Conquistas em risco

PL da Regulamentação do Fundeb limita avanços e impõe retrocessos à educação pública

Relatório do deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) não garante valorização real do piso salarial, incorpora parâmetros meritocráticos e exclui o CAQ, advertem entidades de defesa da democratização e qualidade da educação pública. Oposição tenta mudanças no texto

Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados
Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados
Deputados da oposição conseguiram adiar votação para essa quinta (10). Expectativa é que o texto do relator seja corrigido ainda hoje para impedir retrocessos

São Paulo – Para entidades do campo da educação, o projeto de lei de regulamentação do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que avança na Câmara dos Deputados, “representa uma série de retrocessos ao texto constitucional e ao direito à educação”. Perto do recesso parlamentar, o PL 4.372/2020, de autoria do deputado federal Felipe Rigoni (PSB-ES), teve urgência aprovada nesta terça (8), foi incluído na pauta de votação de hoje mas, após as contestações, deputados da oposição conseguiram adiar a votação para esta quinta-feira (10).

Eles criticam o projeto por se afastar das conquistas obtidas na Emenda Constitucional (EC) 108/2020 que tornou o novo Fundeb permanente. A expectativa é que mudanças defendidas como necessárias sejam aprovadas para que o texto possa ser votado.

O mais importante fundo de financiamento da educação básica, que corria o risco de ser extinto no final deste ano, teve seu formato renovado pelo Congresso em setembro. Mas para entrar em funcionamento, a emenda precisa ainda ser regulamentada pelos deputados e senadores e, ao final, ser homologada pelo presidente da República. 

Entre as conquistas garantidas na aprovação, os parlamentares conseguiram a contribuição maior da União que, já no próximo ano, passará dos atuais 10% para 12%. Até atingir 23% em 2026. No entanto, de acordo com a nota técnica da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, há uma série de outras conquistas em risco com o PL 4.372.

Os retrocessos previstos  

O texto, critica a entidade, se afasta da equidade na distribuição de recursos do Fundeb “ao preterir o Custo Aluno Qualidade (CAQ) e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) e dar lugar a parâmetros meritocráticos”. “O PL foca em resultados de aprendizagem, em clara afronta à EC 108/2020, que prescreve a apuração da evolução em indicadores de atendimento e aprendizagem com redução das desigualdades”. Hoje, já há escolas que recebem maiores bonificações conforme o resultado. A medida, no entanto, desconsidera que as instituições que alcançam os melhores resultados em avaliações já são as que têm melhores condições de infraestrutura. O que deixa de destinar recursos para aquelas escolas que mais precisam. 

O próprio CAQ, que é uma métrica de investimentos com intuito de garantir que os recursos cheguem de fato às unidades de ensino, é substituído pelo relator com o conceito de “custo médio”. “O que é incongruente e inaceitável” sobre o que previa o novo Fundeb, avalia a entidade. 

Ainda de acordo com a Campanha Nacional, o relatório também “aprofunda a privatização da educação por incluir nos repasses instituições privadas de educação técnica de nível médio”, como o Sistema S. O conjunto de nove instituições empresariais já recebe pelo menos 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. O texto também é criticado por retirar do prazo a contemplação de instituições conveniadas na pré-escola e retroceder na gestão democrática. Segundo a entidade, ele “centraliza a tomada de decisão de todas as metodologias de cálculo dos parâmetros de qualidade, indicadores de atendimento e socioeconômicos e de avaliação, dentre outros parâmetros, em órgãos máximos de gestão”. 

Oposição ao PL

A Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) também chama o PL do deputado Rigoni de “inadmissível”. Em nota, a Fineduca aponta que o projeto “não corrige os fatores de ponderação, permanecendo os mesmos do atual modelo”. A medida indica quanto de investimento cada nível de ensino receberá. E ela que aponta quanto será repassado, por exemplo, à educação escolar indígena, quilombola e do campo e a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Modalidades que nos últimos anos vêm perdendo recursos

A Agência Câmara de Notícias afirma que desde ontem deputados de oposição pedem mais tempo para negociar as mudanças no projeto. Hoje, pela manhã, a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), declarou pelo Twitter que os partidos de oposição estavam reunidos com o deputado Rigoni para que o relatório não fosse votado nesta quarta. “Há muitos retrocessos”, ressaltou Sâmia. “Não vamos aceitar!”. 

Entre as alterações, as entidades do campo da educação cobram também a valorização real do Piso Salarial Profissional Nacional. Assim como a garantia de plano de carreira e qualificação profissional. Reportagem da RBA mostrou que uma portaria aprovada pelo governo de Jair Bolsonaro congelou o reajuste salarial dos professores no próximo ano, ao tirar recursos da educação pública.

Rigoni quer ‘negociar’ Fundeb

De acordo com o deputado federal Bacelar (PTN-BA) “anos de trabalho da Comissão que debateu o novo Fundeb foram desconsiderados no relatório apresentado por Rigoni“. “Vejo muitos problemas e a necessidade de uma análise mais detalhada. Se aprovado, colocaremos nossas crianças e educadores em situação de vulnerabilidade”, alertou pelo Twitter

O relator do projeto disse à Agência Câmara de Notícias que “está aberto a negociações com a oposição”. E em “busca de um texto mais consensual possível na hora de votar”. Rigoni lembrou, contudo, que se o Congresso não conseguir regulamentar o Fundeb, isso ficará sob responsabilidade da União, a partir de medidas provisórias. O governo Bolsonaro já sinalizou que decretará a regulamentação do fundo por meio de medida provisória. Na qual deve aproveitar também para impor uma agenda de retrocessos contra os professores e pela ampliação da privatização da educação. 

A coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, confirma que é preciso votar com urgência a regulamentação no Congresso. “Mas com discernimento, com base em estudos técnicos, com responsabilidade e seguindo os preceitos democráticos e constitucionais”, adverte.  “Não cabe voltarmos atrás do que foi profundamente debatido, votado por ampla maioria e considerado unanimemente como uma grande conquista para o direito à educação”, contesta a coordenadora na nota técnica. 

A expectativa da oposição e das entidades em defesa da educação pública é que o texto seja corrigido e possa já ir a votação amanhã. Segundo deputados, o projeto precisa ser votado até o fim desta semana para que as novas regras passem a valer já em 2021.