Pátria deseducadora

Paulo Freire, na mira olavista, terá homenagem no Maranhão

Deputada que é 'aluna' de Olavo de Carvalho há 13 anos quer revogar lei que escolheu Freire como Patrono da Educação Brasileira

Instituto Paulo Freire e Reprodução

Apesar de a obra de Paulo Freire ser referência mundial no campo da pedadogia, no Brasil ele é alvo da ideologia da deputada e seu guru

São Paulo – Atacado por parlamentares do campo conservador e pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, o educador Paulo Freire receberá, in memoriam, a Medalha Timbira, condecoração máxima do estado do Maranhão. O anúncio, feito em rede social pelo governador Flávio Dino (PCdoB), coincide com nova ofensiva contra aquele que é considerado uma das principais referências do ensino em todo o mundo. A morte de Freire completou 22 anos nesta quinta-feira (2).

“Reconhecimento à importância de sua monumental obra para a educação em todo o mundo. Claro que também no nosso Estado, pois agimos inspirados em suas lições, que são eternas”, escreveu Dino, que no ano passado tornou o piso salarial dos professores da rede pública estadual, de R$ 5.750, o maior do país

Segundo dados divulgados pelo governo maranhense, com base no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) subiu no estado entre 2016 e 2017. E um dos destaque é para a educação: de 2012 a 2017, o IDHM subiu de 0,609 para 0,682. Em 2015, o Executivo estadual lançou o programa Escola Digna, para construir e reformar unidades – foram mais de 800 desde então.

Enquanto isso, Jair Bolsonaro concedeu ao astrólogo Olavo de Carvalho, mais conhecido por pronunciamentos virtuais polêmicos e agressivos, o mais alto grau da Ordem de Rio Branco, condecoração que distingue aqueles que se destacam por “serviços meritórios e virtudes cívicas”. O presidente declarou nesta semana que é a favor de tirar de Paulo Freire o título de Patrono da Educação Brasileira. Não falou em substitutos. 

Nesse sentido, a deputada federal Caroline de Toni (PSL-SC) protocolou terça-feira um projeto de lei para revogar a Lei 12.612, de 2012, que deu o título ao educador brasileiro. A argumentação é singela: “Não podemos aceitar que a nossa educação seja pautada por um ideólogo marxista”, escreveu. Freire nunca foi comunista. Já houve uma tentativa no Congresso, rechaçada, de retirar o título.

A parlamentar foi a mesma que, em parceria com colegas, apresentou projeto sobre o programa Escola sem Partido. E ela se apresenta como “aluna” de Olavo desde 2006 – 13 anos, quase o período do ensino básico, médio e superior, somados. 

Mas foi só recentemente, em março, que ela conheceu pessoalmente o guru do bolsonarismo. O comentário sobre o encontro não é muito claro: “Recomendo que todos façam o curso virtualmente, precisamos urgentemente inverter o modo como vemos a política, para que o protagonismo da vida social não venha dela, mas sim dos cidadãos”.

Em sua justificação para o projeto, Caroline afirma que “evidências” – não especifica quais – mostram que o “enfoque excessivo na formação política do aluno” não oferece respostas às deficiências da educação nacional. O método de Freire tem foco no ensino básico. A deputada também foi presidenta do Movimento Brasil Livre de Chapecó (SC).

Maníacos ideológicos

Em entrevista à revista CartaCapital, a deputada Luiza Erundina (Psol-SP) credita os ataques a Paulo Freire a uma aversão à filosofia que defende a conscientização das pessoas, “torná-las sujeitos da sua própria vida”. Para Erundina, autora do projeto que resultou na lei de 2012, a proposta de Freire tem “poder transformador”, das pessoas e da realidade, “o que é ameaçador para sociedades autoritárias e conservadoras como esta que estamos vivendo hoje no Brasil”. Ela se refere aos críticos como “maníacos ideológicos, que não têm racionalidade nenhuma”.

A nova ofensiva contra Paulo Freire, cuja obra possivelmente é ignorada por quem a ataca, faz parte de uma série de ofensivas contra a educação brasileira, o ensino na área de humanas e à universidade pública. O governo já falou em corte de verbas para algumas instituições e posicionou-se contra o ensino de Filosofia e Sociologia, como se essas disciplinas impedissem o avanço de outras áreas. 

“Os recentes ataques do governo Bolsonaro ao ensino de humanidades e à universidade pública de modo geral merecem o veemente repúdio de todos os que entendemos o papel da educação para a formação da cidadania. Por isso, juntamo-nos aos protestos que as declarações e ações do presidente do Brasil e seu ministro da Educação vêm provocando no país e no exterior”, diz nota assinada pelos professores e pesquisadores Edson Capoano, Kamila Fernandes, Sylvia Moretzsohn e Tadeu Feitosa. 

Desprezar o ensino de filosofia e sociologia em prol de áreas supostamente mais “úteis” é condenar o povo à ignorância. Impor o corte radical de 30% no orçamento de todas as universidades federais é condená-las à extinção. Cultivar o ódio ao professor e estimular os estudantes a denunciá-los é investir na degradação do caráter da juventude”, afirmam.

O jornal inglês The Guardian dedicou editorial à “política educacional” do governo. “Os políticos autoritário não são os únicos inimigos das humanidades. Existe também uma opinião de que a educação superior é mera servidora dos mercados, ainda que qualquer pessoa educada posa ver que esse é um caminho equivocado”, diz a publicação. 

“Os princípios da democracia liberal se veem ameaçados pela violência, mas também por algumas formas de agressão intelectual. Se queremos defendê-los e melhorar suas práticas, precisamos de mais filósofos e sociólogos.”