Transferência de responsabilidade

Pais terão de decidir sobre volta às aulas presenciais na capital paulista

Conselho da Educação prepara resolução que vai permitir a continuidade do ensino à distância para pais que não aceitarem a volta às aulas presenciais

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O governo de Tarcísio de Freitas insiste em política de enxugamento de recursos pela educação com histórico de fracasso em SP

São Paulo – O Conselho Municipal da Educação (CME) de São Paulo prepara resolução para que a volta às aulas presenciais seja optativa. A presidenta do CME, Rose Neubauer, disse que tanto os pais que quiserem manter os filhos em casa como os que decidirem aceitar a volta às aulas terão de assinar termos de responsabilidade. Os estudantes que não voltarem às escolas vão continuar no ensino à distância, com materiais impressos e multimídia. A resolução deve ser publicada em até 15 dias.

Segundo o CME, a resolução vai valer para a volta às aulas presenciais nas escolas públicas e particulares da capital. Assim, os pais não poderão ser denunciados à justiça por não levarem os filhos à escola. A educação é obrigatória no Brasil a partir dos 4 anos (ensino infantil) e é preciso ter, pelo menos, 60% de frequência durante o ano letivo. No caso de estudantes dos ensinos fundamental e médio, a frequência mínima é de 75%. A próxima reunião do conselho será realizada amanhã (30).

A medida do CME responde a uma demanda das famílias de alunos, que têm rejeitado maciçamente a volta às aulas presenciais. Levantamentos de interações nas redes sociais mostram que quase 90% das manifestações são contra a medida. As aulas estão suspensas desde 24 de março.

Os professores também têm se manifestado contra a proposta, apontando a falta de condições físicas e materiais das escolas manterem o distanciamento social, sobretudo para as crianças menores, até cinco anos. Também apontam o risco de adoecimento e morte dos docentes e outros trabalhadores.

Tudo sobre a volta às aulas em São Paulo

Para o vereador Claudio Fonseca (Cidadania), presidente do Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (Sinpeem), a medida é insuficiente e transfere a responsabilidade para os pais. “É um erro o Estado se eximir e jogar a decisão para a família. Essa proposta não resolve absolutamente nada. Porque qual é a força que fará com que um pais ou uma mãe enviem seus filhos para a escola, em uma situação de insegurança, de risco de adoecer, de morte, sabendo que não é obrigatório?”, questionou.

“Além disso, mesmo que os pais não mandem os filhos, os professores, o pessoal de limpeza, de gestão, terão que estar lá”, acrescentou Fonseca. “Eu discordo da convocação dos profissionais de educação em uma situação como essa, onde as medidas de sanitização da escola, de ambientação, de segurança no geral, não tenham sido adotadas.”

Riscos das aulas presenciais

Além da rejeição da famílias e professores à volta às aulas, especialistas em saúde também são contra. O doutor em infectologia Hélio Bacha, médico do Hospital Albert Einstein e consultor técnico da Sociedade Brasileira de Infectologia, considera que “a epidemia em São Paulo não permite pensar em volta às aulas”. Para ele, sem vacina e nem medicamento eficaz, o isolamento social é a única medida efetiva de controle da pandemia. E a suspensão das aulas presenciais “é fundamental para manter a condição de isolamento eficaz”.

“Eu não sei quando vai reabrir (as escolas). Mas sei que agora não deve. Nessa condição de agora, até acenar com a possibilidade de reabertura em setembro é uma sinalização equivocada para a sociedade. Certamente as UTIs estão em níveis melhores, mas a epidemia ainda está ativa”, defendeu. “Temos que saber como aquela população chega à escola, qual o impacto no transporte coletivo. O transporte é uma grande dificuldade dessa condição atual, com a volta às aulas em São Paulo. A presença de professores e alunos não diz respeito apenas ao prédio da escola, é uma ameaça a todos”, afirmou Bacha.

Segundo dados do governo João Doria (PSDB), a educação no estado envolve 13,3 milhões de pessoas, entre estudantes, professores e outros trabalhadores. Esse total corresponde a 32% da população. Destes, 2,3 milhões estão na educação infantil, 7,6 milhões nos ensinos fundamental e médio, 2 milhões no ensino superior, 1 milhão na educação complementar e 428 mil no ensino profissional. Bacha ressaltou que é preciso considerar que todas essas pessoas vão circular também no transporte coletivo, nas ruas e, depois, voltar para casa.

Trapaça de Doria

A volta às aulas presenciais na capital paulista depende das condições em todo o estado, de acordo com o estabelecido pelo Comitê de Saúde. Mas percebendo que seria difícil cumprir as regras para retomada das atividades escolares, o governo Doria mudou os critérios, sem nenhuma transparência.

Em 24 de junho, o plano de volta às aulas presenciais foi anunciado para 8 de setembro, desde que todo o estado estivesse por 28 dias consecutivos na fase 3-amarela do Plano São Paulo. Na última sexta-feira (24), ficou claro que o estado não atingiria essa meta, pois três regiões ainda estavam na fase 1-vermelha. Doria então determinou a mudança nas regras, que foi oficializada em decreto publicado ontem (28).

Agora bastam duas semanas de fase 3-amarela em todo o estado, desde que 80% da população esteja nessa fase a 28 dias. Atualmente, 50% dos paulistas estão nessa fase da flexibilização da quarentena, o que facilitou a volta às aulas presenciais na data prevista.