Financeirização do ensino

MEC quer ampliar financiamento privatizado em universidades federais

A pretexto de atrair recursos financeiros, plano reduz papel público das universidades, na avaliação do educador Daniel Cara

Marcelo Camargo/Abr
Marcelo Camargo/Abr
Plano do MEC é apoiado em dispositivos do mercado financeiro e deixa de lado participação do poder público

São Paulo – O Ministério da Educação (MEC) quer ampliar a captação de verbas privadas para o orçamento das universidades federais. A proposta foi confirmada pelo novo plano de gestão financeira das instituições, Future-se, lançado oficialmente nesta quarta-feira (17) pelo governo Bolsonaro. O projeto já havia sido apresentado na terça aos 62 reitores. De acordo com o ministro da Educação, Abraham Weintraub, a ideia é que o plano aumente a autonomia financeira e estimule a inovação das universidades.

Dividido por eixos temáticos – gestão, governança e empreendedorismo; pesquisa e inovação; e internacionalização –, o Future-se prevê que parte do orçamento das instituições seja constituído por um fundo imobiliário, que seria formado da venda de imóveis ociosos que façam parte do patrimônio das universidades. O MEC diz ter recebido do Ministério da Economia uma doação de R$ 50 bilhões em lotes, imóveis e edifícios da União, o que permitiria às reitorias fazer parceiras público-privadas (PPPs), comodato ou cessão dos prédios e lotes.

O governo também defende que a captação de recursos extras seja feita a partir de doações de empresas ou de ex-alunos para financiar pesquisas ou investimentos de longo prazo. Em outro ponto, prevê a concessão legal para empresas nomearem com suas marcas campi e edifícios, os chamados naming rights, além da criação de ações de cultura que possam se inscrever em editais de fomento, como a Lei Rouanet.

Na prática, o plano do governo está fundamentado em uma série de dispositivos do mercado financeiro. Na análise do coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, a medida pode corroer todo o patrimônio acumulado pelas universidades federais ao longo de décadas para “um modelo ruim e desigual”.

Pelo Twitter, Cara criticou as propostas que, segundo ele, submeterá instituições a riscos e mudanças de prioridades. “Captar recursos não é a meta. Universidade não é indústria. E educação não é produto para ser comercializado”, afirma.

Querendo transformar o conhecimento das universidades em “produto de exportação”, sendo “a Apex da educação”, como disse o secretário de Educação Superior do MEC, Arnaldo Barbosa de Lima Júnior, durante a apresentação do plano, em referência à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, o objetivo do governo é incluir no financiamento uma linha de microcrédito orientado, estendendo o modelo para start-ups.

Há ainda na proposta um modelo de “fundo soberano do conhecimento”, apoiado com recursos do capital privado, de royalties, patentes, parques tecnológicos, que seria redistribuído às universidades. “O modelo chama-se ‘Future-se’. Poderia ser ‘Vire-se’ e ‘Privatize-se'”, contesta o coordenador da campanha.

O proposta de arrecadação do governo também estabelece requisitos de transparência, auditoria e compliance, cria prêmio para projetos inovadores, remunera de forma privada professores com publicações em revistas de ponta ou com registro de patentes, além de substituir o programa Idioma sem Fronteiras por parcerias com instituições privadas.

Contingenciamento nas universidades

Durante a apresentação o secretário do MEC disse que nas universidades federais não falta dinheiro, mas gestão. No entanto, reportagem de Beatriz Drague Ramos, da Rádio Brasil Atual, mostra que desde que a pasta anunciou o bloqueio de 30% das verbas discricionárias, as instituições federais estão em estado de alerta. Com quase R$ 50 milhões retidos, os impactos já são sentidos pelos estudantes.

Publicada às vésperas do lançamento do Future-se, a reportagem ouviu de especialistas que o plano do governo beneficiaria grupos empresarias em educação vinculados ao capital financeiro. “Do ponto de vista do ensino das universidades privadas, o ensino superior público é uma concorrência para elas”, destacou o doutorando em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Alan Kenji.


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O presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão, questionou o contingenciamento do orçamento das universidades. “Precisamos de uma resposta imediata”,  comentou Montalvão. O secretário Arnaldo Barbosa rebateu dizendo que o Future-se estará aberto para consulta pública “para ouvir opinião de pessoas como você, que muitas vezes carecem de muita informação”, provocou.

Apesar do tratamento feito pelo secretário, universidades federais de São Paulo, Bahia, Acre, Rio de Janeiro e do Amazonas contam que a falta de orçamento fez com que bolsas de iniciação científica e de permanência fossem suspensas, editais de programas de extensão, cancelados, além de terem sido quebrados contratos com funcionários terceirizados para manutenção e limpeza nos campi.

“Quando foi que virar estudante de universidade pública passou a ser um crime nesse país?”, questiona a estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Amanda Oliveira na Rádio Brasil Atual.

O Future-se está aberto para consulta até o dia 7 de agosto. Entre os dias 14 e 21 de agosto será possível encaminhar propostas. Ao final, o plano será enviado para análise do Congresso.


Com informações dos portais G1 e UOL e do jornal Folha de S.Paulo

 

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