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Universidades paulistas apostam no ensino a distância com risco de agravar desigualdades

Professores têm de adaptar conteúdos sem o devido planejamento e estudantes sofrem para ter acesso a videoaulas e outros materiais

USP/Reprodução
USP/Reprodução
Com aulas presenciais suspensas, USP pressiona por atividades digitais a distância

São Paulo – Em meio à paralisação das aulas por conta da pandemia do coronavírus, as universidades públicas paulistas – Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – têm feito aposta arriscada em ferramentas de ensino à distância, para tentar salvar o semestre e o ano letivo. De acordo com representantes dos docentes, falta planejamento e coordenação nas medidas, que estão sendo implementadas sem a devida discussão.

Outra questão é que a dependência do acesso à internet agrava as desigualdades entre os estudantes, e também entre os professores. Alunos de renda mais baixa não têm acesso à banda larga em casa. Quando têm, dividem o computador com toda a família. No celular, muitos usam planos pré-pagos, sem os dados necessários para assistir a diversas aulas.

A maioria das universidades federais, como a Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), suspendeu as atividades tanto presenciais como à distância.

Conexão a distância

Entre os professores, alguns também não têm conexão em casa. Faltam ainda equipamentos adequados para a gravação, além de treinamento específico para a produção de aulas à distância. Além do acesso desigual para os alunos, o risco é de perda de qualidade do material oferecido.

“Ensino à distância pressupõe um projeto claro, com carga horária definida, corpo docente, perfis de estudantes, com objetivos muito claros para formação dos indivíduos. Não é isso que está acontecendo”, afirma a professora Michele Schultz, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, vice-presidenta da Associação dos Docentes de USP (Adusp).

Ela afirma que não há obrigatoriedade, mas uma “pressão” por parte dos departamentos para que os professores adaptem seus conteúdos, com base em tutoriais, para as estratégias à distância. “A gente não tem as competências necessárias e nem os recursos necessários para poder produzir um material de qualidade.”

Na Unicamp, a pressão para que os professores apresentem planos de aulas à distância é ainda maior, segundo o professor do departamento de Ciência Política e presidente da Adunicamp, Wagner Romão. “Tem causado uma ansiedade muito grande, tanto nos professores, quanto nos estudantes. A permanência dessas atividades, com esse grau de formalização, realmente aprofunda as desigualdades.”

Desigualdade digital

Michele afirma que o perfil socioeconômico dos estudantes da USP tem mudado nos últimos anos, com a implementação das cotas sociais e raciais. “Muitos estudantes dizem que só têm o celular pré-pago com internet limitada, e que basta assistir a um vídeo que cessa o pacote. Ou seja, essas medidas excluem muitas pessoas.” A professora relata que os alunos também reclamam do excesso de trabalhos acadêmicos, justamente em um momento em que precisam redobrar os cuidados no enfrentamento à pandemia, cuidando muitas vezes dos filhos ou pais idosos.

Para manter contato com os estudantes, Romão conta que tomou como medida simples a criação de um grupo no WhatsApp. “Dos meus 55 alunos matriculados, consegui manter contato com 32. Ou seja, com cerca de 40% eu não estou tendo relações. É um sinal de uma injustiça que pode estar sendo cometida pelas universidades.”

Acolhimento

Romão e Michele são a favor da utilização das tecnologias digitais para o estreitamento dos laços com os estudantes. “A manutenção deste contato à distância tem como principal papel nesse momento, o acolhimento, o cuidado”, segundo a professora, funcionando como uma “via de mão dupla”, pois eles também se sentem acolhidos pelos alunos nessa fase de isolamento.

“A saída é que a gente possa passar por esse período com o máximo de relação entre professores e estudantes. Mas nada que seja obrigatório, compulsório, tanto para uns quanto para outros. A pandemia coloca, para cada um de nós, condições pessoais muito específicas e que a gente não pode avaliar o quanto pesa”, afirmou Romão.

UFABC

A Universidade Federal do ABC também apresentou uma proposta de estudos continuados emergenciais (ECE), com a aplicação de ferramentas de ensino à distância para cumprir o fechamento do quadrimestre – a universidade tem algumas especificidades, como a divisão do ano letivo. Por lá, segundo o presidente do diretório acadêmico, Clóvis Girardi, tem havido interlocução com a reitoria, a partir de mecanismos de representação, como o Conselho Universitário, que reúne a direção, professores, funcionários e estudantes, ainda que de forma não paritária.

Segundo ele, na sexta-feira (3), docentes e discentes devem apresentar uma contraproposta, que inclui a suspensão do quadrimestre emergencial e a implementação de um plano de estudo específico para contribuir com estudos voltados ao combate à pandemia e seus impactos. “É uma situação completamente atípica que marca a nossa geração. A gente entende que a universidade pública deve ter um papel de protagonismo no sentido de buscar soluções”, afirmou.







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