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MP abre inquérito contra censura de material didático por Doria

Governador mandou recolher material por conta de uma única página em que se explica orientação sexual e identidade de gênero

Renato S. Cerqueira/Futura Press/Folhapress
Renato S. Cerqueira/Futura Press/Folhapress
Doria mandou recolher material didático apenas por haver definição de sexo reprodutivo, identidade de gênero e diversidade sexual

São Paulo – O Grupo de Atuação Especial de Educação (Geduc) do Ministério Público de São Paulo instaurou um inquérito civil para investigar a motivação do governador paulista, João Doria (PSDB), para determinar o recolhimento e inutilização de material didático distribuído na rede estadual de educação no dia de ontem (4). Os promotores querem avaliar se a medida afeta o combate à discriminação por orientação sexual, o direito à liberdade de ensino e aprendizado e acarreta em desperdício de dinheiro público, já que foram recolhidas cerca de 800 mil cartilhas. O gesto de Doria foi entendido como uma tentativa de agradar o eleitorado conservador que segue o presidente Jair Bolsonaro.

O Geduc quer que a Secretaria de Estado da Educação do governo Doria explique a os fundamentos jurídicos da censura do material didático. E se houve consulta aos docentes da rede e órgão colegiados de gestão democrática da educação. Além disso, quer saber se houve contratação de profissionais para a elaboração do material e os valores gastos na elaboração, edição, impressão, distribuição e armazenamento das apostilas. O órgão apontou uma série de leis estaduais e federais desrespeitados pela censura praticada por Doria, bem como a própria Constituição Federal.

Os promotores também destacam que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) prevê como objetos do conhecimento para o 8º ano do ensino fundamental “mecanismos reprodutivos” e “sexualidade”, devendo fazer parte dos materiais didáticos e que o governo paulista não pode reduzir essa diretriz. Além disso, o Conselho Estadual de Educação determina que as instituições de ensino do sistema estadual deverão “viabilizar as condições necessárias de respeito às individualidades, mantendo, entre outros, programas educativos e assegurando ações e diretrizes previstas nos Planos Estaduais de Enfrentamento à Homofobia e Promoção da Cidadania LGBT”.

A censura do material didático deixou milhares de alunos do 8º ano do ensino fundamental sem qualquer outro material de aprendizagem. Isso porque, além do trecho que Doria tachou de “erro inaceitável”, por fazer o que ele chama de “apologia à ideologia de gênero”, os livros traziam conteúdos de português, matemática, geografia e outras disciplinas. A parte censurada nada mais era do que uma explicação sobre orientação sexual, identidade de gênero e sexo biológico, tudo contido em uma única página.

Como explicou o professor da Universidade Federal do ABC Fernando Cássio, que ingressou com representação no Ministério Público contra a censura do material didático, “ideologia de gênero” é um termo utilizado por grupos conservadores que não aceitam a discussão sobre diversidade sexual e educação sexual e reprodutiva nas escolas públicas. “Não existe ‘ideologia de gênero’. A ideologia é dos que querem censurar o debate. Era um caderno amplo, com várias disciplinas e que tinha um pequenos trecho falando em diversidade sexual e identidade de gênero, em total acordo às normas federais e estaduais”, explicou.

Cássio ressaltou que o principal objetivo da educação sexual e das discussões sobre diversidade sexual e identidade de gênero são combater a discriminação, a evasão escolar e orientar os jovens nessa importante fase do desenvolvimento. “Não existe ‘moldar alguém’ nisso. Mas existe uma grande necessidade de combater o preconceito, a violência, ajudar os jovens a entenderem esse momento de suas vidas. É como se, por não discutir isso, os jovens gays, transexuais, fossem desaparecer. Não, eles estão nas escolas e precisam dessa política para permanecerem lá”, afirmou.