da quarentena, a prefeitura voltou, contudo, a reabrir as quatro mil unidades escolares na semana passada, mas manteve o chamado ensino híbrido, que combina aulas presenciais e a distância. Há ainda cerca de 20% do total de alunos que tiveram baixa conectividade com a plataforma de ensino ao longo dos últimos 11 meses. 

A proposta da prefeitura de São Paulo era distribuir os tablets com chip até dezembro passado para os estudantes dos ensinos fundamental I e II, médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) com mais dificuldade no acesso ao ensino remoto. Mas o prazo de entrega foi adiado para o fim de abril até ser novamente postergado nesta terça. O processo de licitação também foi marcado por denúncias de irregularidades por parte do Tribunal de Contas do Município (TCM), que chegou a suspender a compra no final de setembro

A avaliação do movimento é que houve falhas na licitação e no planejamento da prefeitura. Para a integrante do Famílias pela Vida, que é também mãe de um aluno da rede pública, Thalita Pires, todo esse atraso também expõe que a educação pública não é uma prioridade para a gestão tucana. 

Descaso com a educação

“Sabemos que há dificuldades, não estamos falando que tem que estalar um dedo e aparecer um tablet. O que estamos falando é que desde o ano passado isso deveria ter sido mais bem planejado para que chegássemos agora com os tablets. Está atrasado demais. Não podemos aceitar que as crianças recebam os tablets no final do ano letivo. É um descaso tão brutal”, contesta Thalita à RBA

“Há crianças que não estão conseguindo estudar, que não têm um professor para conversar com elas na tela. E se tem professor dentro da sala de aula é um professor a menos para falar no ensino à distância. Por isso que falamos que precisa de mais professores. Não dá para atender os dois tipos de ensino com o quadro de professores atual. E para resolver isso não adianta abrir escola na marra. Abrir a escola na marra significa colocar toda a comunidade escolar para morrer, descontrolar ainda mais a pandemia e depois fechar tudo de novo. Porque vão faltar hospitais”, completa. 

Além da falta de conectividade, no ano passado, a décima edição da pesquisa TIC Educação 2019 também revelou que quase a totalidade dos estudantes de escolas urbanas do país (98%) acessavam a internet pelo telefone móvel. Enquanto 18% faziam uso da internet exclusivamente pelo celular para prosseguir nos estudos em tempos de isolamento. Considerando apenas os estudantes de escolas públicas, o índice saltava para 21%. Além de não ser um equipamento adequado para a realização de atividades, de acordo com a integrante do Famílias pela Vida, em muitos casos um único celular ainda precisa ser dividido entre irmãos com diferentes idades escolares. “E enquanto os tablets não chegam também não há alternativa”, observa.

As demandas

A secretaria municipal de Educação alega que os tablets em São Paulo estão “em fase de distribuição”. Mas a informação é que as escolas que receberem os equipamentos deverão também ser responsáveis por configurá-los para o uso de cada aluno. O ideal, para o movimento das famílias dos estudantes, era que os tablets fossem enviados pela prefeitura de São Paulo já configurados. A avaliação é que desde o início da pandemia os profissionais da educação são sobrecarregados com jornadas de trabalho superiores a oito horas. Em greve há mais de 50 dias, a categoria também reivindica que o ensino continue de forma remota até que ocorra vacinação e testagem em massa. 

“São muitas coisas envolvidas. Nosso movimento defende que não pode voltar às aulas agora, mas nem por isso, a gente pode aceitar que os alunos fiquem sem educação. A secretaria fala que as atividades estão sendo postadas no classroom. Mas nós não concordamos que isso seja um parâmetro de atendimento adequado. Queremos as crianças tendo aula online, não recebendo material. A escola não é isso. Não podemos aceitar algo tão pouco significativo para as crianças como se fosse uma educação de qualidade”, lamenta Thalita.


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