Jogados ao azar

Liminar que suspendeu volta às aulas em São Paulo é cassada. Professores prometem greve

Presidente do TJ paulista aceitou argumentos do governo Doria de que a volta às aulas em São Paulo será segura e ignorou parecer médico anexado ao processo

Reprodução/Agência Senado
Reprodução/Agência Senado
Pressão pela reabertura atende a interesses econômicos e eleitorais, segundo a Apeoesp

São Paulo – O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Geraldo Francisco Pinheiro Franco, cassou a liminar que suspendeu a volta às aulas nas fases vermelha e laranja da quarentena – que apresentam maior risco de contaminação pela covid-19 aos professores e outros trabalhadores da educação. Franco acatou os argumentos do governo de João Doria (PSDB), de que haverá equipamentos de segurança e poucos alunos por sala, enquanto ignorou o parecer médico do patologista Paulo Hilário Nascimento Saldiva, que defende a suspensão das aulas nessas fases por risco à saúde, anexado ao processo.

“Claro está que a retomada das atividades presenciais nas unidades escolares envolve elementos ligados ao mérito do ato administrativo que não pode ser objeto de análise pelo Poder Judiciário, cujo foco deve estar ligado aos aspectos formais de validade. Se não pode invalidar, pelo mérito, o ato administrativo, é também vedado ao Poder Judiciário proferir decisão que substitua o mérito desse ato, pautado em critérios técnicos”, argumentou Franco, referindo que a decisão da volta às aulas em São Paulo cabe apenas ao governo paulista.

Reações

Os seis sindicatos que ingressaram com a ação questionando a volta às aulas nas fases vermelha e laranja da quarentena informaram que vão recorrer. O Sindicato dos Professores no Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) também informou que a manutenção da decisão vai levar os professores a entrarem em greve a partir do dia 8 de fevereiro.

“A Apeoesp irá recorrer contra essa decisão, que não atacou pontos importantes levantados pela entidade, notadamente a precariedade da infraestrutura das escolas públicas estaduais e o risco de contágio de profissionais da Educação e estudantes, ambos amparados por dados técnicos, produzidos pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e por autoridade médica renomada, que não foram questionados pelo governo do estado. Além disso, sinaliza com a deflagração de uma greve a partir do dia 8 de fevereiro. Não haverá volta às aulas sem segurança aos profissionais da educação”, disse a presidenta da Apeoesp e deputada estadual, Professora Bebel (PT).

A liminar

A juíza Simone Gomes Rodrigues, da 9ª Vara da Fazenda Pública, concedeu a liminar suspendendo a voltas às aulas em São Paulo nas fases vermelha e laranja, na tarde de ontem (28). A ação questiona as determinações do decreto 65.384/20 e da Resolução SEDUC 95/2020, do governo Doria. Hoje, o estado tem quase 70% das unidades de terapia intensiva (UTI) para paciente com covid-19 ocupadas. A taxa de transmissão está alta, com registro de mais de 10 novos casos por dia, em média. São registradas cerca de 1.500 internações e 220 mortes todos os dias.

“A situação atual da crise sanitária não justifica a retomada das aulas presenciais nas escolas localizadas nas áreas classificadas nas fases laranja e vermelha, em nome da proteção ao direito à vida, que não pode ser desprezado. Assim, merece prevalecer o direito à vida, pois arriscar à saúde para a retomada das aulas presenciais, em locais onde a transmissão do vírus é intensa, sem vacinação dos profissionais da educação, pode gerar um aumento do número de contaminados e de mortos pelo vírus”, argumentou a juíza.

A proposta do governo Doria era que a volta às aulas em São Paulo ocorresse de forma obrigatória, com até 35% dos estudantes por sala, nas fases vermelha ou laranja. Mas, com o agravamento da pandemia, o tucano recuou e autorizou que os estudantes e suas famílias poderiam optar por voltar ou não. No entanto, os professores continuam obrigados a retornar já no dia 1º de fevereiro.

Insegurança e contágio

A magistrada considerou que não é possível garantir a segurança dos professores e citou a análise do médico e doutor em patologia Paulo Hilário Nascimento Saldiva.

“Os profissionais da educação, num contexto de volta às atividades presenciais, não serão expostos somente em sala de aula, mas também nos deslocamentos feitos em transporte público, espaço que, notoriamente, proporciona grande concentração de pessoas. Ou seja, há o risco de exposição ao vírus tanto no percurso de casa até as unidades de ensino, pela interação com os estudantes, e também no transporte público, na interação forçada com outros adultos, por ambos serem pontos de aglomeração de seres humanos”, defendeu Saldiva. Para ele, é impossível falar em 100% de proteção contra a covid-19 em locais fechados.

 “O cenário acima exposto me faz tecer, como conclusão, que o retorno às aulas sem que os profissionais da educação estejam vacinados importa em ampliar a sua vulnerabilidade à covid-19, desenhando um cenário em que não é possível lhes assegurar o direito à saúde e o direito à vida, mesmo, como dito, com a adoção de medidas assecuratórias tais como a oferta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e de insumos de higiene”, prosseguiu o médico.