pesadelo

Corte de bolsas deve causar ‘fuga de cérebros’, alerta neurocientista

Para Sidarta Ribeiro, diretor do Instituto do Cérebro da UFRN, desmantelamento do sistema de pesquisa pode provocar atrasos de até 70 anos

Agência Brasil
Agência Brasil
Se PL de Doria for aprovado, serão retirados recursos para pesquisas fundamentais à sociedade, como a que descobriu o sequenciamento do novo coronavírus

São Paulo – Para o neurocientista Sidarta Ribeiro, diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o impacto dos cortes de bolsas de estudos para pesquisas de pós-graduação é “devastador” para futuro do país. Ele classifica o desmantelamento do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação como um crime de “lesa-pátria” cometido pelo governo Bolsonaro. As consequências serão o abandono de pesquisas importantes e a fuga de “cérebros do país”, que podem representar um atraso de sete décadas de investimentos em pesquisa e inovação.

“Se não tomarmos cuidado, este será um século em que o Brasil vai voltar a ser um grande fazendão, que apenas vende commodities baratas (produtos agrícolas e minerais), cuja produção já está mecanizada. O Brasil é um país que tem tudo para dar certo. Mas se continuar desse jeito, vai ser vendido na xepa”, afirmou o neurocientista em entrevista ao jornalista Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta quarta-feira (4).

Nesta semana, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) anunciou o 5.613 bolsas cancelamento de bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Nos oito meses do governo Bolsonaro, já foram extintas 11.811 bolsas de estudos.

Ribeiro diz não entender a que interesses atendem esses cortes, e lembra que durante a campanha eleitoral, Bolsonaro prometia elevar os investimos em Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI) para o equivalente a 3% do PIB. “O que está ocorrendo é justamente o oposto. A consequência disso é a fuga de cérebros. Muitas pessoas vão embora. Muita vão abandonar a carreira científica. Encontramos hoje doutores com artigos publicados trabalhando como motoristas de Uber.”

Falsa dicotomia

Ele também desmentiu o discurso oficial do governo, que alega que os cortes nas pesquisas e nas universidades se dariam em função do investimento na educação básica. “O governo faz esse discurso, mas nesse ano não houve repasses para a educação integral. Recursos para creches, alfabetização e ensino integral foram reduzidos”, diz o cientista. Ele cita estudo elaborado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) que revela que, mesmo se todo o investimento no ensino superior fosse “zerado”, os gastos na educação básica aumentariam apenas 17%.

“Existe uma grande falácia. É como um pai que tem um filho pequeno que escolhe entre alimentá-lo ou vaciná-lo. São coisas diferentes. Uma com efeito imediato, outra no médio e longo prazo. Ambas são necessárias. A dicotomia entre ensino básico e o superior só existe na cabeça das pessoas que querem reduzir o tamanho da educação pública brasileira. A solução não é tirar dinheiro de uma área da educação para alocar em outra. É parar de pagar juros extorsivos para banqueiros, e começar a investir no povo brasileiro. Se não investirmos, o país vai dar errado.”

Sonhar o futuro

Autor do livro Oráculo da Noite (Companhia das Letras), que relata a perda da centralidade do sonho na sociedade ocidental contemporânea, Ribeiro diz que o abandono dos relatos oníricos está nos levando a uma situação que dificulta a capacidade de simular sobre o futuro. “Os sonhos são oráculos probabilísticos, simulações de como pode ser o amanhã baseado em ontem. Estamos numa civilização extremamente tecnológica que tem dificuldade de imaginar as consequências das decisões tomadas agora. O que vai acontecer com o Brasil quando a Amazônia tiver sido totalmente devastada?”, questiona o neurocientista.

Danos irreversíveis

Cientistas apontam que se a devastação da Amazônia chegar a uma faixa de 25% a 30%, o dano no bioma pode ser irreversível. O quadro é preocupante, com o aumento das queimadas na região, em 2019. Com impactos no clima, a densa floresta tropical se transformaria numa bioma mais parecido com o cerrado brasileiro. Segundo Ribeiro, Algo parecido pode ocorrer com os investimentos científicos no país, que chegariam também a um “ponto de não retorno”.

“Se esses cortes se mantiverem por certo tempo, os danos serão irreversíveis. As pessoas vão abandonar as pesquisas ou abandonar o país. Isso não vai ser recuperado facilmente. O investimento para retomar o ponto em que estamos atualmente vai ter que ser muito maior. Ou a gente interrompe o processo em curso, ou vamos perder pelo menos 70 anos de investimentos em pesquisa e inovação do país.”

Ouça a entrevista completa